L'Adamant é um Centro de Dia para adultos com problemas mentais, instalado num edifício flutuante em pleno rio Sena. Quando filmou, para lá de uma câmara terá tido, certamente, uma pequena equipa a acompanhá-lo: que protocolo foi necessário seguir para concretizar essa filmagem? Quando chego a um lugar para fazer um filme, seja L'Adamant ou uma sala de aula, como aconteceu em Ser e Ter (2002), ou uma grande instituição como a Radio France, em La Maison de la Radio (2013), claro que os contextos são diferentes, cada filme é uma aventura singular, mas procuro sempre afirmar um mesmo princípio: cada um deve dizer, muito simplesmente, se aceita ser filmado, se tem vontade de ser filmado ou não. E se não tem essa vontade, não há problema - para mim, não há qualquer problema, a não ser, claro, se todos dissessem que não querem ser filmados..E que reações encontrou? Claro que há sempre uma minoria que diz que não quer, "não me apetece" ou "não quero que saibam que ando em psiquiatria"... O certo é que, por vezes, ao fim de dois ou três dias, essas mesmas pessoas mudam de perspetiva: "Afinal de contas, porque não?" É normal: querem saber o que está acontecer, quem é aquele fulano que apareceu com a sua equipa de cinema, será que são selvagens ou respeitam as pessoas... É isso que importa esclarecer desde o princípio: explicar que filme estamos a fazer, qual o seu contexto, se é para as salas de cinema, se vai passar na televisão, se vai haver uma edição em DVD. É preciso que as pessoas não sejam apanhadas de surpresa, o que nem sempre é fácil de explicar porque eu próprio não sei muito bem o que vai acontecer. Quero eu dizer: não chego com um programa, um plano de trabalho ou uma intenção muito definida, não sou alguém que vai à procura de imagens para ilustrar ideias pré-definidas - não tenho um discurso seguro..É uma pesquisa, portanto? Uma pesquisa, sim: sou alguém que procura, faço filmes para aprender, não para dizer ao espectador que esta é a maneira certa de pensar. Faço filmes para aprender a pensar e abrir os olhos face ao mundo em que vivemos - para aprender coisas sobre mim mesmo, através dos outros..Será possível explicar o que aprendeu através de um filme como Sobre L'Adamant? Fazer um filme sobre psiquiatria é começar por encontrar pessoas que não pensam necessariamente como nós pensamos. São pessoas muito diferentes que, por vezes, seguem uma lógica também muito diferente da nossa - e isso representa, desde logo, uma aprendizagem sobre a nossa humanidade. Quando se aborda a psiquiatria, aprende-se muito com aqueles com que nos cruzamos, estamos a ser constantemente surpreendidos. No meu caso, como gosto de filmar o imprevisto, improvisar e procurar estar disponível para o inesperado... então em psiquiatria temos tudo isso. Encontram-se pessoas surpreendentes, que reagem de maneira diferente, por vezes exprimem-se através de uma língua muito própria com um vocabulário pessoal e personalizado..Na sua filmografia, encontramos La Moindre des Choses (1997), também um filme em ambiente psiquiátrico. Há algum parentesco com Sobre L'Adamant? La Moindre des Choses foi rodado no verão de 1995, mas só saiu nas salas no começo de 1997. É sobre a clínica La Borde, na região dos castelos do rio Loire, que fica, precisamente, num velho castelo, pequeno e com alguns problemas de conservação. Trata-se de uma clínica semi-privada, mas não especificamente para os ricos. Há nela qualquer coisa de especial na paisagem da psiquiatria, já que se trata de um lugar em que se pratica aquilo que é conhecido como a psicoterapia institucional e que, de forma muito esquemática, diz que, se queremos curar as pessoas, é preciso, paralelamente, constantemente, tratar também da instituição. Porquê? Porque as instituições existem ameaçadas pela rotina, o aborrecimento, a burocracia, a hierarquia e, neste caso, a infantilização dos doentes... O que é válido para todas as instituições, incluindo as escolas. Ou até para a vida de um casal..Através dos estudos de Michel Foucault, aprendemos que a noção de "curar as pessoas" não tem, agora, o mesmo significado que teve, por exemplo, no século XIX. Podemos dizer que, para si, essa é também uma matéria muito particular de cinema, de fazer cinema? Sim, é verdade que a questão da cura me interessa numa dimensão cinematográfica, mais do que como "tema" de filme. Isto porque penso que há um certo parentesco entre aquilo que faço, como cineasta, e algumas equipas que trabalham em psiquiatria. O que é, então, o meu trabalho? Faço filmes um pouco com as minhas orelhas - escuto, tento improvisar, não sou aquele que já sabe o que é preciso fazer. Não cheguei a L'Adamant para fazer uma espécie de casting: este interessa-me, este não, eis o que quero dizer, eis o que quero mostrar... Nada disso, não faço filmes "sobre", mesmo se este se chama Sobre L'Adamant - "sobre", neste caso, porque eu entrei ali, naquele lugar, mas o que faço é menos um filme "sobre" e mais um filme "com" - com as pessoas. O meu cinema nasce desse encontro, e dos efeitos desse encontro. Com resultados por vezes inesperados: não há muito tempo, uma mulher que tinha visto o filme no Japão, estava de férias em Paris e foi bater à porta de L'Adamant: veio oferecer alguns daqueles papelinhos japoneses, os origami, que permitem fazer figurinhas - e trazia também bombons..Não será que a sua presença, com toda a equipa, muda também o ambiente do lugar que está a filmar? Sim, com certeza que sim. A presença de uma câmara e uma pequena equipa, mesmo sendo muito discreta, muda as coisas - muda o real. Aliás, os meus filmes dizem isso mesmo, não pretendo sugerir que somos invisíveis. Afirmo a minha presença: ouve-se a minha voz, algumas das pessoas falam comigo. Por exemplo, naquela cena no bar, há um homem que me pergunta: "Está a filmar-me?". Eu respondo que sim, e ele diz: "Ah... esta manhã não fiz a barba..." E aí eu digo: "Eu também não." E há também uma mulher que me pergunta se todo aquele material é meu: "Tem um carro para transportar tudo isto?" Eu digo que sim e ela vira-se para o homem com o microfone: "E você, Érik [Érik Ménard, engenheiro de som], tem um carro?" Érik diz que não, e ela muito espantada: "Não tem carro? É este senhor que tem de transportar tudo?".Portanto, a sua presença faz parte do filme. Eu estou ali - não apareço na imagem, mas estou presente. No fundo, é aí que está o tema do filme, ou seja, esse encontro, muito mais do que um grande discurso sobre a psiquiatria, com muitas ideias e teorias....Além do mais, L'Adamant é também um lugar cinéfilo. É verdade: todas as quintas-feiras, às duas da tarde, há uma projeção num espaço em que é possível criar uma zona escura, onde existe um écrã com uns três metros de largura. Mostra-se um filme e, depois, há uma conversa de cerca de uma hora que termina com a escolha do filme para a sessão seguinte..Quem escolhe? Os psiquiatras? Não, até porque no espaço de L'Adamant há apenas um médico, dois psicólogos, alguns ergoterapeutas e enfermeiros, duas mulheres que se encarregam da limpeza, uma secretária... Mas o que importa dizer é que as coisas não estão hierarquizadas como acontece noutros sítios. Por exemplo, um estagiário pode, em determinados momentos, desempenhar uma função terapêutica muito importante porque, por exemplo, pode falar muito com um determinado paciente, a ponto de se ter gerado uma relação forte entre essas duas pessoas. Digamos que o poder é exercido de forma horizontal. Por vezes, a escolha dos filmes é feita por um ou outro paciente. Há mesmo um cineclube de L'Adamant chamado "Travelling" - durante a rodagem, estava a decorrer uma espécie de mini-festival dedicado a filmes sobre o próprio cinema..O filme leva-nos a ver e, mais do que isso, a sentir o valor da palavra - é sempre possível falar e continuar a falar. O que não é muito comum no cinema dos nossos dias... Exatamente. Através de Sobre L'Adamant, e talvez também do meu filme anterior [De Chaque Instant, 2018, sobre uma escola feminina de enfermagem], tento reabilitar a palavra num mundo em que, precisamente, ela está algo desvalorizada. E o cinema da palavra também não é muito admirado, sendo antes valorizada a "ação": a palavra no cinema é muitas vezes encarada como algo antigo, fora de moda. Ora, eu acredito que a palavra tem uma beleza muito especial porque é aquilo que nos permite fazer trocas e compreendermo-nos uns aos outros - por vezes, também, discutindo. Sinto-me sempre atraído por tudo isso: os sotaques, as vozes, o timbre das vozes, a maneira de usar as palavras....Tendo tudo isso em conta, quais são os filmes contemporâneos que suscitam o seu interesse? Tenho gostos muito variados, interesso-me pelo documentário e pela ficção, embora não especialmente pela ficção científica. Há uns dias, por exemplo, em Paris, vi um belíssimo filme de Marco Bellocchio, Marx Pode Esperar [disponível na plataforma Filmin]: é uma espécie de psicanálise a céu aberto, partindo de uma reunião familiar que evoca um drama que não é fácil colocar em palavras, já que estava enterrado há 50 anos... De facto, a habitual distinção entre ficção e documentário não me interessa muito. Digo mesmo muitas vezes que o documentário é uma outra maneira de fazer ficção - a partir do momento em que colocamos uma câmara num determinado lugar, estamos a propor uma reescrita, uma releitura do mundo. Um documentário nunca é a realidade em bruto, nunca é a cópia fiel do real. Como já dissemos, a presença de uma câmara muda o real. E o certo é que nem sempre há cinema num filme - há filmes que acabámos de ver e dizemos... "isto não é cinema"..Como é que isso acontece? Não é uma questão que tenha que ver com a dimensão do ecrã. Podemos ver um filme no nosso computador e ficarmos espantados: "Ah, isto é cinema!" Pelo contrário, podemos estar a sair de uma sala e sentir que aquilo que vimos, de facto, não é cinema, não passa de uma coisa formatada, talvez seja um telefilme....Parece-lhe, portanto, que o filme, quando é realmente um filme, resiste a todas essas mudanças de ecrã? Em qualquer caso, sou um veemente defensor da sala. Porquê? Desde logo pela dimensão do ecrã, há qualquer coisa que é maior que nós, mas também pelo facto de ser algo a que assistimos em conjunto. O cinema é uma experiência coletiva, mesmo se não precisamos de falar com o vizinho do lado: vemos todos o mesmo filme, e cada um vê um filme diferente. Agora, tudo isso está ameaçado pelas plataformas..Será que muitos jovens espectadores "desaprenderam" o que é o cinema? Há uma situação de fragilidade, sem dúvida. As práticas dos nossos dias favorecem o consumo individual das imagens. Agora, fabricam-se sobretudo imagens, eu continuo a fazer planos, quer dizer, algo em que a duração é fundamental. O que é um plano? É algo que tem um princípio e um fim, não uma mera acumulação de imagens. Agora, muitas pessoas comportam-se como escravos voluntários dos seus telefones, vivem num mundo de absoluto imediatismo....Por exemplo? Há tempos, fui ao teatro ver uma peça de Tchekhov. Havia um intervalo. Assim que a cortina desceu, diria que uns 60 por cento das pessoas ligaram os seus telemóveis... Isso chocou-me imenso. Eu ainda estava dentro da peça, sentia essa necessidade de continuar um pouco mais dentro da peça, não me apetecia sair, queria apenas ficar ali uns minutos, naquele ambiente... E atenção: estávamos num teatro, havia alguns jovens espectadores, mas estavam claramente em minoria - a mim, isso assusta-me.