De Singapura ao Japão: como se combate sem tréguas o vírus à volta da China
Apesar da proximidade com o epicentro de propagação do coronavírus, Taiwan conta até agora 49 casos (um novo) e uma morte. Vinte doentes estão recuperados e há 28 casos ativos.
Na ilha de Taiwan, onde vivem 23 milhões de pessoas, a resposta ao coronavírus começou cedo. Quando, no final de dezembro, a China notificou a Organização Mundial da Saúde dos casos de pneumonia em Wuhan, o território começou imediatamente a monitorizar quem chegava vindo de Wuhan, procurando por sintomas da doença. No espaço de uma semana começou a monitorizar todos os que tinham chegado, a partir daquela cidade, desde 20 de dezembro. Quem mostrasse sintomas ficava de quarentena.
Em meados de janeiro, Taiwan mandou uma equipa de especialistas à zona mais afetada pela nova doença. "Não nos deixaram ver o que não queriam que víssemos, mas os nossos especialistas perceberam que a situação não era para otimismos", afirmou à NBC News Kolas Yotaka, porta-voz do governo. Após o regresso desta equipa começaram a ser feitos testes que permitiram detetar os primeiros doentes e mapear os seus contactos. A 20 de janeiro, foi acionado um Centro de Comando Central para lidar com a doença.
Vivia Chang, representante de Taiwan em Portugal, diz ao DN que o território está a fazer "todo o possível" para travar a doença. Um dos vetores fundamentais, explica, é a comunicação com os cidadãos. Todos os dias, às duas da tarde, as autoridades fazem uma comunicação - "muito transparente, mas respeitando a privacidade das pessoas" -, sobre a evolução da doença, de forma a "evitar o pânico" entre a população.
Uma das primeiras medidas a ser tomada, diz Vivia Chang, foi a recomendação do uso de máscaras, que não foi difícil de implementar, dado que já é uma prática habitual no território, que se vulgarizou após a SARS. E se, de início, houve uma corrida à compra de máscaras, seguiu-se uma imposição de que cada pessoa só pode comprar um determinado número, que é monitorizado através do cartão de saúde de cada cidadão, que dispõe de um chip que permite fazer esse controlo. Vivia Chang acrescenta que, através de trabalho voluntário, Taiwan conseguiu aumentar muito significativamente a capacidade de produção de máscaras: "Produzimos nove milhões e duzentas mil máscaras por dia, podemos até exportar para países que necessitem."
Outra medida apontada é o controlo na entrada de turistas, que têm de ficar de quarentena se forem oriundos de países com surtos significativos de coronavírus ou em isolamento se mostrarem qualquer sintoma - e que são monitorizados através do telemóvel e sujeitos a multa se não respeitarem a interdição de movimentos.
A higienização dos transportes públicos é outra medida elencada por Vivia Chang. Já as escolas continuam abertas, sob a regra de que um infetado leva à suspensão das aulas da sua turma, e o registo de mais do que um caso leva ao encerramento da escola - o que até agora não aconteceu.
Taiwan, oficialmente República da China, é considerada pelos governantes de Pequim uma província rebelde desde que em 1949 serviu de refúgio aos nacionalistas derrotados na guerra civil chinesa pelos comunistas, que querem a reunificação.
É um dos casos mais evidentes de sucesso na travagem à propagação do novo coronavírus. Macau teve dez casos de infeção - que não provocaram mortos -, mas não regista qualquer situação nova há 37 dias.
Há várias semanas que Macau impõe quarentena obrigatória para todas as pessoas que cheguem ao território a partir da Coreia do Sul, da Itália e do Irão. Desde o início desta semana, a medida estendeu-se a todos os que tenham estado em Espanha, França, Alemanha ou Japão nos 14 dias anteriores à chegada a Macau. Desde esta quinta-feira também a Noruega entrou na lista e as autoridades de Macau já admitiram que, se os números aumentarem em Portugal, a quarentena de 14 dias estender-se-á a quem tenha estado no território português.
A região administrativa especial (que foi administrada por Portugal até 1999) tomou medidas drásticas para conter a propagação do vírus. A 24 de janeiro decretou o encerramento de espaços desportivos e culturais e determinou o adiamento do regresso às aulas. Medidas que foram acompanhadas pela obrigatoriedade de usar máscaras nos transportes públicos e por sucessivos apelos a que os residentes não saíssem de casa.
Na capital do jogo, que recebe milhões de turistas chineses, os 41 casinos do território fecharam portas durante duas semanas, assim como praticamente todos os espaços passíveis de juntar pessoas - cinemas, teatros, parques de diversão, salas de bilhar e de bowling, ginásios, toda a espécie de estabelecimentos de diversão noturna, salões de beleza, saunas e massagens - e a lista não é exaustiva. As igrejas também fecharam e as missas foram suspensas.
Simultaneamente, Macau cancelou todas as ligações com Hong Kong e fechou a fronteira com a China.
Singapura tem 187 casos, nove dos quais novos e nenhuma morte por coronavírus. Dada a estreita relação comercial com a China, rapidamente esta cidade-estado registou casos e, também muito rapidamente, começou a colocar kits de teste nos principais pontos de entrada no país (que tem menos de seis milhões de habitantes) e a investir na deteção de todos os contactos dos infetados, mapeando as cadeias de transmissão.
Tal como outros países da Ásia, Singapura não partiu do zero na resposta à epidemia, contando com a experiência adquirida em 2002-2003 com a SARS, que então matou 33 pessoas no território, e na gripe suína de 2010, com uma estimativa de cerca de 400 mil pessoas infetadas no território. Na sequência, o país criou instalações específicas para quarentena, com capacidade para mais de três centenas de pessoas, e abriu no ano passado uma instituição que tem por única missão lidar com doenças infecciosas.
Desde fevereiro qualquer pessoa que entre num edifício público tem de deixar os seus contactos para agilizar todo o processo de identificação se entretanto for detetado algum caso ou naquele serviço ou relacionado com o visitante.
Um estudo de especialistas em epidemiologia da Universidade de Harvard sustenta que "historicamente, Singapura tem uma vigilância epidemiológica e uma capacidade de deteção muito forte e mostrou no caso do covid-19 evidências de grande capacidade de deteção de casos" que lhe permitiram uma resposta precoce à doença - o estudo usa, aliás, Singapura como modelo de comparação relativamente ao que sucedeu noutros países. A capacidade do sistema de saúde desta cidade-estado - um país pequeno e rico - será outro fator a pesar neste cenário.
O Japão tem, nesta altura, 691 casos e 19 mortes. Nesta quinta-feira foram registados 52 novos casos.
Quem chega ao Japão a partir da China e da Coreia do Sul tem de guardar 14 dias de quarentena. Se forem residentes no país, esse período tem de ser passado no domicílio, com o pormenor de que estas pessoas estão impedidas de usar transportes públicos para regressar a casa. A mesma medida é aplicada desde 11 de março a quem chega das províncias mais afetadas de Itália.
Aos restantes passageiros é monitorizada a temperatura e é pedida uma declaração sobre as condições físicas das pessoas.
As escolas estão fechadas desde 2 de março e até às férias da primavera. "No Japão o ano escolar começa em abril e as férias de primavera começam por volta do dia 20 de março e terminam na primeira semana de abril, o que varia de escola para escola. Por outras palavras, o fecho das escolas começou em 2 de março e terminará no início de abril", explica ao DN Chiho Komuro, conselheira da Embaixada do Japão em Portugal.
A mesma responsável sublinha ainda que a câmara baixa do parlamento aprovou um projeto de lei que permite ao primeiro-ministro, Shinzo Abe, declarar o estado de emergência. "O governo avalia que na situação atual não é necessária uma declaração, mas entende necessário preparar um quadro legal" caso venha a verificar-se essa necessidade.
A Coreia do Sul começou por ser um dos casos mais problemáticos de disseminação do coronavírus - chegou a ser o segundo país com mais casos depois da China - mas nos últimos dias conseguiu reduzir o número de novos casos, sendo agora o quarto país. Nesta quinta-feira registava 7869 casos e 66 mortes, com 114 novos infetados.
O surto de coronavírus na Coreia teve início numa cerimónia de uma seita religiosa na cidade de Daegu, na zona sudeste do país, com 2,5 milhões de habitantes. Mais de 60% dos casos registados na Coreia têm ligação a esta seita e a este surto inicial.
A Coreia do Sul está agora a fazer testes em massa à população. De acordo com Centro para o Controlo de Doenças coreano até esta quinta-feira tinham sido efetuados 234.998 testes, atingindo uma média de mais de dez mil testes por dia. Há 500 clínicas a fazer testes, 40 delas móveis, por forma a reduzir os movimentos das pessoas infetadas ou potencialmente infetadas, bem como os contactos entre os pacientes e os profissionais de saúde.
A par dos testes em massa, a Coreia adotou um sistema de informação ao público que inclui o envio de mensagens por sms para as pessoas que residem perto de casos de infeção, rastreia as deslocações através do uso do telemóvel ou de cartões bancários e publica informação pormenorizada sobre tudo isto, o que tem levantado críticas sobre a proteção da privacidade das pessoas e queixas de estigmatização de pessoas que são identificadas como estando infetadas.
Apesar da queda que se verificou no número de casos diários (que ontem voltaram a subir), a Coreia continua entre os países mais afetados e tem motivos para preocupações. De acordo com a agência France Press, nos últimos dias registaram-se quase cem casos de contágio que têm como epicentro um call center em Seul, capital da Coreia. "Isto poderá provocar uma superpropagação na região metropolitana, onde se concentra a metade da população total", alertou o primeiro-ministro Chung Sye-kyun.
Hong Kong tem 130 casos e três mortos. O primeiro caso foi registado a 23 de janeiro. Três dias depois, contando então cinco casos, a região especial administrativa chinesa declarou o estado de emergência e encerrou todas as escolas primárias e secundárias.
Com exceção de duas passagens que permaneceram abertas, o território, antiga colónia britânica e agora uma região administrativa especial, fechou as fronteiras com a China e foi decretada a quarentena obrigatória de 14 dias para quem chegasse do território continental.
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O DN e o Média Lab do ISCTE estão a acompanhar o crescimento de uma campanha de fake news no WhatsApp. Nas últimas horas, várias mensagens com informações falsas procuram lançar o pânico, pondo em causa as informações verificadas e dando a entender que a crise do Covid 19 é muito mais grave. Por isso, o DN e o MediaLab procuram recolher exemplos desta campanha para poder refutar todos os erros ou informações manipulatórias.