Cabe a Giuseppe Conte dirigir-se nesta terça-feira à tarde aos deputados do Parlamento Europeu para mais um debate sobre o futuro do continente. Uma iniciativa que tem levado os líderes de cada Estado membro a Estrasburgo (em março do ano passado foi a vez de António Costa). Mas este não é mais um debate. Porque Conte é o chefe de um governo eurocético e nacionalista. E porque o momento é de particular sensibilidade para os transalpinos: a nível interno, a economia afunda-se quando aumenta a especulação de que a coligação tem os dias contados; nas relações externas a querela com Paris atingiu mínimos históricos numa altura em que dossiês espinhosos podem ser afetados; e com a União Europeia o governo populista pode abrir mais uma frente de conflito caso cumpra as promessas relativas ao setor da banca..A Liga de Matteo Salvini venceu no domingo as eleições regionais em Abruzzo, em coligação com a Força Itália, de Silvio Berlusconi, e os nacionalistas Irmãos de Itália. Ao obterem 48% dos votos retiram do poder a coligação de centro-esquerda, que se ficou pelos 31%. O Movimento 5 Estrelas (M5E), o partido liderado por Luigi Di Maio, ficou nos 20%. Quase metade do que obteve nas legislativas do ano passado naquela região. O partido antissistema, que venceu as eleições e forjou uma coligação de governo com a extrema-direita, está em queda. Assim como as relações entre os dois partidos, divididos em cada vez mais temas, da Venezuela às obras públicas.."É um voto em Abruzzo e acho que os nossos amigos do 5 Estrelas não têm nada a temer", declarou Salvini. "Nada muda no governo, nenhuma mudança, nenhuma remodelação, o trabalho continua", assegurou..A coligação italiana tem dado sinais de turbulência pela primeira vez desde a tomada de posse no dia 1 de junho de 2018. A Itália caiu em recessão no final de 2018 - a terceira no espaço de uma década. A Comissão Europeia reviu a previsão de crescimento para 0,2% neste ano, contra uma estimativa anterior de 1,2%, a menor entre os países da UE. Por sua vez, o Banco de Itália também cortou a previsão do governo de 1% para 0,6%. Esta projeção é mais um foco de instabilidade com o governador do Banco de Itália, Ignazio Visco. Este advertira sobre o impacto do aumento dos custos dos empréstimos associados ao orçamento para 2019..Banca na mira.O vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, apelou na segunda-feira à preservação da independência dos supervisores financeiros após o governo italiano ter intensificado a pressão sobre o banco central do país. Salvini disse no sábado que a gestão do Banco de Itália e a comissão de supervisão do mercado (Consob) devem ser "completamente limpas" devido à sua incapacidade de supervisionar devidamente os bancos. O Banco de Itália está em processo de substituição de três membros do conselho de administração. O diretor da Consob, Mario Nava, tido como próximo de Bruxelas, também saiu e vai ser substituído por Paolo Savona, até agora ministro dos Assuntos Europeus. "É importante preservar a independência do banco central e também das instituições de supervisão financeira", disse Dombrovskis. A resposta de Salvini não se fez esperar: "Concordo com aqueles que reivindicam a independência da Bankitalia: deve ser independente, mas a independência não pode rimar com irresponsabilidade.".Noutra frente de tensão entre Visco (cujo mandato foi renovado em 2017), a UE e o governo, este reservou 1,5 mil milhões de euros para compensar os pequenos depositantes que perderam o dinheiro que tinham no Popolare di Vicenza e no Veneto Banca, e prometeu criar uma comissão parlamentar para determinar os responsáveis pela queda dessas instituições bancárias..Salvini e Di Maio fazem uma demonstração de unidade neste tema, ao ignorar o alerta de que o fundo de compensação pode violar as regras da UE. "Não estamos nada incomodados", disse Di Maio. "Se a Europa concordar, tudo bem, se a Europa não concordar, então para nós tudo bem na mesma", acrescentou Salvini..Comboios e aviões.A quererem deixar a recessão para trás, os partidos da coligação esperam que o Orçamento do Estado dê novo fôlego à economia. Mas o seu impacto levará meses a ser sentido e, entretanto, a coligação enfrenta dores de cabeça como a decisão de avançar com a construção de uma ligação ferroviária franco-italiana dos Alpes, conhecida como TAV. O M5E, que tem base de apoio entre os ambientalistas, não quer avançar com as obras. Já a Liga quer concluir o projeto. E nenhum dos partidos dá sinais de cedência. Esta decisão entronca ainda com as más relações com Emmanuel Macron, o inimigo comum de Di Maio e de Salvini..Outro negócio de grandes dimensões que pode ser afetado com a divergência entre Paris e Roma - que levou França, a chamar o seu embaixador em Itália para protestar contra os ataques dos líderes populistas -, é a que se relaciona com o plano de recuperação da companhia aérea Alitalia. A Air France, noticia a agência chinesa Xinhua, interrompeu na semana passada as negociações para se encontrar uma solução para a companhia aérea..Fumo branco sobre a Venezuela.Outro tema que tem mostrado a divergência dos dois partidos é a Venezuela. A Itália é um dos poucos países europeus que não reconheceram Juan Guaidó como presidente interino. Matteo Salvini anunciou que a posição do governo sobre a crise na Venezuela vai ser divulgada hoje, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros, Enzo Moavero, for ao Parlamento. Enquanto Salvini e a Liga exigem a saída de Nicolás Maduro, o M5E de Luigi Di Maio defende o princípio da não ingerência nos assuntos de outros países..A tensão entre os dois partidos é agravada pelas campanhas eleitorais regionais e das europeias de 26 de maio. A Liga duplicou o seu apoio nas sondagens para cerca de 34% em apenas um ano, enquanto o M5E caiu para cerca de 24%, cerca de oito pontos a menos do que nas eleições do ano passado..Se o apoio ao M5E cair, Luigi Di Maio pode ser pressionado para sair do governo. Ou Salvini pode ter a tentação de convocar eleições para governar sozinho, ou com a direita. "Acho que nenhum dos partidos no poder tem interesse em derrubar o governo neste ano, muito menos antes das eleições europeias", disse Lorenzo Pregliasco, do YouTrend, à Reuters.