Pouco depois de ter sido conhecido que Joaquim Abreu de Sousa, diretor do Serviço de Cirurgia do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, tinha sido nomeado pela Ordem dos Médicos coordenador da Comissão Independente para investigar as suspeitas de má prática em 11 casos no Serviço de Cirurgia do Hospital de Faro, chegava àquela instituição uma carta anónima onde era referido que tal constituía "um verdadeiro escândalo", porque "este médico não reúne as mais elementares condições do ponto de vista ético e moral para a função"..A carta enviada à Ordem dos Médicos, Ministério da Saúde Procuradoria-Geral da República, e à qual o DN também teve acesso, começa por dizer que Joaquim Abreu de Sousa é "amigo pessoal do diretor do Serviço de Cirurgia do Hospital de Faro (o profissional em causa nesta investigação), com quem tem um protocolo para formação de internos de cirurgia" e que sobre ele pendem várias queixas em várias entidades da Saúde e da Justiça..O bastonário dos médicos, Carlos Cortes, confirmou ao DN ter recebido "uma carta com um conjunto de denúncias, que descrevia alguns factos mais concretos, e que, obviamente, tive de a remeter ao Conselho Disciplinar para avaliação", mas que, a partir daqui, "será este órgão a ter de fazer o que faz com todos os casos semelhantes, que é averiguar". O cirurgião Joaquim Abreu de Sousa, contactado pelo DN para ser ouvido sobre o conteúdo da carta, fez saber que tinha conhecimento da missiva, mas "nada ter a declarar"..Questionado pelo DN sobre se os relatos feitos nesta carta não comprometem a idoneidade do trabalho da Comissão Independente no caso de Faro, Carlos Cortes considerou que não, explicando que "esta comissão foi criada para fazer o levantamento técnico-científico de toda a informação sobre os casos em causa e não para tomar decisões", assumindo mesmo que o único elemento que, de facto, o incomodou "foi a referência a haver alguma ligação ao médico em causa. E neste sentido fiz de imediato diligências para saber se haveria alguma veracidade na informação e foi-me garantido que não. Confesso que este foi o aspeto que, a confirmar-se, mais me incomodava, porque se há uma queixa disto ou daquilo sobre um elemento, não é essa que vai retirar idoneidade ao trabalho que foi pedido a esta comissão que tem cinco elementos e cujo trabalho é fazer o levantamento de toda a informação técnico-científica dos casos denunciados em Faro"..Para o bastonário, "é estranho aparecer uma carta anónima no meio de um processo que é de enorme complexidade e para o qual é necessário tranquilidade e isenção para o avaliar aprofundadamente. Portanto, haver uma denúncia anónima deste tipo, só posso pensar que é uma forma de pressão para tentar interferir neste processo"..A carta questiona o representante dos médicos sobre se desconhecia que o cirurgião do IPO do Porto já "foi alvo de inúmeras queixas" junto da Ordem dos Médicos, da Inspeção Geral das Atividades de Saúde (IGAS), Entidade Reguladora da Saúde e do Ministério Público, inclusive por "má prática", da qual terá resultado "danos graves" para os "pacientes"..DestaquedestaqueCarta enviada à Ordem dos Médicos alerta ainda para uma queixa que terá dado entrada contra o cirurgião do IPO do Porto por desvio de doentes para a atividade em clínica privada..O texto chama ainda a atenção para uma última outra situação: "Parece V. Exa. desconhecer que, desde setembro de 2021, e com o conhecimento de todas as entidades citadas, incluindo Ordem dos Médicos e Conselho de Administração do hospital onde exerce, está a decorrer um novo processo no Ministério Público contra o Dr. Joaquim Abreu de Sousa, por queixa de desvio de doentes para a sua atividade em clínica privada", o que constitui "grave abuso de poder"..Mas a estas questões junta-se ainda a denúncia de este cirurgião fomentar no próprio serviço uma "cultura de trabalho tóxica, de perseguição e de relação de assédio moral agravado e constante misoginia"..Para apurar sobre a existência de uma queixa por desvio de doentes, o DN contactou a Procuradoria-Geral da República, mas a resposta que obteve dos serviços foi a de que, após, "efetuadas pesquisas com os elementos fornecidos, no DIAP do Porto, o sistema informático não devolveu resultados positivos, não tendo, assim, sido possível localizar qualquer inquérito"..O mesmo foi perguntado à IGAS sobre todas as queixas referenciadas na carta enviada à Ordem e que quem a enviou diz "desconhecerem-se quaisquer resultados". Mas após várias insistências por email, o DN não conseguiu obter qualquer resposta da IGAS. O bastonário Carlos Cortes disse desconhecer se há processos a decorrer nos Conselhos Disciplinares sobre o médico em causa, explicando que cada região - Norte, Centro e Sul - tem o seu Conselho Disciplinar e que estes "funcionam de forma completamente independentes, e sem qualquer intervenção de outros órgãos ou do bastonário", reforçando que sobre a denúncia recebida já fez o que deveria ter feito: "Recebi-a e encaminhei-a para o órgão próprio, agora o resto terá de ser com o Conselho Disciplinar.".Relativamente ao caso da denúncia sobre o Hospital de Faro, Carlos Cortes é peremtório ao afirmar que quer um tratamento irrepreensível por parte da Ordem dos Médicos, recordando que assim que foi conhecida a situação denunciada pela médica internista Diana Pereira à Polícia Judiciária, em que dava conta da existência de 11 casos suspeitos de má prática no Serviço de Cirurgia daquela unidade do Algarve, de janeiro a março deste ano, "a Ordem decidiu de imediato avançar com a criação de uma comissão técnico-científica independente", a qual foi anunciada em conferência de imprensa e após reunião com o ministro da Saúde, Manuel Pizarro. Na altura, o bastonário destacou que esta comissão "tem como objetivo avaliar os alegados erros e casos de negligência no serviço de cirurgia do Hospital de Faro" e que "há indícios de alguma gravidade"..Destaquedestaque"Incomoda-me esta tentativa de criar instabilidade num processo em que a Ordem [dos médicos] tem três organismos a trabalhar nele. Quero que a Ordem seja irrepreensível a avaliar e a interferir", diz bastonário..Neste momento, o processo de Faro está a ser investigado pela Comissão Independente - liderada por Joaquim Abreu de Sousa, cujo nome foi indicado pelo Conselho Regional do Norte, com mais quatro elementos, um indicado pela região Centro, outro pela região Sul, mais outro indicado pelo próprio bastonário e ainda pelo presidente do Colégio de Cirurgia -, pelo Conselho Disciplinar do Sul e pelo Colégio de Cirurgia. Além do Ministério Público, que abriu um processo de inquérito, da IGAS e da Entidade Reguladora da Saúde que fizeram o mesmo..O bastonário sublinha que "o trabalho que está a ser feito pela comissão é apenas uma parte das investigações que estão a ser levadas a cabo", além do mais "a comissão vai fazer o levantamento de toda informação, não vai propriamente tomar uma decisão sobre os casos ou sobre os médicos envolvidos ou aplicar sanções. Quem terá de fazer isso será o Conselho Disciplinar e o importante neste caso é que seja avaliado com toda a profundidade e que seja apurada a verdade"..Carlos Cortes reforça: "Incomoda-me esta tentativa de criar alguma instabilidade num processo que tem de ter tranquilidade e isenção e no qual a Ordem tem três organismos a trabalhar. É um processo em que quero que a Ordem dos Médicos seja absolutamente irrepreensível a avaliar e a interferir".