Acabar com os lucros

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Vivemos num país em que o lucro é pecado e as regras parecem feitas à medida para alimentar a miséria de resultados e salários - não haja ilusões, se uns não crescem, os outros permanecem estagnados. É no negócio das empresas que se constrói valor, que se valoriza carreiras e remunerações, que se gera riqueza para a sociedade e se colhe receita fiscal para redistribuir por aqueles que a ela não têm acesso. Cada vez mais, porém, o que se advoga é a censura do lucro - a começar num Estado castigador do bom desempenho, através de pilhas de impostos sobre os ganhos das empresas e sobre o rendimento do trabalho - e as boas prestações não resultam em menos do que escândalo social.

Ter bons resultados é malvisto em Portugal, ao contrário de viver pendurado no Estado ou à espera de fundos europeus. Não há por isso surpresa no choque com que foram ontem recebidos os lucros históricos da Galp. Ninguém parecia esperar que a empresa, que até setembro acumulava já 608 milhões (+86%), chegasse a dezembro com 881. Nem há quem queira ouvir que o resultado extraordinário não vem da bomba de gasolina e da botija de gás, mas do negócio de exploração e produção (+53%) obtido fora do país. E a ninguém importa, claro, que em 2022 a companhia tivesse desembolsado mais de 940 milhões em investimentos que visam a transição energética.

A antiga refinaria de Sines está a transformar-se num hub de energia verde, que até irá produzir combustível de aviação sustentável para o mundo. Há uma parceria firmada para criar uma refinaria de lítio em Portugal. O investimento global da empresa em solar vai já a um terço do objetivo de 12 GW de capacidade renovável. Multiplica-se a oferta de postos de carregamento para carros elétricos, a caminho dos 10 mil na Península Ibérica. Tudo investimentos correntes em infraestruturas que estarão a funcionar entre 2025 e 2030. Mas nada disso é relevante.

Ter lucros, ainda mais recorde, é "uma vergonha", conseguida "à custa do sofrimento do povo" e feita para alimentar a "avareza acionista" de uma empresa que "provoca inundações e destrói o planeta". Tudo isto foi dito ontem, antes mesmo de um grupo de ativistas ter vandalizado a sede da companhia e de o PCP vir clamar a solução óbvia para pôr termo a esta vergonha: "Nacionalize-se a Galp."

Uns reclamam que a empresa é criminosa por ter um pé no petróleo, mas revoltam-se pelo preço que o povo paga pela gasolina - apesar de os custos dos combustíveis já terem normalizado há meses e de, como sabemos, metade do valor por litro ser peso fiscal. E nós, tolos, a imaginar que um ambientalista gostaria mesmo era de ver os combustíveis a preços proibitivos, para que se desistisse deles e apressasse a transformação rumo a soluções limpas... Outros esquecem-se que as empresas pagam salários a milhares de portugueses e impostos proporcionais aos seus resultados - largos milhões de euros todos os anos, agora acrescidos da windfall tax - e que entre os acionistas da Galp se conta o próprio Estado, com uma lucrativa fatia de 7,61% na companhia.

Se Portugal fosse diferente, talvez nos questionássemos sobre os lucros noutros termos - observando, por exemplo, que a evolução em sete anos não excedeu os 300 milhões. Ou querendo saber mais sobre os investimentos em curso para transformar uma das maiores empresas portuguesas numa multinacional do futuro. Ou ainda questionando se os lucros servirão para encurtar prazos na transição energética que a Europa prossegue. Mas por cá preferimos manter as coisas simples: acabe-se com os lucros!

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