Jóni Brandão (Travanca, Santa Maria da Feira, 20 de novembro de 1989) estava em teoria mais perto de casa no alucinante final da 81.ª edição da Volta a Portugal. Com menos de meio segundo de vantagem sobre o algarvio João Rodrigues, precisava de terminar o quarto dia a contrariar a poderosa W52-FC Porto no contrarrelógio de 19,5 km. Mas no regresso da prova à Invicta 30 anos depois, a história dos últimos anos repetiu-se e Rodrigues ganhou-lhe 27 segundos e acrescentou mais um dado perturbador para a concorrência. O futuro.."É o melhor ciclista português a correr em Portugal." Disse-o Nuno Ribeiro, diretor desportivo da W52-FC Porto (e vencedor em 2003), mas também Marco Chagas, comentador de referência da RTP e grande figura da modalidade, vencedor da Volta quatro vezes (o recorde pertence a David Blanco desde que em 2012 conseguiu a quinta vitória e, desde então, a última fora do alcance da União Ciclista do Sobrado - o clube por detrás deste projeto financiado pelos dragões desde 2016).."Ainda não caí em mim. Sei que acabei de fazer algo especial e histórico, mas espero desfrutar com a minha equipa, que me ajudou a conquistar esta corrida, que será algo marcante na minha carreira", atirou aos jornalistas o rapaz da pequena aldeia de Faz Fato, situada a 15 quilómetros da sede de concelho, Tavira, na direção da serra. Aliás, João será um dos 12 jovens habitantes com menos de 19 anos que o Instituto Nacional de Estatística registou nos censos de 2011 - num total de 66 habitantes, 35 mulheres e 31 homens.."Não há ninguém famoso lá, mas acho que agora vou ser o mais conhecido de Faz Fato", brincou, tentando fugir a um assunto que está a dar que falar no pelotão: sem contrato assinado para 2020, aceitará ficar na sombra do líder Alarcón numa equipa que agora tem outras ambições domésticas e internacionais, depois de ter sido promovida ao escalão profissional continental (segundo do ranking mundial)?."Não estou a pensar na próxima época. Vou defender as cores da W52-FC Porto até ao fim, vou fazer tudo na estrada. Poderei ter outras oportunidades depois deste grande feito", admitiu a nova estrela do ciclismo português..Mau futebolista deu um bom ciclista.Aos 24 anos e oriundo de uma terra de ciclismo - Tavira, onde o Sporting sediou o seu projeto ciclístico, que abandona este ano -, João Rodrigues andou uns tempos a tentar o futebol. "Se calhar não tinha assim tanto jeito", gracejou no final o ciclista completo, que marca diferença na luta contra o relógio, mas também na montanha. Só a título de exemplo, no ano passado foi 2.º no "crono" de 17,3 km em Fafe, 21 segundos atrás de Vicente García de Mateos (o corredor do Louletano não partiu no domingo devido a lesão), mas 13 segundos mais rápido do que o então vencedor da geral Alarcón e 15 segundos do que Brandão, no pico da sua evolução numa especialidade em que é notoriamente menos forte (2012: 81.º; 2013: 25.º; 2014: 16.º; 2015: 11.º; 2016: 6.º; 2018: 4.º)..No sábado, Rodrigues dera uma demonstração de força na montanha. Rapou o segundo que o separava de Brandão na geral (manteve a amarela com os 407 milésimos ganhos no prólogo) ao chegar em segundo no alto da Senhora da Torre, atrás de outro talento dos dragões, António Carvalho..Com "falta de jeito" para futebolista, João Rodrigues abraçou como adolescente o desafio que lhe foi lançado por um dirigente de um clube de ciclismo de Tavira. Cerca de uma década depois, João Rodrigues é um dos mais estimulantes corredores portugueses da atualidade. Tem potência, tem capacidade mental e está na equipa mais forte. Pelo menos, até final da época.."Se ele quiser e souber aproveitar as oportunidades que lhe têm sido dadas, acho que vai conseguir grandes coisas para Portugal", afiançou Nuno Ribeiro. João Rodrigues é um nome para memorizar..Para alguém ganhar, alguém tem de perder. O derrotado foi Jóni Brandão, mais uma vez. Brandão que trocara o Sporting-Tavira pela Alfapel para afastar o fantasma do "Poulidor português". Mas acabou por ficar no 2.º lugar da Volta pela terceira vez, depois do ano passado (batido por Alarcón) e de 2015 (ganhou Veloso). Raymond Poulidor, hoje com 83 anos, correu até aos 40, mas o melhor que conseguiu foi ficar conhecido como "o eterno segundo". Ficou três vezes em segundo na Volta à França (1964, 1965 e 1974), além de cinco terceiros lugares (1962, 1966, 1969, 1972 e 1976). E ainda foi uma vez vice-campeão do mundo em 1974 e três vezes terceiro (1961, 1964 e 1966)..Jóni Brandão, que é um grande ciclista, ainda tem muito para andar para evitar ficar colado à "síndrome Poulidor". O ciclista de Travanca de Santa Maria da Feira só completa 30 anos a 20 novembro. Mas com o FC Porto cada vez mais inacessível no pelotão....A força do FCP.Sem o lesionado líder Raul Alarcón (vencedor em 2017 e em 2018), a W52-FC Porto não só solidificou o domínio (venceu quatro das dez etapas, mais o prólogo, e andou de amarela em sete dos dez dias), como abriu as portas à nova promessa do ciclismo português. Ou melhor, ao novo campeão. Quem não caça com um craque no auge (Alarcón tem 33 anos) ou com um veterano (Gustavo Veloso, que ganhou em 2014 e 2015, tem 39 anos e foi "repescado" devido à lesão do compatriota e vestiu a amarela metade da prova) ataca com um jovem talento..A União Ciclista do Sobrado (UCS) é uma ideia de Nuno Ribeiro, que fundou na terra natal o clube em 2004, no ano seguinte ao seu triunfo na Volta, e se amparou muitos anos no diretor desportivo José Barros (saiu em rutura em 2014). Ganhou a Volta pelo sétimo ano consecutivo. O FC Porto completou o tetra desde que regressou ao ciclismo em 2016 numa parceria com a empresa W52, que mudou o nome à UCS e projetou a pequena agremiação do concelho de Valongo internacionalmente. Nesta época, a equipa subiu ao segundo escalão mundial do ciclismo (profissional continental, com 25 equipas e apenas esta portuguesa), a um passo do topo do mundo, o World Tour..Grandes vencedores da Volta.David Blanco, 5 Marco Chagas, 4 Alves Barbosa, 3 Joaquim Agostinho, 3 Alfredo Trindade, 2 Dias dos Santos, 2 Gustavo Veloso, 2 Joaquim Gomes, 2 José Albuquerque, 2 José Maria Nicolau, 2 José Martins, 2 Orlando Rodrigues, 2 Raul Alarcón, 2 Ribeiro da Silva, 2.Classificações.10.ª etapa: 1.º João Rodrigues, Por (W52-FC Porto), 27.31 minutos (média: 42,520 km/hora) 2.º António Carvalho, Por (W52-FC Porto), a 15 segundos 3.º Joni Brandão, Por (Efapel), a 27 4.º Gustavo Veloso, Esp (W52-FC Porto), a 28 5.º Thibaut Guernalec, Fra (Arkea-Samsic), a 58 6.º Gian Friesecke, Sui (SRA), a 1.03 minutos 7.º Samuel Caldeira, Por (W52-FC Porto), a 1.14 8.º Mikel Aristi, Esp (Euskadi-Murias), a 1.20 9.º Edgar Pinto, Por (W52-FC Porto), a 1.21 10.º Ricardo Mestre, Por (W52-FC Porto), a 1.23Classificação da geral individual: 1.º João Rodrigues, Por (W52-FC Porto), 40:57.04 horas 2.º Jóni Brandão, Por (Efapel), a 27 segundos 3.º Gustavo Veloso, Esp (W52-FC Porto), a 1.08 minutos 4.º António Carvalho, Por (W52-FC Porto), a 2.32 5.º Edgar Pinto, Por (W52-FC Porto), a 3.14. 6.º João Benta, Por (Rádio Popular-Boavista), a 3.15. 7.º David Rodrigues, Por (Rádio Popular-Boavista), a 4.44. 8.º Cristhian Montoya, Col (Medellín), a 5.24. 9.º Daniel Silva, Por (Rádio Popular-Boavista), a 5.33 10.º Henrique Casimiro, Por (Efapel), a 5.43Classificação geral por equipas: 1.º W52-FC Porto, 122:53.31 horas. 2.º Rádio Popular-Boavista, Por, a 2.26 minutos. 3.º Sporting-Tavira, a 11.11..Classificação geral por pontos: 1.º Daniel Mestre, Por (W52-FC Porto), 91 pontos 2.º August Jensen, Nor (Israel Cycling Academy), 52 3.º Mikel Aristi, Esp (Euskadi-Murias), 50.Classificação geral da montanha: 1.º Luís Gomes, Por (Rádio Popular-Boavista), 107 pontos. 2.º Hugo Sancho, Por (Miranda-Mortágua), 47. 3.º João Rodrigues, Por (W52-FC Porto), 45.Classificação da juventude: 1.º Emanuel Duarte, Por (LA ALumínios) 2.º Urko Berrade, Esp (Euskadi-Murias) 3.º Rafael Lourenço, Por (Oliveirense-InOutBuild)