No final de março a plataforma da responsabilidade da Universidade de Oxford, OurWorldinData, que modelou a evolução da doença desde o início da pandemia, atualizou o balanço da mortalidade cumulativa por covid-19 desde janeiro de 2020 até março de 2023 nos países europeus. Portugal aparece em oitavo lugar com 8% de mortalidade excessiva, a par da Suíça e da Holanda e pouco acima da Alemanha, Finlândia e Suécia, que registaram 6%, o que, para Filipe Froes, pneumologista e coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos, representa "um excelente resultado" e explica porquê: "Coloca-nos na metade dos países que melhor responderam à pandemia na UE e ao nível de dois países que têm um investimento muito superior ao nosso no SNS, é o caso da Holanda e da Suíça". No pelotão com menos mortalidade excessiva estão a Nova Zelândia, com 0%, a Dinamarca, 2% e Twain com 4% (Ver gráfico)..No entanto, o médico deixa um alerta: "Neste momento, e contrariamente ao que muitos pensam, que as mortes podem estar a ser avaliadas por cima, temos a noção clara de que as mortes por covid-19 estão subavaliadas no mundo inteiro, porque temos as mortes por causa direta, mas também as de causas indiretas, provocadas não só pelo atraso nos diagnósticos ou no agravamento de patologias já existentes, como as que ocorreram por sequelas da covid-19.".De acordo com os dados oficiais, o número de mortes diretas por covid-19, nestes três anos, atinge as cerca de 26 500, tendo sido janeiro de 2021 o mês mais mortífero dos últimos 100 anos, que registou cerca de 19 mil mortes..O pneumologista contextualiza, "a grande generalidade das mortes ocorreram nos dois primeiros anos da pandemia, o que significa que neste período tivemos um acréscimo de 200 mortes por semana, o equivalente a um avião com 200 passageiros a cair semanalmente durante 104 semanas", especificando que estes 8% de mortes cumulativas entre janeiro de 2020 a março de 2023, representam cerca de 29 mil óbitos a mais, dando como certo que o impacto da covid-19 na mortalidade não fica por aqui.."O impacto da covid-19 na mortalidade vai continuar a ser sentido nos próximos anos, devido às mortes por causas indiretas e pela disrupção que houve na atividade assistencial às outras doenças", afirma o médico. Por exemplo, "neste momento, sabemos que há um acréscimo de risco de mortalidade por doença tromboembólica e cardíaca após a infeção pelo SARS CoV-2, isto está quantificado em estudos ingleses publicados. Sabemos também que o risco de morte súbita está aumentado em dez vezes, após a covid-19, que a destruição de células pancreáticas após a infeção aumentou o aparecimento de novos casos de diabetes e que quem tinha doenças crónicas também ficou com a sua comorbilidade agravada após ter contraído a doença"..Filipe Froes fala ainda de uma nova sequela e para a qual já há recomendações do âmbito da cardiologia: "Fala-se agora de uma nova realidade, a Covid Heart, Coração Covid, que resulta do agravamento de doenças já existentes do foro cardíaco após a covid-19 ou do aparecimento de patologias nesta área. De tal maneira, que quando são observadas situações destas a cardiologia recomenda que seja perguntado ao doente se teve a infeção"..A Covid Heart é uma nova realidade, como é a do aumento de casos da diabetes ou o impacto, ainda não quantificado, na área da saúde mental. Por tudo isto, o coordenador do Gabinete de Crise da Ordem destaca que "a pandemia ainda não acabou, porque o seu impacto irá continuar a ser sentido"..Destaquedestaque "Não nos podemos esquecer que a resposta à covid provocou um desvio quase total dos nossos recursos assistenciais, que condicionou atrasos significativos na atividade clínica nas patologias não covid..Até porque, no caso de Portugal, "não nos podemos esquecer que a resposta à covid provocou um desvio quase total dos nossos recursos assistenciais, que condicionou atrasos significativos na atividade clínica nas patologias não covid, quer a nível de diagnósticos, de tratamentos e de prevenção das doenças. E isto irá ter as suas repercussões, sobretudo nas doenças oncológicas e cardiovasculares"..À pergunta se fizemos bem em desviar todos os recursos para a covid, o médico defende que foi a opção correta já que "não tínhamos reserva funcional para dar resposta às duas áreas. Se não o tivéssemos feito as repercussões seriam ainda piores para os doentes com covid e para os que tinham outras patologias"..O médico diz mesmo que para compararmos realidades temos de usar factos objetivos. "Há países que poderão ter menos impacto na mortalidade das patologias não covid porque partiram de uma reserva funcional em termos de recursos que lhes permitiu manter a atividade assistencial não covid, nomeadamente os países nórdicos"..Por exemplo, em relação à Suécia, "há a ideia de que obtiveram sucesso em termos de mortalidade sem implementar nenhuma medida de contenção da pandemia, mas isso é errado. É verdade que não tiveram confinamentos como nós tivemos, mas adotaram igualmente medidas de controlo e de restrição para a população. Só que estas foram diferentes das nossas, porque os níveis de literacia da sua população também são superiores aos das do Sul da Europa. E uma das evidências que a pandemia trouxe também foi a de que os países com maiores níveis de democracia e de literacia tiveram melhores resultados na resposta à pandemia"..De acordo com a última atualização de dados da OMS sobre a covid-19, feita a 6 de abril, o número de casos no mundo ultrapassa, os 726 milhões, o número de mortes está quase nos sete milhões e mais de 13 mil milhões de vacinas já foram administradas. Mas Filipe Froes volta a reforçar que tanto o número de casos como de mortes está subavaliado. "Mais de metade da população mundial terá sido infetada e o número de mortes deve ultrapassar os 20 milhões, segundo estimativas da OMS num artigo publicado na revista científica Nature. O mundo aguarda que seja a OMS decrete o fim da pandemia ainda neste mês de abril.