Sobreviver a um ataque cardíaco com uma chamada telefónica

Fernando e José sobreviveram a um enfarte. Deram importância às dores e chamaram o 112. Casos de sobrevivência no âmbito da campanha Cada Segundo Conta, para assinalar, hoje, o Dia Nacional do Doente Coronário.
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Fernando Gonçalves, 52 anos, de Vila Nova de Famalicão, é diretor financeiro. Em maio de 2019, jogava à bola com os amigos. De repente: "Comecei a sentir uma dor muito forte no peito, pensei que fosse cansaço e saí do jogo por um bocado. Voltei a entrar, mas a dor não parava, era forte, voltei a sair. Um colega veio ter comigo e perguntou se era melhor chamar uma ambulância e eu disse que sim."

José Guilherme, 45 anos, de Rio Tinto (Gondomar), é gestor de empresas. No dia 31 de maio de 2019, chegou a casa depois de um dia de trabalho. "Senti dores fortes no peito, a aumentar de intensidade, suores e náuseas. Não percebi o que se estava a passar mas, nesse dia, havia um jantar de família e a minha mulher falou com a minha irmã, que é enfermeira em cardiologia, nos cuidados intensivos. Disse para ligar imediatamente para o 112."

Estes são os testemunhos de dois sobreviventes de um enfarte agudo do miocárdio que a Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC) tem vindo a recordar para mostrar que as hipóteses de sobrevivência são muito elevadas quando se reage a tempo. "A taxa de mortalidade de um enfarte do miocárdio que chega ao hospital é de 3%, estamos a falar de um sistema que é seguro, eficaz e que nos diferencia pela positiva a nível europeu. O que é importante é que, se o doente seguir o que dizemos, 97% sobrevivem", explica ao DN João Silveira, presidente da associação.

Quando a pessoa não age rapidamente e entra em paragem cardíaca, "a probabilidade de sobreviver é de 3%, o cérebro não tolera mais de três minutos sem oxigénio, é morte súbita", alerta o médico.

Daí a importância do testemunho de sobreviventes, doentes que, mais uma vez, vão dinamizar um encontro nacional, este o segundo, nesta sexta-feira (14 de fevereiro), no auditório do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, na Amadora, assinalando o Dia Nacional do Doente Coronário, e que se insere na campanha Cada Segundo Conta. O primeiro foi em setembro, no Porto.

"A ideia é educar o doente para que reconheça os sintomas de um enfarte do miocárdio, se conseguir identificar esses pontos, deve ligar para o 112, entrar no sistema e confiar no sistema [integrado no programa Via Verde Coronária]. Se for para o hospital pelos seus meios, demora muito tempo até conseguir ser canalizado para um hospital especializado", salienta João Silveira.

Dor no peito, suores, náuseas, vómitos

A campanha Cada Segundo Conta explica, em primeiro lugar, o que é um enfarte agudo do miocárdio, vulgarmente chamado de ataque cardíaco: surge quando uma das artérias do coração fica obstruída, fazendo que parte do músculo cardíaco fique em sofrimento por falta de oxigénio e de nutrientes.

Indica, depois, que: dor no peito, suores, náuseas, vómitos, falta de ar e ansiedade são sintomas de alarme para o enfarte agudo do miocárdio.

O terceiro passo é não ignorar, ligar rapidamente para o 112 e seguir as instruções que lhe são dadas.

Fernando e José confessam agora, ainda em recuperação, que não tiveram exatamente a noção do que se passava, mas que perceberam que deviam ligar imediatamente para o 112.

Fernando conta: "O meu colega ligou para o 112, fizeram uma série de perguntas técnicas para perceberem o que estava a acontecer. Em primeiro, veio a ambulância dos bombeiros de Rio Tinto, mediram a tensão, e, pouco tempo depois, chegou a VMER [Viatura Médica de Emergência e Reanimação]. Fizeram um eletrocardiograma, não disseram muita coisa, apenas que tinha um problema. A dor continuava, irradiou para o maxilar, deram-me medicação para acalmar e levaram-me para o Hospital de Santo António, no Porto."

O procedimento foi igual para o José, depois de a mulher ter ligado para o 112 desencadeou toda uma série de procedimentos e que se insere no sistema Via Verde Coronária.

A Via Verde Coronária implica uma rede de cuidados intensivos em 20 hospitais públicos a nível nacional (incluindo ilhas), preparados para receberem doentes que sofreram um ataque cardíaco e que têm de ser tratados no período de 120 minutos. "Essas unidades hospitalares disponibilizam angioplastia primária [permite desbloquear uma artéria do coração obstruída], 24 horas por dia, sete dias por semana", sublinha o presidente da APIC, concluindo: "Portugal até está muito bem, entre o terceiro e o quarto lugares na EU com menos mortes, o que, a meu ver, se deve à dieta mediterrânea e à rede de assistência a estes doentes."

Fernando Gonçalves esteve cinco dias no hospital, fez a angioplastia e perguntaram-lhe se estava interessado num programa de reabilitação cardíaca. "O programa durou dois meses, ia duas vezes por semana ao hospital fazer exercício físico", conta. Hoje leva uma vida "perfeitamente normal", a que acrescenta a medicação: seis comprimidos por dia. Tem um pouco mais de cuidado com a alimentação, voltou a jogar à bola, futsal e a correr.

Fatores de risco

Fernando Gonçalves nunca teve uma vida de excessos, diz, não fuma, não bebe, situações consideradas fatores de risco para um ataque cardíaco. Pensa que a causa principal terá sido hereditária, o pai teve um enfarte aos 55 anos (também sobreviveu), e algum stress. Mas não tem dúvidas: "Ligar para o 112 foi a melhor decisão, não ter esperado e pensado que a dor passava."

José Guilherme conta que, quando chegou ao Hospital de Santo António,rapidamente o prepararam para ir para o bloco operatório para desobstruírem a artéria e fazerem o cateterismo, o que demorou cerca de duas horas. Verificou-se que tinha outra artéria obstruída e foi programado uma segunda intervenção para 72 horas depois.

Hoje, reconhece que o estilo de vida era pouco saudável, vida acelerada e sem fazer exercício físico. "A vida mudou completamente, os hábitos alimentares foram modificados, deixei de fumar, tento ter uma vida menos sedentária, mais organizada, essa é a parte mais difícil, mas tenho conseguido. Pratico desporto de uma forma muito controlada, ainda", sublinha.

À pergunta se se considera um homem com sorte, José responde: "Tive sorte porque estava no Porto, foi muito rápida a chegada ao hospital, penso que se estivesse noutro local, nesse dia de manhã tinha estado em Chaves, por exemplo, não sei o que aconteceria."

Também a Sociedade Portuguesa de Cardiologia assinala o Dia do Doente Coronário, sublinhando que as doenças cérebro-cardiovasculares (coração e vasos sanguíneos) continuam a ser a principal causa de morte em Portugal. Quinze mil portugueses sofrem desta patologia. "Não sendo possível determinar com precisão a extensão da síndroma coronária crónica."

Regista melhorias no tratamento, mas sublinha que há um logo caminho a percorrer no que diz respeito ao controlo dos fatores de risco, especialmente o fumar, a falta de hábitos de exercício físico e não controlar diabetes e hipertensão.

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