Na história perversa de Hollywood, há uma máxima sugestiva, e também muito sarcástica, que sugere uma maneira infalível de ganhar um Óscar. A saber: basta interpretar uma personagem da realeza britânica... A regra tem muitas exceções, mas é um facto que existe uma espécie de subgénero do cinema histórico, de temas e sensibilidade muito british, que depende dos faustos e dos enigmas da monarquia. As rainhas, em particular, parecem atrair a ideia (simplista, sem dúvida) segundo a qual os labirintos mais ou menos secretos da vida numa corte são um trunfo cinematograficamente imbatível. Eis algumas memórias das aventuras e desventuras desse capítulo tão peculiar da cinefilia..YouTubeyoutube_LJZP_4_EN4.Mais do que um filme histórico, em sentido estrito, este é um objeto cujo misto de sofisticação e sedução prevalece para lá da questão académica, ainda que incontornável, da "verdade histórica". Sob a direção de John Ford, aqui num registo evidentemente distante dos westerns que definiram a sua imagem de marca (Cavalgada Heróica surgiria em 1939), Katharine Hepburn cria uma rainha da Escócia que é, antes de tudo o mais, uma esplendorosa abstração melodramática. Baseado na peça Mary of Scotland, de Maxwell Anderson, escrito por Dudley Nichols, um dos grandes argumentistas do classicismo de Hollywood, o resultado ilustra, afinal, o processo de consolidação do cinema sonoro (que conquistara o mercado a partir do começo da década), a par do desenvolvimento de uma linguagem específica de que Ford foi, justamente, um dos mestres absolutos. Por insólita ironia, o insucesso comercial do filme levou Hepburn a "especializar-se" num registo bem diferente, a comédia romântica, em que foi igualmente admirável..YouTubeyoutubeV-bLkheCkDc.Rezam as crónicas que Bette Davis sentia um fascínio muito especial pela figura de Isabel I e pelas convulsões do respetivo reinado (1558-1603). Encarnou-a pela primeira vez em Isabel de Inglaterra (1939), sob a direção de Michael Curtiz (futuro realizador de Casablanca), mas a sofisticação do projeto não a impediu de manifestar o seu escasso entusiasmo pelo trabalho com Errol Flynn, intérprete de Robert Devereux, Conde de Essex. Diferentes foram os resultados de A Rainha Virgem, mesmo se a direção de Henry Koster não possui o requinte da de Curtiz. Mais do que um retrato da rainha cuja mítica "virgindade" se tornou uma espécie de segunda natureza política, o filme investe a energia dramática no triângulo definido por Isabel, a dama da corte Elizabeth Throckmorton (interpretada pela jovem Joan Collins) e Walter Raleigh (Richard Todd), o nobre que idealiza uma viagem ao Novo Mundo. Sem esquecer que esta produção da 20th Century Fox funcionou como um dos primeiros e espetaculares exemplos de utilização do CinemaScope, o "formato largo" com que Hollywood enfrentava a concorrência da televisão..YouTubeyoutubeqlc4Ng5Koz0.A saga das relações conflituosas entre Mary Stuart, rainha da Escócia, e Isabel I possui a sedução de um diálogo histórico e simbólico que apela aos artifícios da lenda. Em termos simples, digamos que a sua rivalidade ecoa clivagens de poder que, como sabemos, desembocaram num desenlace trágico: em 1587, Isabel mandou decapitar Mary. Esta realização de Charles Jarrott surgiu como bandeira do requinte de produção dos estúdios britânicos, para mais com o protagonismo de duas atrizes então muito populares: Vanessa Redgrave e Glenda Jackson, respetivamente como Mary e Isabel. Os resultados, com tanto de pomposo como de académico, conseguiram alguma visibilidade na corrida para os Óscares (cinco nomeações, incluindo Redgrave para melhor atriz). Mais recentemente, em 2018, sob a direção de Josie Rourke, Saoirse Ronan e Margot Robbie retomaram as personagens em Maria, Rainha dos Escoceses: neste caso, prevalece a tentativa de explorar uma cenografia de raiz teatral, com resultados que também estão longe de entusiasmar..YouTubeyoutubeDsnOyuU2o6A.O título original, apenas Mrs. Brown, resume de forma mais sugestiva a aura de escândalo que serve de pano de fundo a este retrato da rainha Vitória. O seu longo reinado (1837-1901) sofreu um abalo com a morte do marido, príncipe Alberto, em 1861. De tal modo que terá encontrado uma "compensação" na intimidade com um criado escocês, John Brown - a designação de Vitória como "Mrs. Brown" provém da época, obviamente insinuando uma relação sexual que, para alguns historiadores, teria mesmo envolvido um casamento secreto. Dirigido por John Madden, o filme distancia-se de tais peripécias, privilegiando as componentes afetivas e seus efeitos políticos, nessa medida apostando sobretudo na versatilidade dos principais intérpretes, Judi Dench e Billy Connolly. A composição de Vitória valeu a Dench a sua primeira nomeação para um Óscar (na categoria de melhor atriz). Um ano mais tarde, seria nomeada graças à composição de outra rainha, Isabel I, em A Paixão de Shakespeare, também com realização de Madden. Para a história ficou um recorde bizarro: estava em cena apenas oito minutos, o que não a impediu de arrebatar o Óscar de melhor atriz secundária..YouTubeyoutubeDyGBwrtIamw.Foi a primeira vez que Cate Blanchett, atriz nascida na Austrália, interpretou Isabel I de Inglaterra. Repetiria a personagem em Elizabeth - A Idade de Ouro (2007), em ambos os casos sob a direção do realizador indiano Shekhar Kapur - e também das duas vezes obtendo uma nomeação para o Óscar de melhor atriz (que não ganhou). Tal como em Mrs. Brown, estamos perante um digest histórico que se fundamenta em modelos copiados das mais convencionais séries televisivas, sustentadas pelos tradicionais e mais ou menos aparatosos elementos de "reconstituição", dos cenários ao guarda-roupa. Seja como for, este foi um filme essencial para a internacionalização da carreira de Blanchett, depois consolidada através da personagem de Galadriel na trilogia de O Senhor dos Anéis (2001-2003). A consagração nos Óscares passaria por filmes bem diferentes (e, em termos cinematográficos, incomparavelmente superiores): ganhou duas estatuetas douradas, como atriz secundária e principal, respetivamente com O Aviador (2004), de Martin Scorsese, e Blue Jasmine (2013), de Woody Allen; de qualquer modo, este primeiro retrato de Isabel I valeu-lhe um Globo de Ouro de melhor atriz (drama)..YouTubeyoutubemqL42sjb96I.Apetece dizer que este é o filme que antecipa a série The Crown. Por uma razão muito objetiva: o argumento tem assinatura de Peter Morgan, criador da série. A representação cinematográfica de Isabel II não era uma novidade - logo em 1953, por exemplo, foi mesmo produzido o documentário A Coroação duma Rainha, com narração de Laurence Olivier. Neste caso, porém, não estamos perante um perfil "biográfico". Trata-se de dramatizar um momento muito concreto do seu reinado, na sequência da morte da princesa Diana, num acidente de automóvel em Paris, a 31 de agosto de 1997, cerca de um ano após o fim do casamento com o príncipe Carlos. Interpretada por Helen Mirren (que viria a arrebatar o Óscar de melhor atriz), a rainha surge, assim, como protagonista de uma contradição mediática: por um lado, o primeiro-ministro Tony Blair (Michael Sheen) assume-se como porta-voz do luto coletivo, ilustrado pela consagração de Diana como Princesa do Povo; por outro lado, a família real "refugia-se" na propriedade de Balmoral, sem qualquer reação pública à notícia da morte de Diana - Stephen Frears encena tudo isso em tom de competente telefilme "moral", longe dos melhores momentos da sua filmografia..YouTubeyoutube4lNg0cm69xU.Há uma verdade paradoxal que aprendemos através da história e suas inusitadas atribulações: ser rainha pode envolver tanto de popularidade como de demonização. Eis um exemplo esclarecedor: Madonna, a "rainha da pop", realizou este filme sobre um dos episódios mais célebres da história da realeza britânica - a abdicação, em 1936, de Eduardo VIII, tio de Isabel II -, mas o certo é que, na maior parte dos mercados, a sua divulgação foi, no mínimo, discreta (em Portugal não teve estreia nas salas nem foi editado em DVD). Digamos que se trata do retrato de uma "rainha que nunca foi rainha": Wallis Simpson, nova-iorquina em processo de divórcio, conquistou o coração do monarca britânico, vivendo uma relação (e, depois, um casamento) que, de facto, desencadeou uma crise constitucional - Eduardo VIII abdicou, sucedendo-lhe o irmão Jorge VI. Madonna filma esta fábula muito real (sobre a "escolha" entre o amor e o poder) como uma viagem de descoberta e revelação, já que a ação se desenvolve em paralelo com uma investigação das convulsões morais dos anos de 1930 feita, em 1998, por uma jovem americana. A banda sonora inclui o tema Masterpiece, na voz de Madonna, vencedor do Globo de Ouro de melhor canção de 2011.