Centeno e Marcelo: uma rutura consumada

Irritação em Belém com fuga de informação a dizer que Marcelo pediu desculpas a Centeno. Ministro já só está a prazo no Governo, até junho.

Os calendários até que encaixam bem: em junho o Governo apresenta e faz aprovar no Parlamento - provavelmente agora com a abstenção do PSD - o orçamento suplementar.

No mês seguinte, julho, termina o mandato de Mário Centeno na presidência do Eurogrupo; e, também em julho, cessa o segundo e último mandato de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal (BdP), lugar que Centeno - quadro do banco - ambiciona.

Tudo se conjuga e, na cúpula do PS, a convicção dominante é de que este é o calendário acertado entre o primeiro-ministro e o seu ainda ministro das Finanças.

A "crise" em torno de um novo financiamento de 850 milhões do Estado ao Novo Banco, através do Fundo de Resolução, precipitou os acontecimentos.

Esta quinta-feira tornou-se claro que Centeno deixou de merecer a confiança do Presidente da República - que ainda há dois meses lhe tinha pedido para não deixar o Governo.

Na quarta-feira, na Autoeuropa, Marcelo Rebelo de Sousa insistiu no argumento de que teria sido preferível que o financiamento ao Novo Banco só tivesse acontecido depois de concluída a auditoria que a Deloitte está a fazer às contas do banco relativas a 2018.

Segundo a TSF, Centeno sentiu essas afirmações como uma ingerência do PR na sua área de governação e ameaçou demitir-se. Reuniu com Costa na quarta à noite na residência oficial do primeiro-ministro e dessa reunião saiu um comunicado pelo qual o primeiro-ministro reafirmava publicamente a sua "confiança pessoal e política no ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno".

No mesmo comunicado ficou-se também a perceber que tinham estado a preparar o orçamento suplementar, revelando-se que será apresentado no Parlamento em junho. E Marcelo também ligou na manhã desta quinta-feira a Centeno (mas isso não se sabia).

Ora esse telefonema seria objeto de uma fuga de informação que muito irritou Belém. Uma notícia da TSF dizia que Marcelo falara ao ministro num "equívoco" a partir das suas declarações na Autoeuropa. O Correio da Manhã avançava mesmo que Marcelo tinha pedido "desculpas" ao ministro.

Irritado, o Presidente da República emitiu um comunicado: por um lado, reafirmou a sua oposição à transferência de dinheiro para o Novo Banco sem conhecimento da auditoria da Deloitte; por outro assegurou que nada tinha a ver com a manutenção de Centeno no Governo, "matéria de competência do primeiro-ministro".

Legalmente, de acordo com a Constituição, a distância ou proximidade do PR face ao ministro das Finanças é irrelevante: só o primeiro-ministro é "responsável perante o Presidente da República"; os ministros são apenas responsáveis perante o primeiro-ministro.

Mas politicamente é diferente: um ministro das Finanças em choque com o Chefe do Estado colocam o ministro numa posição muito complicada. Ainda para mais quando o PR é campeão de popularidade - e mesmo registando Centeno bons números nesse campeonato, tal como aliás o primeiro-ministro.

Há mesmo no PS quem ache que o PR tentou "empurrar" Centeno borda fora. Porfírio Silva, dirigente nacional do PS e deputado, escreveu-o no Facebook, argumentando até que não foi a primeira vez (uma referência implícita a este caso).

O choque com o PR não inviabiliza, porém, que Centeno saia do Governo, deixe a presidência do Eurogrupo e depois vá substituir Carlos Costa como governador do Banco de Portugal.

A nomeação não passa pelo Presidente da República. É feita por resolução do Conselho de Ministros, por proposta do ministro das Finanças (por isso importa que Centeno seja substituído no Governo antes de ser indicado para o banco central - de outra forma indicar-se-ia a si próprio).

Ficando agora claro que Mário Centeno está a prazo no Governo, multiplicam-se nos bastidores do PS palpites sobre quem lhe sucederá. O nome mais referido é o do atual ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira. Outro nome referido é o de Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado nas Finanças desde 2015.

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