Um militar da Marinha foi identificado a publicar comentários e conteúdos, incluindo documentos classificados, num blogue conhecido pelas ligações à extrema-direita. A Polícia Judiciária Militar (PJM) confirmou ao DN que instaurou um inquérito "pelos factos mencionados, estando a investigação em curso, não existindo arguidos constituídos nos presentes autos". No limite, corre o risco de ser expulso das Forças Armadas..É a primeira vez que surge uma investigação concreta relacionada com a infiltração da extrema-direita nas Forças Armadas. Apesar de, nos últimos anos, terem sido principalmente as polícias alvo de vários alertas nacionais, e internacionais, desconhecem-se inquéritos-crime abertos para investigar essas suspeitas..DestaquedestaqueOs factos investigados pela PJM ocorreram em 2019, quando na página da organização designada Movimento Armilar Lusitano (MAL) surgiram documentos confidenciais da Marinha..Os factos investigados pela PJM ocorreram em 2019, quando na página da organização designada Movimento Armilar Lusitano (MAL) surgiram documentos confidenciais da Marinha, publicados sob um perfil falso..O MAL apresenta-se como "um grupo de Lusitanos que enaltece Portugal e os Portugueses patriotas". Os seus seguidores foram referenciados nas manifestações dos coletes amarelos e, mais recentemente, no desfile racista com máscaras a imitar o Ku Klux Klan, junto ao SOS Racismo, que já levou à abertura de um inquérito-crime..Na página de Facebook do MAL foi publicada uma imagem de uma máscara igual à utilizada e com comentário que assumia presença e apoio..Segundo fontes militares que acompanharam o processo, as publicações surgiram na altura em que tinha sido lançado um movimento inorgânico de contestação na Marinha, designado Naval Zero, na linha do Movimento Zero das polícias..Assim que tiveram conhecimento da situação, responsáveis da Marinha desencadearam uma averiguação interna que acabou por conseguir identificar o departamento onde tiveram origem as publicações e a identidade do presumível autor. O processo foi entregue à PJM.."Considerando a matéria em questão e a natureza da investigação criminal", a PJM não adianta mais pormenores sobre o caso nem confirma se existem outros casos desta natureza em investigação..Quanto a penas a que pode ficar sujeito o militar, um jurista especialista nesta área ouvido pelo DN frisa que "é quase indiferente que a divulgação da matéria classificada seja num blogue da extrema-direita ou extrema esquerda, podendo apenas contar no âmbito da pena a aplicar, em concreto"..Citaçãocitacao"No limite, pode levar à expulsão do militar das Forças Armadas ou mesmo à aplicação de pena disciplinar privativa da liberdade (prisão disciplinar)".No seu entender, podem estar crimes previstos no Código de Justiça Militar, como violação de segredo de Estado, violação de deveres de lealdade, de isenção política e dever de sigilo..O porta-voz da PJM sublinha que, no que diz respeito "à componente disciplinar, no limite, pode levar à expulsão do militar das Forças Armadas ou mesmo à aplicação de pena disciplinar privativa da liberdade (prisão disciplinar)"..Citaçãocitacao"A PJM, em estreita ligação com os ramos das Forças Armadas, Estado-Maior da Forças Armadas e Guarda Nacional Republicana, segue atentamente este fenómeno.".Esta fonte oficial assinala que "a PJM, em estreita ligação com os ramos das Forças Armadas, Estado-Maior da Forças Armadas e Guarda Nacional Republicana, segue atentamente este fenómeno, designadamente nas redes sociais e em outras formas de comunicação, em todas as situações que sejam passiveis de se enquadrar dentro da área de competências desta polícia - prática de crimes de natureza estritamente militar ou de crimes praticados no interior de unidades, estabelecimentos ou órgãos militares"..O DN questionou também a Marinha, o Exército e a Força Aérea sobre qual a sua política para esta matéria e se tinham sido detetados outros casos..A Força Aérea, comandada pelo general Joaquim Borrego, assinala que "está atenta a este fenómeno". Fonte oficial revela até que está a "decorrer um processo por eventuais publicações desapropriadas nas redes sociais", mas "até à data, não estão confirmados casos de militares que defendam ideias contrárias à Constituição"..Citaçãocitacao"É dever de cada militar guardar e fazer guardar a Constituição e a lei, incumbindo ao militar não manifestar de viva voz, por escrito ou por qualquer outro meio de comunicação, ideias contrárias à Constituição.".Este ramo das Forças Armadas lembra que "é dever de cada militar guardar e fazer guardar a Constituição e a lei, incumbindo ao militar não manifestar de viva voz, por escrito ou por qualquer outro meio de comunicação, ideias contrárias à Constituição e participar, sem delongas, à autoridade competente, a existência de algum crime ou infração disciplinar que descubra ou de que tenha conhecimento"..Garante ainda que "paralelamente à diversa legislação militar (Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, Estatuto dos Militares das Forças Armadas e Regulamento de Disciplina Militar), os militares da Força Aérea estão sujeitos a uma diretiva interna que regula a respetiva presença online, a qual alerta para a obrigatoriedade de o fazerem dentro dos limites de segurança, reputação e privacidade, próprias de uma organização militar"..Citaçãocitacao"A Força Aérea está atenta a este fenómeno, acompanhando as redes sociais e outras formas de comunicação dos nossos militares."."A Força Aérea está atenta a este fenómeno, acompanhando as redes sociais e outras formas de comunicação dos nossos militares", conclui o porta-voz do Estado-Maior da Força Aérea..Quer da parte da Marinha, quer do Exército, os respetivos comandos não dão nota de casos investigados. "Os valores incutidos e em vigência na instituição regem-se sempre pelo superior cumprimento e respeito dos direitos, liberdades e garantias a que têm direito e que constam no Estatuto da Condição Militar e no Regulamento de Disciplina Militar" refere fonte oficial do gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada, Almirante Mendes Calado, não comentando o caso investigado pela PJM..Da parte do exército, fonte oficial do gabinete do Chefe de Estado-Maior, general Nunes Fonseca frisa ainda que "os militares do Exército assumem o compromisso publico de respeitar a Constituição e as demais leis da República e obrigam-se a cumprir os regulamentos e as determinações a que devam respeito, nos termos da lei"..As ligações de elementos das forças de segurança à extrema-direita, e as publicações, presumivelmente de polícias, em sites relacionados com a extrema-direita, com conteúdos de cariz racista e xenófobo, têm sido alvo de preocupação da Inspeção-Geral da Administração Interna..Já em 2018, questionada, em entrevista ao Público, sobre a possibilidade de infiltração da extrema-direita entre as polícias, a então inspetora-geral, Margarida Blasco, dizia não ter indicação de que existisse uma "infiltração organizada, em forma de associação criminosa", mas admitia "queixas que são analisadas e investigadas"..Inspetora-geral chama chefes das polícias para criar plano antidiscriminação.No passado mês de julho, a sua sucessora, Anabela Cabral Ferreira, chamou os chefes das polícias (GNR, PSP e SEF) sob tutela do Ministério da Administração Interna e desafiou-os a criarem planos de prevenção de condutas discriminatórias por parte das polícias, incluindo medidas que limitem a interação destes profissionais em redes sociais..Solicitado um balanço desta proposta ao gabinete da inspetora-geral, é assinalado que se "encontra em curso a preparação da operacionalização dos planos a elaborar por cada entidade"..DestaquedestaqueFonte oficial da IGAI revela que está presentemente a investigar "um processo de inquérito relacionado com a temática em causa"..Fonte oficial da IGAI revela que está presentemente a investigar "um processo de inquérito relacionado com a temática em causa"..Antes mesmo deste desafio da IGAI, tanto a GNR como a PSP já estavam atentas a este fenómeno, principalmente depois do impacto do Movimento Zero e do protagonismo que elementos ligados à extrema-direita tiveram, pelo menos inicialmente, nesta organização..Crescimento de propaganda online de polícias radicais alarma autoridades.Os resultados ainda são escassos e não se conhecem sanções, mas há sete casos, por suspeitas de condutas discriminatórias através de publicações nas redes sociais, a serem investigadas por estas forças de segurança..DestaquedestaqueFonte oficial da PSP afiança que nesta instituição foram instaurados, entre 2019 e 2020, seis processos.Fonte oficial da PSP afiança que nesta instituição foram instaurados, em 2019 e 2020, seis processos, "encontrando-se alguns em fase de instrução e outros a aguardar decisão judicial". Apesar da insistência do DN para que a PSP informasse sobre o que estava em causa nos processos, tal não foi respondido..Da parte da GNR, segundo também fonte oficial, foi até ao momento, um único processo investigado, "na sequência de uma denúncia por alegada publicação racista nas redes sociais de um militar"..DestaquedestaqueA Guarda "instaurou um processo interno, no ano de 2019, o qual foi arquivado"..A Guarda "instaurou um processo interno, no ano de 2019, o qual foi arquivado, porque os factos constantes dos autos não constituíam infração disciplinar". Tal como a PSP, também esta força de segurança não quis dar informações sobre o caso..Na esfera do Ministério da Justiça, a Guarda Prisional tem sido alvo de suspeitas da ligação de alguns dos seus elementos à extrema-direita. Ficou famosa a fotografia de um grupo de guardas a fazerem a saudação nazi, na manifestação de polícias em 2014..Em 2016, um guarda prisional foi detido pela PJ no âmbito de uma investigação a skinheads e no ano seguinte o mesmo foi detido pela PSP, por desobediência, na manifestação dos coletes amarelos..Este guarda prisional foi acusado em junho passado, juntamente com outros 26 suspeitos neonazis, por vários crimes de ódio envolvendo extrema violência e tentativas de homicídio. No caso deste guarda, é suspeito de ter estado envolvido nas agressões a um militante comunista que o deixaram com graves sequelas permanentes..Extrema-direita na Guarda Prisional? Direção nem investiga.Questionada a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) sobre as consequências deste caso, do ponto de vista disciplinar, fonte oficial diz que "não se pronuncia sobre pessoas em concreto nem sobre processos judiciais que se encontram a decorrer"..Acrescenta, porém, que "os ilícitos disciplinares decorrem de atos e comportamentos concretos que tenham lugar no desempenho da atividade profissional, sendo que não se tem registo de queixas contra guardas prisionais, ou outros trabalhadores, por comportamentos racistas e/ou por perseguições de carácter religioso ou cultural"..Quanto a medidas preventivas que tem em curso, este porta-voz sublinha que os Serviços Prisionais têm "tolerância zero para com comportamentos discriminatórios ou agressivos, independentemente das causas e/ou motivações que estejam na sua origem"..Citaçãocitacao"Nos cursos de formação de guardas prisionais, são sempre incluídas disciplinas relativas à proteção dos direitos humanos, à multiculturalidade e a técnicas de comunicação interpessoal"..Por isso mesmo, aponta, "nos cursos de formação de guardas prisionais, são sempre incluídas disciplinas relativas à proteção dos direitos humanos, à multiculturalidade e a técnicas de comunicação interpessoal, bem como de utilização de meios coercivos"..A DGRSP recorda que, no último curso de formação de guardas, foram realizadas duas conferências, onde foram abordados temas de direitos humanos: uma sobre "Multiculturalidade e Reclusão", na qual participaram o presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, o sheik David Munir, imã da Mesquita Central de Lisboa, o presidente da Associação Cabo-Verdiana (maior comunidade de estrangeiros em reclusão) e um representante do Alto-Comissariado para as Migrações..A segunda conferência foi relativa ao tema "Direitos Humanos - Instrumentos de Garantia e Controlo", na qual participaram representantes da Amnistia Internacional, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados e o membro do Comité para a Prevenção da Tortura, eleito em representação de Portugal.