Espanha já tem governo. Vai conseguir chegar até o fim da legislatura? A vontade do governo é que seja longo e vai tentar que assim seja, mas vai ser difícil, uma vez que a sua vontade não é suficiente. Vão ter muitos problemas, inconvenientes, alterações e a dúvida está em saber se vão conseguir ultrapassá-los ou não..Quais serão os principais problemas para Pedro Sánchez? Por um lado a própria experiência de um governo de coligação, que é inédita em Espanha. Desde que foi restaurada a democracia nunca houve um governo de coligação, temos que ir até antes da ditadura, à Espanha dos anos 1930. E um dos problemas vai ser o encaixe entre os dois partidos de esquerda. Os dois, logicamente, vão querer ter preponderância um sobre o outro. O PSOE, que é o grande, vai resistir o possível para evitar que em visibilidade e protagonismo seja ultrapassado pelo Unidas Podemos. Por outro lado, temos o tipo de políticas. Falou-se muito do programa eleitoral mas no dia-a-dia podem surgir problemas ou situações em que cada partido tenha uma visão diferente. E também, para levar adiante as políticas, não bastam os deputados do PSOE e Unidas Podemos, faltam mais 21. Ou seja, vão precisar do apoio de outros partidos. E depois temos a Catalunha. O mundo independentista, que está dividido, vai tentar impor algumas das suas reivindicações que são impossíveis de aceitar por Pedro Sánchez da forma em que estão hoje a ser propostas. Sánchez nunca poderá aceitar a autodeterminação da Catalunha e também não pode libertar os presos que foram condenados pelo Supremo Tribunal de Espanha. Há problemas imediatos com que este governo vai ter de lidar e enfrentar..Um governo de coligação para Espanha é melhor solução do que a geringonça portuguesa? A esquerda espanhola, sobretudo o PSOE, desejou que o seu modelo de governo fosse o português. Ou seja: apoios de fora do governo. Para muitos eleitores espanhóis de esquerda, sociais-democratas, olharam com inveja para a solução de Portugal e o seu modelo. Foi uma aspiração que não se cumpriu porque o Unidas Podemos impôs a sua fórmula - entrar no governo e fazer parte do gabinete. Mas o modelo ideal para boa parte da esquerda espanhola era o português..Que relação tem Pedro Sánchez com Pablo Iglesias e o Podemos? As negociações juntaram-nos, porque antes estavam afastados. Temos estado sem governo há vários meses porque o Unidas Podemos votou contra Pedro Sánchez. Há uma experiência de fracasso. Desta vez, disseram-nos que houve entendimento entre os dois partidos e os negociadores. Mas agora têm de pôr tudo a andar e vamos ver se na prática os dois partidos, que aspiram a uma parte do mesmo eleitorado, mantém a boa relação. Ou se a terminam. Para assinar o acordo a relação foi boa mas já vimos um choque com a formação de governo. O PSOE e Pedro Sánchez não gostaram da forma de atuar de Pablo Iglesias porque divulgou, não pessoalmente, os ministros que vai ter no gabinete. E o primeiro-ministro gosta de ser ele a fazê-lo. E tem sido ela a explicar que este governo vai ter quatro vice-presidências, uma forma de diminuir a figura de Pablo Iglesias que é um dos vice-presidentes. De certa forma a vice-presidência de Iglesias fica diluída. A negociação serviu para juntá-los, vimos muitos abraços que pareciam sinceros, mas agora já vimos tensão entre ambas as partes. Sánchez deu um toque de atenção para que o Unidas Podemos não esqueça que é ele quem manda..Com a ERC a relação também promete não ser tranquila. As relações pessoais são boas mas a questão está nos temas que querem ser tratados. Se falamos da autodeterminação para que a Catalunha possa separar-se de Espanha, é uma questão impossível. O problema mais grave da Espanha é o afã secessionista de uma parte da população catalã, de dirigentes e de partidos como a ERC ou o Junts per Catalunya, que faz que a situação política esteja esquecida. Vamos ver o que acontece quando começarem as negociações entre governo central e catalão. Mas no ponto de partida há grandes diferenças. A ERC parece ser flexível nas negociações mas tem por detrás o Junts per Catalunya, um partido independentista forte..E quanto aos outros parceiros de Sánchez para a tomada de posse, o seu apoio neste governo não está garantido? A fidelidade dos parceiros vai depender das contrapartidas. Este governo, como não tem maioria com o Unidas Podemos, é obrigado a negociar lei a lei, proposta a proposta, dia a dia..Os deputados espanhóis não sabem debater? Porquê os gritos e a falta de respeito no Parlamento? A crispação instalou-se em Espanha há quatro anos e não há vontade de deixá-la. As atitudes dos políticos radicalizaram-se, o adversário é desqualificado com o insulto, e há o perigo de deterioração da convivência. As pessoas ficam com esta imagem. Esta legislatura já demonstrou grande radicalização como causa da fragmentação. Os partidos, sobretudo os da direita, deveriam fazer uma reflexão e optar pela moderação e o respeito pelo adversário..Espanha tem grandes desafios económicos pela frente e respira-se um certo pessimismo económico. Há razões para pensar numa nova crise? Instalou-se um certo derrotismo na sociedade espanhola em matéria económica, mas não corresponde à realidade dos dados segundo dizem a generalidade dos economistas. Esse pessimismo e os augúrios negativos só se justificam se for pelo estado de espírito permeado pela política. O confronto que há na política tranfere-se para o mundo económico e isso deve ser evitado. Penso que este governo vai estar economicamente muito vigiado. A oposição, sem conhecer o orçamento, dá por garantido que vamos ter uma despesa excessiva. E não acredito que assim seja. Como sabe muito bem Portugal, a vigilância da UE é absoluta e à frente da vice-presidência económica está Nádia Calviño. Não partilho o pessimismo económico porque loucuras e revoluções, mesmo que queiram fazê-las, são muito difíceis dentro do clube da UE.