Nutritivo, fortificante e afrodisíaco - seria desta forma empolgada que os conquistadores espanhóis às ordens de Hernán Cortés se refeririam ao cacau, estranho a palatos europeus, mas cultivado, transformado e bebido pelos astecas com tão assinaláveis resultados. Convencidos de que este achado poderia ser tão valioso quanto o mítico tesouro do Coronado, trouxeram-no os espanhóis para a Europa e rapidamente confirmaram a validade de tal intuição. Da corte de Madrid, o gosto pelo cacau rapidamente passou a Lisboa, Paris, Amesterdão ou Londres. Os portugueses, agradados pelo sabor e pelo negócio em perspetiva, não tardaram a introduzir o seu cultivo no Brasil (Pará e Maranhão principalmente) e mais tarde em África. Lisboa, porto de "muitas e desvairadas gentes" (na descrição do cronista Fernão Lopes) e mercadorias, tornar-se-ia em breve uma porta de entrada destas novas delícias na Europa, primeiro para as bolsas mais abonadas, depois para alimento de trabalhadores braçais..Tem o horário mais inesperado da cidade: abre à meia-noite e fecha às 15 horas, imediatamente após o serviço de almoços. Faz, assim, jus a uma longa tradição, que remonta a 1937, quando o chocolate quente adoçava tanto a dura vida dos que atravessavam o Tejo fora de horas ou simplesmente dos boémios, atiçados pela fome quando a noite já ia longa. No Mercado 24 de Julho (onde um painel de azulejos evoca o Cais do Sodré de outros tempos), como antigamente também junto ao rio no velho mercado do peixe miúdo, não se vendem bombons, mas bebe-se o chocolate espesso como um caldo rico, que -dizem os entendidos - não se deve confundir com leite achocolatado. O velho Cacau da Ribeira foi evocado, nos anos 1970, por uma canção de Ary dos Santos e Fernando Tordo, cantada por Tonicha: "O Cacau da Ribeira/de travo amargo e doce/onde Lisboa vem provar a noite.".Numa manhã quente de verão, um cliente, com decisão de habitué, chega ao balcão da loja da Rua da Escola Politécnica, 4, e bebe um chocolate. Ante o espanto dos repórteres, Bettina Corallo esclarece que produtos antes sazonais, como o chocolate quente ou o sorvete de cacau, há muito que o deixaram de ser, mantendo-se a procura ao longo de todo o ano. Instalada nesta morada desde 2015, com o filho Niccolò, e também (desde 2018) no Mercado da Ribeira, com o filho mais novo Amedeo (assim mesmo à italiana), Bettina, portuguesa de nascimento, tem uma longa história de vida associada ao café e chocolate quando, como diz, nada o fazia prever. Recuemos a 1975. O diplomata português António Baptista Martins é colocado como embaixador na então popular República Popular do Zaire e leva consigo a família, incluindo a filha adolescente, Bettina, que aí concluirá o ensino secundário e virá a casar-se aos 18 anos. O noivo, Claudio Corallo, italiano, especialista em agronomia tropical, "convertê-la-á" ao gosto pela produção, primeiro do café, e depois do chocolate. "Adorei viver no Zaire, mais tarde Congo. Aprendi muito sobre esta área de negócio mas também sobre a vida", recorda..A instabilidade política naquele país trá-la-ia de regresso a Lisboa, onde com os dois filhos mais novos (a primogénita, Riccarda, ficou com o pai em África) começou por abrir uma pequena loja, não muito longe da atual, na Rua Cecílio de Sousa. Conquistou clientela e afinou métodos, mas o novo espaço, mais amplo, permite-lhe novos voos, nomeadamente o fabrico próprio diário, incluindo a torrefação de café e cacau. Tudo sem corantes nem conservantes ou leite e com água mineral, nunca canalizada. "O sabor é totalmente diferente", admite..Neste espaço encontramos um sem-número de tentações, dignas de aparecer no popular romance (adaptado ao cinema com o mesmo êxito) de Joanne Harris, Chocolate: favas de cacau torrado, chocolate 75% de cacau com laranja cristalizada da Calábria, com gengibre cristalizado ou com avelãs do Piemonte e tutti quanti (é espreitar o instagram #bettinaniccolocorallo para ter uma ideia sem perfume) "Trabalhamos sempre com os mesmos produtores que nos inspiram confiança, o que é válido também para o chocolate (vindo de países como Venezuela, Bolívia ou República Dominicana) ou o café (adquirido no Brasil, na Indonésia, no Ruanda ou na Etiópia." Esta aposta em valores seguros na escolha dos ingredientes não impede os trabalhadores envolvidos no fabrico (atualmente, quatro pessoas) de experimentarem novos sabores, como aconteceu neste verão com um chocolate branco com arandos e framboesas. O resultado foi auspicioso, como acontece com a generalidade de bombons, trufas, sorvetes ou salames..No futuro imediato, Bettina Corallo espera apenas que a situação melhore. Encerrada no Mercado da Ribeira durante o período de confinamento, manteve aberta a loja da Escola Politécnica, apenas com um balcão para cafés e chocolates. "Respondemos a muitas encomendas, o que nos permitiu não dispensar qualquer das sete pessoas que trabalham connosco, mas claro que não foi fácil"..Estava tudo a postos para a abertura da nova loja de Lisboa, em plena Rua da Prata (no número 97) quando o confinamento adiou os projetos carinhosamente acalentados. Perdida a época forte da Páscoa, a nova chocolataria Equador abriu, finalmente, as portas em maio e, segundo a sua gerente, Ana Pereira, os resultados têm sido animadores. Originária do Porto (onde foi fundada em 2009 por duas pessoas com formação não em doçaria, mas em belas-artes, Teresa Almeida e Celestino Fonseca), a empresa só estava representada na capital por um franchising (na Rua da Misericórdia) criado em 2013. "Estava na altura de termos aqui uma loja própria, uma vez que já temos três no Porto, outra em Coimbra e uma em Braga." E o que podemos encontrar aqui? Chocolate com sabores e texturas diversas que se pode comprar ao peso, bombons, trufas, pirolitos, tabletes, grãos de café envoltos em chocolate, trufas e bombons com sabor a vinho do Porto, café, ginja, gin e por aí fora, num cardápio tão vasto como sumptuoso. Mas se os outros ingredientes variam, o cacau vem invariavelmente de São Tomé e Príncipe, já que existe um protocolo exclusivo com a Roça Santo António..Como Ana Pereira sublinha, a Equador "procura também contar histórias". Comum a todas as lojas e produtos são as ilustrações concebidas pela dupla de fundadores que evocam um mundo desaparecido em que se vivia com maior vagar. "Criámos um lugar imaginário, a Vila do Lago, que aparece evocada em todos os nossos produtos, desde as tabletes às caixas de presente ou aos postais. No Natal, que é uma época alta, reproduzimos mesmo em chocolate as personagens que aparecem nas imagens. Têm sempre muito sucesso." Este gosto pela narrativa e pela ficção (inspirada pelo mundo mágico do chocolate) tem levado a Equador a estabelecer uma parceria com a histórica Livraria Lello, no Porto, com uma tablete justamente chamada "Chocolate com Livros". Mas no leque cada vez mais amplo das parcerias há que acrescentar outras marcas de renome como Gint, MSR (Ginjas de Alcobaça), os cafés Torrié ou os vinhos Graham"s e a Quinta do Javali..Tudo começou com uma história de amor, o que é sempre um bom princípio. O grego Leonidas Kestekides chegou a Bruxelas para uma grande exposição comercial, mas uma súbita paixão persuadiu-o a ficar. Fosse porque necessitava de adoçar a boca à amada ou porque o faro empresarial lhe dizia que o chocolate é sempre uma boa ideia, fixou-se na cidade de Gante e criou a sua marca em 1913. Hoje com mais de 1300 lojas em todo o mundo e um vasto comércio online, a Leonidas honra a secular tradição chocolateira da Bélgica, combinada com ingredientes oriundos de paragens tão diversas como Madagáscar (de onde chega a baunilha) ou a Califórnia (de onde vêm as as amêndoas), entre tantos exemplos possíveis, já que nas lojas Leonidas o cliente pode encontrar cerca de 80 variedades de bombons, trufas ou tabletes. A imaginação é mesmo o limite. Em Lisboa há já cinco franchisings da marca - o primeiro foi no Rato, mas já se estendeu a Alvalade, Campo Pequeno, Praça de Espanha e Campo de Ourique. Alternativamente também pode fazer as suas compras no site www.leonidas-lovers.pt..Fundada em 1933, a Arcádia foi durante muitos anos paragem fundamental numa viagem ao Porto. Hoje, está já por todo o país e tem, em Lisboa, cinco lojas (Belém, Campo de Ourique, Avenida João Crisóstomo, Avenida de Roma e Avenida da Liberdade). Não se pense, todavia, que o franchising retirou à marca o carácter artesanal do fabrico, com pepitas vindas da Bélgica e derretidas sem adição de outros ingredientes. Transformam-se depois em tabletes, bombons, bolachas ou trufas numa variedade capaz de embaraçar o cliente mais decidido. Para quem não tiver tempo de se deslocar a uma loja, há sempre o recurso ao site www.arcadia.pt.