Professores também querem fundo para greve
A greve que marca a vida das escolas esta quinta e sexta-feira será uma espécie de tiro de partida para os protestos que devem marcar a Educação até final do ano letivo. E começam já na próxima semana com a entrega ao governo e no Parlamento de um abaixo-assinado com mais de 50 mil assinaturas a voltar a defender a contagem de todo o tempo de serviço dos professores que foi congelado.
A partir daí, os sindicatos vão discutir novas formas de luta "radicais", que podem deixar os alunos do 12.º ano sem aulas no terceiro período. E querem uma greve financiada pelos professores, através de fundos criados exclusivamente dentro das escolas, porque "aqui não temos de andar a explicar de que fontes externas vem o dinheiro", afirma Mário Nogueira, da Fenprof.
O endurecimento do protesto dos professores faz lembrar o dos enfermeiros nos blocos operatórios - até pela sua duração. Mas, neste caso, sublinham os sindicatos, não há recurso a um crowdfunding em plataformas públicas, mas sim a quotizações entre os professores.
"Há de facto uma pressão de muitos professores para irmos nesse sentido", confirmou ao DN João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), uma das organizações da UGT que promoveu a greve desta semana. Isto depois de Mário Nogueira ter adiantado à saída de uma reunião com a líder do Bloco de Esquerda, que se a negociação com o governo não avançar os sindicatos vão fazer "no início de março uma grande consulta aos professores para saber até onde estão dispostos a ir no terceiro período", o que pode passar por greves nos anos de final de ciclo, no 12.º ano, mas também às avaliações.
Em declarações ao DN, o secretário-geral da Fenprof explica que a pressão sobre o governo tem de ser toda feita agora, na reta final da legislatura, criticando o primeiro-ministro por ter deixado no ar a hipótese de atirar a abertura de negociações, como impõe a lei do Orçamento do Estado deste ano, para lá de outubro.
"Se não abrirem a negociação ainda no segundo período de aulas [que vai até 5 de abril], podemos assistir a esse endurecimento das formas de luta. Há uma forma de evitar um final dramático de ano letivo que é o de o governo negociar esta matéria, como está obrigado por lei, ainda no 2.º período. Se o fizer penso que o ano pode estar salvo." Se não o fizer, pode seguir-se um terceiro período (que vai de 23 de abril até junho) com muitos cortes para os alunos do 12.º ano, numa altura em que preparam os exames nacionais.
O presidente do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades, que também faz parte da plataforma de dez sindicatos que tenta negociar com o governo, reconhece ao DN que a proposta para fazer uma greve nos anos finais de ciclo é das que têm mais adeptos - "temos recebido centenas de pedidos" - e frisa que os sindicatos estão "disponíveis para avançar com as propostas que forem aprovadas pelos professores".
No entanto, Manuel Monteiro explica que a diferença em relação ao protesto dos enfermeiros é que, neste caso, são os professores que se quotizam nas escolas para financiar a greve, não havendo recurso a um crowdfunding público. Mário Nogueira faz mesmo questão de afastar qualquer semelhança com o protesto dos enfermeiros. "São fundos criados exclusivamente por professores e que já foram usados nas greves às avaliações do ano passado, não há aqui qualquer financiamento externo, não vamos ter de andar a dizer de onde vem o dinheiro. Aliás, nem sequer tem a interferência dos sindicatos."
A ideia é discutida há algum tempo nos blogues especializados de professores. Num post do final do ano passado, a propósito das negociações sobre o tempo de serviço, um dos autores do blogue Com Regras apontava para uma greve de um mês no início do próximo ano letivo - que já defendia "ainda antes de ouvir o que os enfermeiros pretendem fazer" - com recolha de fundos, sensibilizando a população em geral, mas principalmente canalizando uma percentagem da quota sindical para esse fundo.
"Ainda recentemente apresentei a proposta que as quotas pagas pelos professores aos sindicatos deveriam incluir uma percentagem para um fundo de greve", argumentava em novembro Alexandre Henriques, do Com Regras. Embora realce ainda não ter participado em nenhuma, Arlindo Ferreira, diretor escolar e autor de um dos maiores blogues da Educação (o Arlindovsky), admite que já hajam discussões sobre formas de crowdfunding nesta área.
"É um movimento que tem ganho força na blogosfera, uma contestação que ainda não é organizada, mas que tem feito chegar aos sindicatos apelos variados nesse sentido", reconhece João Dias da Silva, que, tal como os seus congéneres, diz que a solução para este problema passa pela abertura de negociações por parte do governo. Ideia reafirmada por Mário Nogueira, que deixa ainda um alerta pré-eleitoral: "Isto é um sério aviso ao governo, que não pense que fazer greve aos professores dá votos. A experiência de um tempo anterior, do tempo de José Sócrates, não vai nesse sentido e deveriam aprender."
Na próxima semana, dia 21, os sindicatos vão entregar ao governo e no Parlamento um abaixo-assinado que já tem mais de 50 mil assinaturas a pedir a contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias que foram congelados durante o período da crise. Depois dessa data, será marcada uma manifestação nacional e serão discutidas com os professores, em reuniões nas escolas e através de questionários, estas novas formas de luta.
As paralisações deste final de semana são já uma espécie de ensaio geral para o que se pode sentir no setor nos próximos meses. As greves de quinta e de sexta-feira na função pública ameaçam fechar boa parte das escolas do país. Diretores, professores e sindicatos falam de uma espécie de tempestade perfeita que pode contribuir para uma das maiores paralisações dos últimos anos: às reclamações dos professores sobre a contagem do tempo da carreira, juntam-se as dos assistentes operacionais e técnicos, em número insuficiente.
"Basta que faltem um ou dois auxiliares para que muitas escolas já não possam abrir", avisa Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas. Isto porque "os diretores não arriscam, e se a segurança dos alunos não estiver assegurada, os diretores preferem não abrir", continua o também diretor do agrupamento de Escolas Doutor Costa Matos, em Gaia. Para Filinto Lima, esta greve representa a chegada da "nuvem negra" que há muito se vislumbrava no horizonte da educação e que deve agravar-se nos próximos meses.
A Fesap - Federação de Sindicatos da Administração Pública e a FNE - Federação Nacional da Educação (UGT) emitiram pré-aviso de greve já para esta quinta-feira para dar cobertura legal a quem queira participar numa concentração que vão promover ao início da tarde em frente ao Ministério das Finanças, em Lisboa. Segundo o secretário-geral da Fesap, José Abraão, a concentração deverá contar com a participação de algumas centenas de dirigentes e ativistas sindicais de todo o país.
Mas é na sexta-feira que a maioria dos serviços do Estado devem ser mais afetados, já que à greve da UGT se junta outra já marcada pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (CGTP). Além da educação, as paralisações deverão ter um impacto mais visível nos setores da saúde, finanças e autarquias, podendo também deixar lixo por recolher. Na base do protesto, está o facto de o governo prolongar o congelamento salarial por mais um ano, limitando-se a aumentar o nível remuneratório mais baixo da administração pública, de 580 para 635,07 euros, na sequência do aumento do salário mínimo nacional para os 600 euros.
"Acreditamos que esta greve vai ter uma grande adesão, porque os trabalhadores da administração pública estão muito mobilizados e existe maior unidade do que nas greves anteriores, concretizadas nesta legislatura", disse Ana Avoila, da Frente Comum, referindo a adesão de sindicatos de médicos e de enfermeiros. Perturbações na saúde que se somam à greve cirúrgica dos enfermeiros dos blocos operatórios de dez hospitais e deve obrigar ao adiamento de centenas de cirurgias e consultas programadas.
Os vários partidos parlamentares falam a diferentes vozes sobre a greve da função pública. Para o líder da bancada do PSD, Fernando Negrão, estas paralisações "não são mais do que o resultado das políticas antissociais que o Governo tem levado a cabo nas áreas mais sensíveis do país, nomeadamente na saúde, nos transportes públicos, na habitação ou na segurança".
Em declarações ao DN, Fernando Negrão aponta que as greves "são ainda o resultado da necessidade de afirmação no âmbito da chamada geringonça dos partidos da extrema-esquerda, PCP e BE".
O deputado Tiago Barbosa Ribeiro, coordenador socialista na comissão parlamentar de Trabalho, insiste que o Governo e o PS cumpriram tudo a que se propuseram nesta legislatura. Ressalvando que "em democracia o protesto é legítimo", o socialista sublinha que o partido vê com "normalidade a greve na função pública".
Mas, ressalva, "o Governo e o PS têm mantido uma relação de diálogo com os parceiros sociais e assim continuaremos. Ao longo da legislatura cumprimos tudo o que nos propusemos e por vezes fomos além dos nossos próprios compromissos", defende Barbosa Ribeiro.
Para o deputado socialista, "os funcionários públicos e o país sentem bem a diferença que faz uma governação socialista e sabem bem que não podemos fazer tudo de uma vez", recuperando um argumento já usado pelo primeiro-ministro, António Costa. "Com gradualismo e sustentabilidade garantimos que no futuro não haverá nenhum passo atrás", completou.
O PCP, em nota do seu gabinete de imprensa enviada ao DN, sublinha que "a greve dos trabalhadores da Administração Pública" - "convocada pela Frente Comum", da CGTP, como diz o partido, mas que também é convocada pelos sindicatos afetos à UGT - "é um importante momento na luta pulos seus direitos, designadamente pelo aumento do salário para todos os trabalhadores da Administração Pública no quadro do aumento geral dos salários, pela valorização das carreiras, pela regularização dos vínculos precários e também pela exigência de investimento nos serviços públicos, em particular pela contratação de trabalhadores em falta nos vários setores".
Para Francisco Guerreiro, da Comissão Política Nacional do PAN e cabeça-de-lista às eleições europeias, sublinha "os avanços promovidos nesta legislatura em termos de descongelamentos de carreira, aumento do salário mínimo e regalias no aposentamento", que alimentam a expectativa de que "surjam mais greves em determinados setores da função pública".
Para o PAN, um "exercício" como "esta greve alargada" "deve ser encarado pelo Governo como mais uma etapa no processo contínuo negocial".
Segundo Francisco Guerreiro, "é expectável também que, perante as constantes derrapagens, gastos e resgates, nomeadamente no setor bancário, estes setores da função pública, nomeadamente na saúde, educação e finanças, se vejam compelidos a exigir melhorias salariais e laborais, frisando a importância de manter um Estado social mais justo na redistribuição da riqueza".