Como a Galiza, terra natal de Franco, conseguiu resistir ao Vox

Alberto Núñez Feijóo, líder do PP galego que chegou a ser apontado como sucessor de Mariano Rajoy, serviu de travão ao partido de extrema-direita nesta comunidade autónoma.
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A Galiza foi uma das poucas comunidades onde o Vox não elegeu um deputado, com a tentativa da extrema-direita de conseguir um representante pela província de A Coruña a ser travada pela extrema-esquerda do Bloco Nacionalista Galego (BNG), que volta ao Congresso espanhol de onde saiu em 2011. O travão ao Vox explica-se também pela liderança do Partido Popular galego: Alberto Núñez Feijóo, que chegou a ser apontado como sucessor de Mariano Rajoy mas recusou avançar, tem defendido que o partido não se deve afastar do centro-direita.

Na Galiza, terra natal de Franco, o Partido Popular recuperou a liderança em número de votos (apesar do empate em número de deputados), depois de ter perdido nas eleições de abril para os socialistas. O PP tem a hegemonia da direita, depois do descalabro do Ciudadanos (como a nível nacional) e apesar da subida do Vox de mais de 25 mil votos. Elegeu dez deputados, mais um do que em abril, quando tinha perdido três representantes.

O PP conseguiu 470 mil votos, mais dez mil do que o Partido Socialista da Galiza. A terceira força política foi Galicia en Común (a marca galega da Unidas Podemos), com 186 mil votos, seguida do BNG com 119 mil votos, que teve mais cinco mil do que o Vox e por isso conseguiu eleger o último deputado pela região. As sondagens tinham dito que o partido de Santiago Abascal podia conquistar pelo menos um deputado. Nas eleições de abril, o Ciudadanos tinha conseguido eleger dois deputados (um foi agora para o PP e o outro para o BNG). A participação aumentou cinco pontos percentuais na região, contra a maré a nível nacional (a participação caiu cerca de dois pontos).

A menos de um ano das eleições autonómicas galegas, Feijóo vê reforçada a sua posição para conseguir a reeleição como presidente da Xunta de Galicia. O líder do PP galego ainda não disse se será ou não candidato a umas quartas eleições autonómicas, mas deixou essa sugestão. Mas, ao mesmo tempo, arrisca ver a esquerda unir-se contra si após esse escrutínio que terá de ocorrer até 30 de outubro de 2020, já que a marca regional do Podemos elegeu também dois deputados. Para já, a vitória retirou força a um eventual discurso de ganhador do socialista Gonzalo Caballero.

"A Galiza deixa claro que para já não é país para o Vox - aqui funcionou o cordão sanitário de Feijóo à formação de Santiago Abascal - e que só os populares são capazes de fazer frente pela direita a uma alternativa progressista tripartida", lê-se no editorial do jornal El Correo Gallego. "Enquanto Pablo Casado [líder nacional do PP] e Albert Rivera [líder do Ciudadanos, que se demitiu após o descalabro eleitoral do seu partido] lutavam por aparentar ser mais centralistas do que Abascal, Feijóo insistia em tentar atrair votantes até no centro-esquerda", lê-se na Galicia Press.

Já o La Voz de Galicia diz que o PP galego tem muito que festejar. Por um lado teve uma maior percentagem de votos a nível regional do que o partido a nível nacional (e só foi ultrapassada pela registada em La Rioja, onde o PP acabou por ser segundo). Depois porque "considera que a aposta de Pablo Casado [líder nacional] pela centralidade referenda a tese que manteve Feijóo em Génova" após as eleições de abril, "uma moderação que a direção galega acredita ter sido o que permitiu ao partido crescer em apoio em toda a Espanha e ganhar vantagem no espaço que o Ciudadanos deixou órfão".

Feijóo foi um crítico da estratégia de Casado de entrar em território do Vox para conquistar votos. Numa reação a estas eleições, o líder do PP galego disse que o partido deve continuar a tentar a unir os votos do centro-direita, alegando que se o PP tivesse feito isso "hoje Espanha dormiria tranquila e teríamos quatro anos de governo estável". Feijóo é dos que defendem que para tirar Espanha do bloqueio o PP deve estar disposto a negociar com o PSOE, algo que Casado rejeitou na campanha,

Sobre a subida do Vox, Feijóo disse esperar que o partido "saiba ordenar e gerir" os seus numerosos apoios que hão de servir para "unir os cidadãos na Constituição, no Estado das Autonomias, e não para gerar mais tensão na vida política espanhola, que já está em bastante tensão". E rematou: "Foram eleitos para tentar unir o país, não para fraturar". E avisa que, graças aos apoios ao partido de Santiago Abascal na Galiza, "os nacionalistas entraram no Congresso", referindo-se ao deputado do BNG.

A Galicia Press lembra ainda que a região sempre foi um terreno árido para as direitas centralistas espanholas, explicando que o Ciudadanos só conseguiu eleger representantes depois de anos de travessia do deserto. "O PP galego sabe disso há muito tempo. De facto, Manuel Fraga [ex-ministro de Franco, um dos fundadores do PP e antigo presidente da Xunta] fez bandeira de um claro discurso autonomista que provocaria erupções cutâneas em Abascal, Rivera ou Casado. Aplicando a receita do galeguismo fraguiano, Feijóo conseguiu que não germinasse nem uma semente da UPyD [União, Progresso e Democracia], nem do Ciudadanos nem do Vox."

Múrcia, a primeira autonomia do Vox

Se na Galiza o Vox não conseguiu eleger deputados, em Múrcia a extrema-direita saiu vencedora, conquistando 27,96% dos votos e três deputados (os mesmos do PP e PSOE, que tiveram percentagem menor de votos). O partido de Santiago Abascal também ganhou em Ceuta.

Além da Galiza, o Vox também não elegeu representantes em Navarra, La Rioja e País Basco.

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