Governo de Albuquerque acusado de "martelar" os números das listas de espera

Tribunal obrigou governo regional a divulgar informação. Líder parlamentar do JPP - que colocou o caso na justiça - diz que há um "apagão deliberado" de 45 % nos números. No DN, as nove razões invocadas pelo governo de Miguel Albuquerque. Em síntese: eficácia na gestão ou "números politicamente martelados"?
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"Apagão deliberado", "números politicamente martelados", "apagados artificialmente", "cirurgicamente apagados", "o cenário eleitoral [as eleições regionais deste ano] fez com que apagassem elementos".

De 2015 a 2021, as listas de espera cresceram mais de 85% - passaram de um total de mais de 63 mil para 118 mil -, mas num ano, de 2021 para 2022, tiveram "um apagão de 45%": de 118 412 para 65 109.

"Os documentos remetidos pelo Secretário Regional da Saúde [da Madeira], por ordem judicial, mostram aquilo que é impensável: uma redução abrupta das listas de espera na Saúde na Região" na ordem dos 45%, "em apenas um ano". "Eu diria que os números foram politicamente martelados, aliás cirurgicamente apagados, assim como muitos atos clínicos omissos", considera Élvio Sousa, deputado do JPP (Juntos Pelo Povo).

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal obrigou, numa decisão datada de 29 de março, o governo de Miguel Albuquerque, a Secretaria Regional de Saúde, a tornar públicas as "listas de inscritos para cirurgia, por especialidade e tipo de cirurgia, para métodos complementares de diagnóstico e terapêutica e para consulta de especialidade, por especialidade" até 31 de dezembro de 2022.

Há dois anos que é assim. O acesso "às listas de espera só com recurso judicial" e nos outros anos "quase na sua maioria da mesma forma", lamenta o deputado. Porém, desta vez, o espanto foi inequívoco. "Como é que é possível uma redução de 45%?", pergunta Élvio Sousa.

A resposta que encontra? "Foram apagados artificialmente, foi um apagão deliberado".

A primeira dúvida? "Como é possível que consultas como a nefrologia, a ginecologia, a obstetrícia, a medicina da dor, a gastrentorologia, entre outras, fiquem na "sombra" por não terem "critérios" que lhes permita integrarem as listas de espera? A título de exemplo, em 2018 integravam a lista de espera para consultas 44 especialidades; em 2021, 34 especialidades e nos dados enviados agora, referentes a 2022, integram apenas 15 especialidades!".

A explicação oficial , por exemplo, dos documentos de 2020 aponta uma razão: "Conforme orientação verbal da Direcção Clínica, em junho de 2019, aquando da aferição das listas de espera, os pedidos de consulta para as especialidades de Anatomia Patológica, Anestesiologia, Medicina Geral e Familiar, Medicina Hiperbárica, Medicina Intensiva e Patologia Clínica, dadas as suas características, não têm critérios para ter lista de espera pelo que não estão incluídas".

E aqui surge a segunda dúvida do deputado? "Critérios? Mas quais critérios?"

"Ano após ano é visível o decréscimo do número de consultas de especialidade analisadas", constata o Élvio Sousa. Na comparação ao que aconteceu desde 2015 percebe-se uma ligeira subida até 2018. A partir daqui, o número de especialidades incluídas nas listas de espera cai a pique: de 44 para 15. "Que critérios são estes que eliminaram 19 especialidades?" questiona.

Questão que serve, quase na íntegra, para os "exames" (os meios complementares de diagnóstico e terapêutica) que de 53.967 em 2021 passaram para 16.158 no ano passado.

"De forma ardilosa a informação relativa aos exames não segue a metodologia de anos anteriores (por especialidade + exames imagiológicos), não permitindo fazer um paralelismo com anos transatos e refletindo uma diminuição acentuada das listas de esperas para exames (...) Ao contrário dos anos anteriores o Secretário da Saúde não remeteu a lista dos exames imagiológicos e exames por especialidade, que como se confirma em 2021, faziam parte dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Os imagiológicos desapareceram!", afirma Élvio Sousa.

Solução? "Vamos avançar urgentemente como novo pedido". E há, garante, uma coisa certa nestes dados: "Mostram o decréscimo no rigor do tratamento da informação, nomeadamente nos critérios para terem lista de espera"

A Secretaria Regional de Saúde, contactada pelo DN, esclarece que que há nove razões que explicam esta descida tão acentuada nas listas de espera: a "criação de uma Unidade Especializada de Apoio à Produção no Serviço de Saúde "; a "criação de Programas clínicos específicos para a recuperação de listas de espera com forte investimento por parte do governo regional"; a "clarificação dos conceitos /referenciação para atos de saúde"; a "atualização dos critérios de referenciação para as listas de espera"; a "atualização da Base de dados dos utentes inscritos no sistema regional de Saúde - aproveitando as atualizações das fichas dos utentes realizadas na sequência do processo de vacinação COVID-19. Esta atualização permitiu o cruzamento da informação entre o RNU (Registo Nacional Único) e o Sistema Regional de saúde"; a "atualização do Sistema Informático - com clarificação dos conceitos e dos critérios para inscrição na lista"; o "cruzamento dos atos de saúde realizados no privado com o serviço regional de saúde - o que permitiu retirar muitas pessoas que estavam nas listas de espera pelo facto de já terem realizado o seu ato de saúde, no sistema convencionado de saúde existente"; e a "perda de critério clínico para se manter na lista de espera".

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