O programa de reabilitação de agressores sexuais vai ser alargado e deverá passar a funcionar, ainda neste ano, em oito prisões. À Carregueira (Sintra), a Paços de Ferreira e a Santa Cruz do Bispo (Matosinhos) vão juntar-se mais cinco estabelecimentos prisionais - que o governo não quer ainda adiantar quais serão..Ao estender o número de prisões que ofereçam este programa de reabilitação para condenados por crimes sexuais pretende-se chegar a mais condenados, "uma vez que atualmente o universo não é totalmente abrangido". Neste momento, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais está a trabalhar em dois sentidos: alargar a resposta e transferir os que dela necessitam para estabelecimentos onde o programa já exista..A lei só prevê a frequência do programa em casos de condenações efetivas (e de forma voluntária) e para os agressores sexuais de crianças e jovens. O PAN - Pessoas-Animais-Natureza apresentou em abril um projeto de lei que visava alargar o programa de reabilitação a todos os arguidos de crimes sexuais - argumentando sobretudo com a reduzida taxa de condenações efetivas, que não vai além dos 3%, contra 58% de penas suspensas e 5% de multas ou trabalho comunitário, segundo os últimos dados do Ministério da Justiça que reportam a 404 condenações em 2016. Contudo, o diploma do PAN caducou porque não chegou a ser agendado para ser discutido nesta sessão legislativa, que termina a 19 de julho..O programa existente é composto por dois módulos separados, um destinado a autores de crimes contra a liberdade sexual (como os violadores) e outro para autores de crimes contra a autodeterminação sexual (abuso sexual de menores, entre outros). Os dois não se misturam nas sessões - que podem ser semanais ou bissemanais - e só admitem reclusos sem problemas de adição ao álcool ou à droga..Reincidência: duas novas condenações.Desde 2012 já frequentaram o programa dirigido a agressores sexuais 358 reclusos. Para ilustrar os resultados do programa, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais refere um estudo empírico recentemente realizado a uma amostra de 110 reclusos que cumpriram o projeto na íntegra e que após a sua conclusão saíram em liberdade - revelou uma taxa de reincidência geral de 3,6%..Quer isto dizer que dos 110 reclusos libertados após a frequência do programa, quatro voltaram a ser condenados. Destes, dois foram condenados por novo crime contra a autodeterminação e liberdade sexual, o que se traduz numa taxa de recidiva de 1,8%..Nas cadeias, o programa é dirigido a casos de alto risco, pelo que tem "uma elevada intensidade" - desde uma fase precoce de cumprimento da pena até à sua saída em liberdade, e é orientado por psicólogos com uma formação específica. Reduzir o risco de os condenados reincidirem é o principal objetivo. A tomada de consciência do impacto que este crime tem na vítima, através da troca de papéis, é outros dos itens trabalhados. Pretende-se assim a adoção de comportamentos socialmente ajustados.."A sexualidade nos seres humanos é um processo de aprendizagem: se se desenvolveu uma sexualidade desajustada, esta também pode ser substituída por uma sexualidade ajustada. No caso dos violadores, pretende-se que consigam desenvolver sentimentos de reciprocidade pelas mulheres em geral e que não as vejam apenas como objetos sexuais para serem usados", explica Rui Abrunhosa Gonçalves, autor do programa de reabilitação sexual que foi aplicado como projeto-piloto em 2009 na Carregueira.."No caso de violadores sexuais de menores, primeiro é preciso perceber se existe parafilia. Os pedófilos que só têm interesse sexual exclusivo por menores pré-púberes têm um problema ao nível da saúde mental e muito provavelmente têm de ser ajudados com medicação para o controlo de impulsos. Mas a maior parte de abusadores sexuais de menores não são pedófilos, é um grupo muito raro. A maior parte são indivíduos cujo envolvimento sexual com menores é uma coisa de carácter situacional", explica o criminologista, dando como exemplo os padrastos que abusam das enteadas e que continuam a ter um relacionamento com a mãe da criança..Ou seja, Rui Abrunhosa Gonçalves entende que se existe "um relacionamento sexual normal", é possível trabalhar as questões do outro relacionamento inadequado, de forma a desaparecer. "Esta é a base do processo: substituir aprendizagens erradas que já lá estão, mas que por uma razão deixaram de ser importantes.".Sair da prisão e voltar a violar.Apesar de os números de reincidência avançados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais serem baixos, vão surgindo notícias de homens que depois de cumprirem pena voltam a praticar crimes sexuais. No final de abril, foi conhecida a detenção de um indivíduo de 38 anos pelos crimes de rapto, violação e roubo, praticados um mês depois de ter saído da prisão, onde cumpriu dez anos por crimes sexuais. Segundo a Polícia Judiciária, o homem viajava nos transportes públicos de Lisboa de noite e de madrugada, escolhia as vítimas, perseguia-as e depois atacava-as..Qual o perfil de um violador que reincide? Rui Abrunhosa Gonçalves diz que "além de ter um impulso sexual desregrado, é um indivíduo violento que gosta de exercer o poder e controlo"..Para estes casos, sustenta, é fundamental a avaliação do risco. "Se um indivíduo é de risco elevado, então a intervenção tem de ser muito mais musculada, muito mais frequente, mais do que uma vez por semana. É preciso saber que avaliação lhe foi feita porque podia ser-lhe dada uma medicação para fazer controlo de impulsos - não é castração química - que baixa a agressividade e é prescrita pelo médico psiquiatra.".O professor da Universidade do Minho defende que é muito frequente nas prisões portuguesas não existir qualquer tipo de avaliação. "Avaliação do risco deveria estar protocolada e ser aplicada a todos os agressores sexuais que entrem em meio prisional, independentemente de haver programa ou não. Temos um grande défice de avaliação dos nossos reclusos, não sabemos de facto quem são porque não os avaliamos.".Violações sempre a subir.O alargamento do programa de reabilitação de condenados por crimes sexuais surge numa altura em que o último Relatório Anual de Segurança Interna dá conta de um aumento dos crimes de violação, de 408 para 421 casos entre 2017 e 2018 - mais 3,2%. Na análise da criminalidade violenta e grave participada, este foi, aliás, o terceiro crime que mais subiu (a par da extorsão e do roubo a residências). Já em 2017 se tinha registado um crescimento do crime de violação, que subiu 21,8% em relação ao ano anterior (de 335 casos para 408)..Em relação às detenções, a maioria teve por base o crime de abuso sexual de criança (117), seguido do crime de violação (71) e pornografia de menor (42)..Nos crimes de violação, os arguidos são maioritariamente do sexo masculino e tanto os arguidos como as vítimas estão predominantemente no escalão etário 21-30 anos..O criminologista Rui Abrunhosa Gonçalves diz que a fase inicial de avaliação deve passar pelos critérios de inclusão versus exclusão - ao nível de psicoterapia, problemas de saúde mental e do consumo de substâncias. "Quer dizer que se tivermos indivíduos identificados como psicopatas, o programa não é ajustado, tem de ser seguido à parte (como é o caso do violador de Telheiras). Se tiver problemas de saúde mental ou de consumos, enquanto esses problemas não estiverem normalizados, o programa também não pode começar a ser aplicado.".A frequência dos programas de reabilitação para condenados por crimes sexuais - violações e abuso sexual de menores - é proposto ao recluso no momento da elaboração do seu plano individual de reabilitação. A frequência do programa é sempre voluntária e o recluso deve corresponsabilizar-se por cumpri-lo.