A duração de uma ordem de sinal ocidental naquilo que respeita à estabilidade tem um processo histórico de relativa limitação, interessando como ponto crucial de partida o que foi a paz de Westfália de 1648, a que se seguiu a veneração pela soberania e a definição do normativismo regulador das relações internacionais. Havia uma ordem internacional que não ignorava as hierarquias de poder. Não podiam evitar-se incidentes, que ganharam gravidade suficiente para que a hierarquia encaminhasse para a que seria chamada realpolitik, muito por influência da iniciativa expansionista do Reino Unido, da aventura napoleónica, da Santa Aliança, de modo que, como foi observado, o Ocidente considerou o resto do mundo como sendo apenas a sua circunstância exterior envolvente, longe de conseguir que nesta crescesse a adoção do modelo, ilusão que colheu os frutos diferentes com o colonialismo formador do conceito de Terceiro Mundo. Este beneficiando para a libertação política, com dois períodos significativos representados primeiro pela Sociedade das Nações, que destruiu os até então sobreviventes impérios organizativos do próprio Ocidente (alemão, austro-húngaro, russo, turco), e depois pela ONU, que marcou o começo do fim do império euromundista, mais uma vez com ação proeminente do mais poderoso membro da organização, os EUA, então firmes na articulação do atlantismo. Nos factos, o que se seguiu foi, como depois de Westfália, e continua em precaríssima evolução, a visão, agora globalista, de uma ordem definida exclusivamente por ocidentais, que procura harmonizar a anunciada igualdade dos Estados, antigos e nascentes, mas salvaguardando a hierarquia (Conselho de Segurança), a qual guardava o poder de decisão pelo veto dos cinco maiores (incluindo a ficção da representação da China por Taiwan) e o direito de as decisões serem obrigatórias, enquanto a assembleia geral votava apenas orientações, mas sem desigualdade de votos. As causas da degradação, em que a projetada ordem global se encontra, verificam-se não apenas na autonomia das múltiplas orientações do Terceiro Mundo libertado, mas no próprio Ocidente responsável pela prática da realpolitik que levou à Guerra Fria, que durou até à queda do Muro de Berlim, que perdurou a utopia do globalismo governado pela ONU, que ainda orientou a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (CNUCED) de 1964, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), animando os que consideraram a queda do Muro de Berlim como o fim da história e que, pela famosa proclamação da primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher, "there is no alternative", abria no Ocidente caminho às políticas económicas liberais. Infelizmente o domínio da realpolitik impediu a autenticidade das política, isto é, a fidelidade ao projeto idealizado na ONU, com as imperfeições que o tempo limaria, e fez do pragmatismo, por vezes sem publicidade, a regra que levou à crise financeira em que o globo se encontra. Ao mesmo tempo, o tardio America First vai rompendo com o atlantismo e com a fidelidade aos tratados e remete para a prateleira das utopias sem valor as consequências no agravamento do outono ocidental. Ignorando que, por isso, contribui para a incapacidade demonstrada pelas negociações da não proliferação da capacidade nuclear, e dando um ar de esperança, em vez de aviso, aos que subscreveram o pensamento crítico de Pierre Grosser quando já em 2017 (Paris) publicou o seu L'Histoire du Monde se Fait en Asie -Une autre vision du XX siècle. De facto, tudo conduzindo a fazer do globalismo uma expressão que corresponde a ver a terra como uma "arena global", em que os Estados, incluindo vários europeus, veem nascer forças políticas orientadas pela memória da antiga soberania, com o desafio de compreender a distância entre as promessas democráticas e o trajeto das guerras em África, com a evidente urgência da avaliação do pan-islamismo, que abrange o turbilhão das migrações, e finalmente com o regresso da importância da estratégia militar atenta à precariedade da paz que a queda do Muro permitiu sonhar. O século XX defrontou-se com o conflito de três visões do futuro, a autoritária fascista, a não menos totalitarista soviética, e a democrática liberal. A arena global em que se encontra o globalismo obriga a meditar seriamente no aviso de Harari, no sentido de que a narrativa liberal enfrenta o facto de que "grande parte do nosso planeta está dominada por tiranos". A adesão à paz está longe de um apoio global..Professor universitário