No mesmo dia, à mesma hora, uns anos depois. Cá estou". Com estas palavras, Pedro Santana Lopes deu no domingo o pontapé de partida para a (re)candidatura à Câmara da Figueira da Foz, um regresso a um lugar onde diz ter sido feliz. Entre o contexto atual e o de há 24 anos há pouca comparação possível - pelo caminho Santana ganhou Lisboa, foi primeiro-ministro, perdeu umas legislativas, desfiliou-se do PSD, fundou um novo partido e desfiliou-se entretanto. Mas há um ponto que é constante: a capacidade de regressar uma e outra vez..A nenhum político português se aplicará com mais propriedade a célebre frase de Mark Twain - "As notícias da minha morte são francamente exageradas". Dado como politicamente acabado inúmeras vezes - por amigos e inimigos - Santana regressou sempre. E se a derrota e posterior saída do PSD, e o falhanço do novo partido Aliança, pareciam fazer crer que Santana Lopes finalmente esgotara as suas muitas vidas políticas, aí está o antigo primeiro-ministro a desmenti-lo. Pegando numa frase famosa da política nacional (da autoria do próprio) Santana continua a "andar por aí"..Aos 64 anos - completa 65 a 29 do próximo mês - Pedro Santana Lopes já foi quase tudo. Primeiro-ministro e líder do PSD mais ou menos acidental, autarca na Figueira da Foz e em Lisboa, presidente da Santa Casa da Misericórdia, deputado, líder parlamentar, eurodeputado, putativo candidato presidencial. Foi um secretário de Estado quase ministro mas este é, curiosamente, um dos poucos cargos que nunca exerceu - nunca assumiu uma pasta ministerial. Na política desde os anos em que era estudante de Direito na Universidade de Lisboa, conta muitas vitórias no seu caminho. E ainda mais derrotas..Nascido em Lisboa, frequentou o Liceu Padre António Vieira antes de ingressar em Direito na Universidade de Lisboa. Logo aí ficou patente quer a sua vocação política quer os dotes oratórios, duas características que o levariam a presidente da Associação Académica. É na Faculdade que Santana conhece e trava amizade com José Manuel Durão Barroso, que à data militava no MRPP..Santana já o repetiu muitas vezes, só tem um ídolo na vida: Francisco Sá Carneiro. Contava em 2003, à jornalista Anabela Mota Ribeiro, numa entrevista ao DN: "Quando o ouvi a primeira vez fiquei absolutamente siderado. Ele não era um grande orador, mas tinha uma força impressionante. (...) Eu achava-o politicamente genial. Um dia conheci-o. Resolvi ir a um congresso do PSD para o defender, em 76, quando ele foi afastado do partido". É precisamente nessa altura que Santana se inscreve no PSD, tinha então 20 anos. A ascensão é rápida: em 1978 é adjunto de Álvaro Monjardino, ministro adjunto do primeiro-ministro (o social-democrata Mota Pinto). Entretanto vai estudar para a Alemanha, mas regressa para assumir funções como assessor jurídico de Sá Carneiro, cargo que manterá até à data da morte do então primeiro-ministro. Convidado a integrar os executivos posteriores, recusa, e em 1983 surge na Nova Esperança, uma ala crítica que junta nomes como Santana, Durão Barroso e Marcelo Rebelo de Sousa, que se opõem ao governo do Bloco Central. Em 1985, no famoso congresso da Figueira da Foz - aquele em que Cavaco foi "só" rodar o seu Citroën - Santana sobe ao púlpito para apoiar Cavaco, que deixaria o conclave como líder do PSD..No primeiro governo de Cavaco Silva, Santana assume funções como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, cargo que ocupará até julho de 1987, quando é eleito para o Parlamento Europeu. Fica dois anos em Bruxelas, regressando em 89, ano em que assume a secretaria de Estado da Cultura. Nunca chegaria a ministro o que, dizia-se à época, terá azedado as suas relações com Cavaco..Em 1995 Durão Barroso e Fernando Nogueira disputam a sucessão de Cavaco, Santana é também apontado à corrida, mas não entra na contenda. E vira-se para outros campos: nesse mesmo ano assume a presidência do Sporting. É uma experiência curta: um ano depois estará a disputar a liderança do PSD com Marcelo Rebelo de Sousa. Perde. E é dado como politicamente morto..Pelo meio, Santana é presença assídua nas revistas cor-de-rosa, uma figura do jet set nacional. Uma dessas publicações, em que surge ao lado da namorada com uma fita vermelha na cabeça, num cruzeiro promovido pela discoteca Kapital, há de ficar-lhe colado - será um look largamente reproduzido por Santana Flopes, personagem satírica do Contra-Informação, onde o político surge sempre rodeado de santanetes, outro termo que pegou. Outro "incidente"televisivo data de 1997, quando Santana surge ao lado de Torres Couto no programa da SIC Cadeira do Poder, uma espécie de concurso que visava eleger um primeiro-ministro e um líder da oposição, onde a realidade se confundia com a ficção..É também nesse ano que se inicia o percurso autárquico de Santana, desafiado por Marcelo para protagonizar uma candidatura - reza a história que Santana preferia Sintra, mas a hipótese foi vetada pelo então presidente da distrital de Lisboa, Pacheco Pereira. Foi a Figueira da Foz, que Santana ganhou por maioria, um resultado inédito para os sociais-democratas. Fez um mandato e, em 2001, subiu a parada e apresentou-se como candidato a Lisboa, onde João Soares liderava uma frente de esquerda. Para surpresa geral ganhou a câmara, onde ficaria até 2004..E, de repente, Pedro Santana Lopes vê-se como primeiro-ministro e líder do PSD. Durão Barroso deixa a liderança do Governo para presidir à Comissão Europeia e insiste que o seu vice assuma o Executivo sem ir a eleições. Jorge Sampaio aceita a solução: a 17 de julho de 2004 Santana Lopes torna-se primeiro-ministro..O curto mandato de Santana é uma notável sucessão de casos, gafes e incidentes. Marcelo Rebelo de Sousa deixa a TVI depois de críticas públicas do ministro Gomes da Silva às apreciações que fazia ao Governo. Fala-se em censura, Sampaio chama Marcelo a Belém. Cavaco Silva escreve um artigo no Expresso, usando outra frase que entrou diretamente para os compêndios da política portuguesa - "Os agentes políticos incompetentes afastam os competentes. Segundo a lei de Gresham a má moeda expulsa a boa moeda". Por fim, Henrique Chaves, ministro da Juventude, Desporto e Reabilitação, demite-se do governo acusando Santana de "falta de lealdade e de verdade". Foi a gota de água: a 30 de novembro Jorge Sampaio anuncia que vai dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas..Comentário de Santana, um dia depois, lamentando as críticas que se foram fazendo ouvir na sua própria família política: "Este é um Governo a quem ninguém deu quase o direito de existir (...). Teve que ir para uma incubadora e vinham alguns irmãos mais velhos e davam-lhe uns estalos e uns pontapés. Tem sido difícil para quem está na incubadora, ver passar a família e, em vez de acarinhar, haver membros da família que dão uns estalos no bebé"..Considerando-se injustiçado pela decisão de Sampaio, Santana avança para as legislativas tendo, do outro lado, o socialista José Sócrates. A campanha foi uma espécie de segundo ato dos meses de governação - uma sucessão de casos e incidentes. O hino da campanha ("Menino Guerreiro") ganha entrada direta para o anedotário da política nacional . Rezava assim: "Um homem também chora/Menina morena/Também deseja colo/ Palavras amenas/Precisa de carinho/Precisa de ternura/Precisa de um abraço/Da própria candura/Guerreiros são pessoas/São fortes, são frágeis/Guerreiros são meninos/No fundo do peito/Precisam de um descanso/Precisam de um remanso/Precisam de um sonho/Que os tornem refeitos/ É triste ver este homem/Guerreiro Menino/Com a barra do seu tempo/Por sobre os seus ombros/Eu vejo que ele berra/Eu vejo que ele sangra/ a dor que traz no peito/Pois ama e ama". Santana viria a perder as eleições de forma estrondosa, com José Sócrates a conseguir a primeira maioria absoluta dos socialistas. É pouco depois, no congresso de Pombal que marca a sua saída da liderança, que se despede com o famoso "não vou estar por aqui, mas vou andar por aí"..Santana voltou para a câmara, mas sem o apoio do PSD liderado por Marques Mendes, foi Carmona Rodrigues quem avançou para as autárquicas de 2005. Mantendo-se como deputado, candidata-se (e ganha) a liderança parlamentar do partido em Outubro de 2007, era então Luís Filipe Menezes presidente. Em 2008 avança contra Manuela Ferreira Leite e Pedro Passos Coelho em nova disputa da liderança - fica em terceiro. Em 2009 volta a concorrer à Câmara de Lisboa, mas perde para António Costa..Em 2011 é nomeado Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde fica até 2017. Pelo meio, vai correndo o tabu de que pode entrar na corrida presidencial de 2016, uma hipótese que a indefinição e depois o avanço de Marcelo acabou por travar. Santana surge também como possível candidato do PSD a Lisboa em 2017, cenário que acabará por descartar. As autárquicas ditaram a saída de Passos Coelho, e Santana avançou então contra Rui Rio. Perdeu e, desta vez, desfiliou-se mesmo do PSD, fundando, ainda em 2018, o Aliança - partido que viria a deixar em janeiro deste ano. Santana avança agora como independente à Figueira da Foz..susete.francisco@dn.pt