Estamos perante uma guerra aberta às portas da capital da Líbia. Que fatores contribuíram para o agravar das tensões? O dramático agravamento da situação não se deve a dois campos profundamente divididos como na Síria ou no Iémen. Deve-se ao alheamento de um indivíduo que persegue os objetivos pessoais de poder. É uma pessoa com 76 anos, doente, amarga, com pouco tempo e com pouco a perder e tudo a ganhar, o seu momento de glória. Há esta história pessoal de um lado e do outro razões estruturais. Por exemplo, não há um verdadeiro Exército na Líbia. Há uma longa história de fraqueza estatal. A Líbia e os países envolvidos querem um Estado forte, um poder centralizado e um Exército funcional. Mas nada disto existe. Nesse vácuo surgiu uma pessoa que se projetou como a solução para tudo. E, em consequência, todas as pessoas que pensam estar a manipular a Líbia estão na realidade a ser capturadas pelos caprichos de um ser humano. Mas também não querem saber, porque para a maioria dos países a Líbia não tem interesse. A Síria era extremamente importante para a Rússia e para o Irão. A Líbia é talvez importante para a Itália e pouco mais. Para a maioria dos países envolvidos a Líbia não é do interesse estratégico vital.Essa pessoa que diz estar no centro do vácuo é Khalifa Haftar, que obteve o apoio de vários países ao declarar guerra aos terroristas e à Irmandade Muçulmana. Afinal, quem é Haftar? Foi um homem leal a Kadhafi durante uns 20 anos. Um dia foi capturado no Chade e a administração Reagan, interessada em combater Kadhafi, oferece-lhe a li- berdade em troca da dissidência. Em 1991 entrou nos EUA como cidadão norte-americano mas nunca conseguiu avançar com um golpe ao regime de Kadhafi, que nos anos 2000 vê as sanções serem levantadas e é aceite pela comunidade internacional. Em 2011, Haftar tenta participar na revolução mas não correu bem. Não há espaço para ele. Não gostava dos islamitas, que o odiavam. E o exército de Kadhafi, do qual tinha desertado, também não gostava dele. Foi embaraçoso. Foi expulso de duas cidades, ninguém o queria. Mas em 2013 deu-se a viragem quando no Egito a Irmandade Muçulmana é deposta. Tal como Abdel Fatah al-Sisi [presidente do Egito], Haftar disse que o islão político moderado, a Al-Qaeda e a Irmandade Muçulmana são tudo o mesmo e conseguiu apoio do Egito, dos Emirados e da Arábia Saudita, bem como dos EUA e da França. Em maio de 2014 inicia a campanha militar que se mantém.Como se explica que Haftar faça uma aliança com uma milícia salafista? Porque pensa em termos pragmáticos, em como deve mexer-se para atingir o poder. Não há aqui ideologia, apenas poder, a ideologia molda-se. Quem está em Paris pensa que o oposto da Irmandade Muçulmana é o secularismo liberal. Não, é o salafismo intransigente, rígido e intolerante que determina que se deve obedecer ao Estado e lutar contra a Irmandade Muçulmana. Porque a Irmandade usa a religião para derrubar os governos da região, é por isso que a Arábia ou os Emirados a odeiam.A ofensiva a Trípoli foi realizada agora com o objetivo de sabotar a conferência nacional que iria ser realizada pelas Nações Unidas? Não. Devia ter acontecido uma coisa mas que não se concretizou porque [Haftar] foi demasiado exigente. O plano era ter havido um anúncio de um novo governo no final de março, reconhecido internacionalmente e com o mesmo nome, GNA, mas profundamente pró-Haftar. O problema é que ele quis todas as concessões, vitória máxima e total. E não resultou. Perdeu a paciência, saiu da esfera política e voltou à via militar.Pensa que Haftar pode vencer militarmente? Sim, claro. O que está a fazer é feio, mas não é impossível.Não vai parar? Não. Mesmo que anunciem um cessar-fogo, mesmo que assine um acordo de paz em Genebra, podem ter a certeza de que ele não vai parar a ofensiva.A estratégia da ONU falhou? É um desastre total. Falharam em toda a linha, não o compreenderam e ele instrumentalizou a ONU.Acredita que a França poderá retirar o apoio a Haftar? Pode, mas não vai. Porque os franceses concordam profundamente com ele em termos ideológicos, políticos e militares. É como olham para África, um conjunto de países problemáticos que precisam de líderes militares.O Estado Islâmico pode lucrar com este conflito? São um perigo real? Sim. Fizeram 25 ataques no ano passado. Não estão tão perigosos como há uns anos, mas estão no terreno e de cada vez que os líbios lutam mais intensamente entre eles é uma oportunidade para o Estado Islâmico ganhar força e mais tarde atacar.