Matilde e Beatriz estão para Portugal como Greta está para a Suécia. Em agosto do ano passado, Greta Thunberg faltou às aulas e somou vários dias sentada em frente ao Parlamento sueco em nome do clima - e todas as sextas-feiras repete o feito. O seu país, e depois o mundo inteiro, pararam para ouvir o que a jovem de apenas 15 anos tinha para dizer: "A nossa casa está em chamas", alertava. Menos de um ano depois, inspiradas pela sua mensagem, são as portuguesas Matilde Alvim e Beatriz Barroso, de 17 anos, que começaram por dar voz à luta sobre o clima em Portugal. Matilde vai estar na linha da frente da Greve Climática Estudantil nesta sexta-feira, 15 de março, às 10:30 - associada ao movimento global #Schoolstrike4climate. Beatriz também lá estará..É ativista desde a primeira vez que cheirou a natureza do Parque Natural da Arrábida, onde mora. "Sempre tive a natureza muito perto e sempre senti uma certa sensibilização para a causa", conta Matilde. Aos 14 anos, expande o propósito ao seu estilo de vida e torna-se vegetariana. Começou por ser uma "causa pelos animais" e rapidamente se dobrou para uma causa "ambiental"..Apesar da tenra idade, já soma alguns anos de presença em manifestações por causas ambientais. A última de que se lembra foi pelo furo de petróleo de Aljezur, que decorreu em Lisboa, no ano passado. Quase sempre foi acompanhada do pai, de quem terá herdado o gene que hoje a faz sair à rua por causas ambientais. Frequenta o 12.º ano da Escola Secundária de Palmela e quer seguir antropologia na universidade. Não está certa de qual será o seu lugar dentro de dez anos, mas acredita que será sempre necessária nas manifestações climáticas e que estas "não deixarão de existir"..Quando nos encontrámos com Matilde, apesar do vento, o sol brilhava acima das nossas cabeças e a temperatura estava amena. Cenário anormal para esta altura do ano - é março e as temperaturas têm rondado os 20 graus Celsius. Matilde não deixa o assunto de fora da conversa. "Está calor...", assinala, como se não fosse preciso acrescentar nada mais para mostrar que as consequências das alterações climáticas já assolam o quotidiano de cada um de nós..Nesta quarta-feira, encontrou-se com um grupo de amigos de Setúbal, um dos 26 locais do país que aderiram à greve, para preparar os cartazes que estarão ao alto na cidade. No Parque do Bonfim, os amigos Francisco, Margarida, Rafaela e Joana deixam cair sobre o relvado vários pedaços de cartão virgens, que rapidamente ganham cor e palavras de ordem..Vive e estuda em Setúbal, mais concretamente em Palmela, mas é em Lisboa que irá marcar presença esta sexta-feira. Já tem lugar marcado: será aquela que passeará em frente ao Parlamento de megafone em riste. Foi Greta Thunberg quem deu o tiro de partida. Inspirada pela ativista sueca, Matilde partilhou a sua mensagem nas redes sociais e Beatriz Barroso responde imediatamente. Ali, ficou decidido: "Bora fazer isto em Portugal.".Mas a ideia da greve começou como um conceito mais solitário. "A nossa ideia era fazer a greve sozinhas, porque não sabia como haveríamos de organizar isto", recorda Matilde. Foi naturalmente que os adeptos chegaram e o movimento acabaria espalhado por Portugal inteiro, enchendo-se de estudantes dispostos a "lutar pelas problemáticas mais flagrantes e urgentes" que o país (e o mundo) enfrenta..A jovem estudante de Palmela destaca, entre os objetivos que pretendem ver cumpridos e assinalados na agenda governamental, "a expansão das energias renováveis", bem como "a proibição da nova exploração de combustíveis fósseis" - "temos de mantê-los no chão se queremos cumprir o Acordo de Paris" - e "o encerramento ou transição energética da central do Pego e de Sines"..Enquanto houver voz para gritar, há esperança, acredita. "A greve não vai mudar nada, mas vai plantar a semente.".Portugal ainda vive sem "urgência".Não está para brincadeiras, como faz questão de sublinhar. Muito menos permitirá que a greve passe pelos olhos de Lisboa sem qualquer repercussão prática, garante. Em entrevista ao DN, Matilde Alvim explica como ainda há tanto a fazer na resolução da crise climática em Portugal. "Estão a ser tomadas medidas, claro que estão. Mas não há urgência para resolver a questão, não é uma prioridade", explica..Já o ministro do Ambiente e da Transição Energética discorda que o tema esteja a ser ignorado, apesar de se ter demonstrado solidário com os jovens que organizaram este movimento por várias cidades do país. Em entrevista à Lusa, na semana passada, João Pedro Matos Fernandes sublinhou, aliás, a aplicação de medidas como a proibição de plástico de uso descartável e fomento de renováveis..De acordo com o governante, estes últimos anos foram decisivos para a consciencialização dos portugueses sobre o tema. "Infelizmente, aprenderam a seriedade das alterações climáticas de uma forma dramática, com os incêndios há dois anos, com a seca há um ano e meio e com aquilo que é o recuo da linha da costa", recordou..Contudo, segundo o último Eurobarómetro, apenas 3% dos portugueses apontam o clima e o ambiente como uma preocupação imediata. Mas o que não faltam são razões para preocupação. De acordo com a NASA e a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), 2018 foi o quarto ano mais quente de sempre e os últimos cinco anos foram os mais quentes desde 1880..Esta terça-feira, alguns jovens organizadores da Greve Climática Estudantil (Matilde incluída) foram recebidos pelo ministro do Ambiente para deixar algumas propostas em cima da mesa. Mas pouco há a acrescentar entre o antes e o depois deste encontro, diz Matilde. "Não é que (o ministro) tivesse desvalorizado - é uma palavra muito forte -, mas ficou provado que o governo não está disposto a tomar medidas a curto e a médio prazo", conta a estudante. Depois de um "debate" com o governante, ficou claro para os jovens que "este tema ainda não é uma prioridade"..Matilde considera que "os temas prioritários passam pela saúde e a educação" que, apesar de "igualmente importantes", não devem sobrepor-se às questões climáticas. "Não nos podemos esquecer que as consequências climáticas vão ter efeito noutros setores da sociedade. Isso já se sente no dia-a-dia", explica. A conversa com o governante fomentou a vontade de saírem à rua: "Só nos deu mais força para ir para a rua no dia 15.".Uma geração de "Gretas".A greve que se realiza esta sexta-feira é apenas mais uma que decorre há meses neste mesmo dia da semana, todas as semanas, em diversas localidades espalhadas pelo mundo - um cardápio do qual Portugal ainda não fazia parte. De cartaz ao alto, vários estudantes mobilizam-se pela iniciativa criada por Greta Thunberg e que ficou conhecida comoFridays for Future (ou, em tradução livre, Sextas-Feiras pelo Futuro). Da Bélgica à Austrália, os jovens estão a pedir ajuda aos políticos nacionais e internacionais, alertando para o futuro com o qual terão de viver se nada mudar.."Eu não quero a vossa esperança. Eu não quero que sejam esperançosos. Eu quero que vocês entrem em pânico", foram as palavras da ativista sueca. A mensagem foi declarada perante líderes mundiais reunidos em Davos, no Fórum Económico Mundial, em janeiro deste ano. "Resolver a crise climática é o maior e mais complexo desafio que o Homo sapiens já enfrentou. A principal solução, no entanto, é tão simples que até uma criança pequena pode entendê-la. Temos de parar com as emissões de gases de efeito estufa", disse ainda..Uma das principais organizadoras da greve em Portugal, Matilde Alvim, conta que "o facto de a Greta ter tido esta coragem" foi o que a inspirou a avançar com o encontro desta sexta-feira. "É extremamente corajosa e não teve medo de dizer o que era preciso aos líderes mundiais, com medo de serem impopulares. Tem palavras de fogo", diz..E, como faz questão de assinalar, vem mesmo a tempo. "Somos a última geração que pode salvar o planeta. Temos uma janela de 15 a 20 anos para atuar. O aquecimento global já está a acontecer e continuará a acontecer, mas temos este prazo para evitar a catástrofe ambiental total. E lutar por este prazo depende desta geração", remata..Matilde não tem como saber se a escadaria do Parlamento se irá encher de estudantes, quantos cartazes vão ser levantados, quantos jovens irão faltar às aulas em nome do clima. Recusa a contagem prévia, com receio das expectativas. Os rumores dizem-lhe que, só em Lisboa, pode esperar cerca de 500 estudantes, mas o número pouco importa para quem já esteve disposta a lutar sozinha..A horas do início da greve, há uma certeza que não descarta admitir: "Os jovens não estão adormecidos, estão bem despertos", ao contrário do que se possa pensar. Afinal, remata, "é a nossa vida que está em causa".