Costa nega ambicionar cargo europeu na cimeira da unidade e dos aplausos

No Dia da Europa os 27 juraram "solidariedade" mútua, para cimentar uma "unidade", cada vez "mais forte". Chefes de Estado e de governo europeus reuniram-se em Sibiu, na Transilvânia, Roménia.
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Ninguém tem memória de uma cimeira da União Europeia com aplausos do público, para receber os líderes, mas foi isso que aconteceu, nesta quinta-feira, Dia da Europa, na Roménia. A população juntou-se curiosa e ordeira, para ver a chegada de presidentes e primeiros-ministros a um encontro que deixa uma declaração histórica, logo na primeira presidência de um Estado membro do qual as autoridades europeias chegaram a duvidar da capacidade para a organizar.

No texto final da cimeira informal que decorreu em Sibiu, na Transilvânia, os líderes da UE 27 manifestam a sua convicção de que "unidos somos mais fortes", e apresentam um conjunto de dez compromissos, cada um deles redigido aparentemente a pensar numa Europa pós-Brexit. Mas, "neste mundo cada vez mais instável e desafiador", o Reino Unido continua Estado membro. Mas fica de fora da declaração. Tal como a sua primeira-ministra, Theresa May, ficou de fora da reunião. A líder conservadora não foi convidada para este Conselho Europeu informal.

Da cimeira sai a promessa dos líderes no sentido de "defenderem a Europa - de leste a oeste, de norte a sul", com a garantia de que ao fim de "trinta anos" desde o "derrube" da Cortina de Ferro, "não há lugar para divisões que concorram contra o interesse coletivo". Não se identifica na declaração, sequer, qualquer sinal de uma Europa com diferentes velocidades. Os líderes dos Estados membros prometem ficar unidos "para o melhor e para o pior".

"Seremos solidários nos momentos difíceis e estaremos sempre lado a lado. Podemos falar, e falaremos, a uma só voz", afirmam, prometendo "um espírito de compreensão e de respeito", ao ponto de "darem ouvidos uns aos outros", para procurarem sempre "soluções conjuntas".

Entre as diferentes promessas destaca-se ainda aquela em que manifestam a ambição de tornar a Europa "grande, nas grandes questões", obtendo "resultados naquilo que mais importa". A intenção é assegurar "a proteção do nosso modo de vida, a democracia e o Estado de direito".

A carta de intenções continua ambiciosamente, com promessas como "salvaguardar o futuro das próximas gerações de europeus", "proteger os nossos cidadãos", garantir que "a Europa será um líder mundial responsável".

Encontros à margem da cimeira

Vários líderes encontraram-se à margem do Conselho Europeu, a poucas semanas das eleições europeias, numa altura em que é necessário estabelecer pontes e procurar alianças, bem como ajudar a definir os cargos de poder que, ao longo deste ano, vão ficar vagos em Bruxelas.

O primeiro-ministro socialista António Costa, por exemplo, esteve reunido com o primeiro-ministro holandês, o liberal Mark Rutte, com o também liberal chefe do governo belga, Charles Michel, e com o presidente francês, Emmanuel Macron, o qual também tem feito tentativas de aproximação aos liberais.

No próximo sábado, António Costa vai enviar a Emanuel Macron uma mensagem gravada em vídeo, para ser difundida no "grande encontro nacional", em Estrasburgo, na capital europeia, sede do Parlamento Europeu", organizada pelo partido La République En Marche! O mote do encontro será "O Renascimento da Europa".

Entre as presenças confirmadas estão, segundo o partido lançado por Macron em França, "várias personalidades como François Bayrou, Jean-Pierre Raffarin, Daniel Cohn-Bendit" e é igualmente esperada a participação "do primeiro-ministro Édouard Philippe".

A partir de agora é preciso encontrar "equilíbrio geográfico e demográfico, de modo a que grandes e pequenos países estejam representados nas posições mais altas", bem como "equilíbrio de género e político", definiu o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.

"Claro que seria bom se conseguíssemos consenso em todas estas decisões, mas temos de ser realistas, e não hesitarei em colocar as decisões a votos se o consenso se revelar difícil de alcançar", garantiu o polaco.

As primeiras decisões só deverão chegar numa cimeira extraordinária que ficou em agenda para os primeiros dias, após as eleições europeias de 23 a 26 de maio. A 28 de maio, o Conselho Europeu antecipa-se ao novo Parlamento Europeu (só é suposto ser constituído a 2 de julho), colocando-se na dianteira da discussão sobre a liderança da Comissão Europeia. Isto numa altura em que se mantém uma divergência entre as duas instituições, sobre o processo de escolha do líder daquela instituição comunitária.

A escolha da data da reunião em que participarão "todos os 28 líderes da UE, para começar o processo de nomeações", prende-se com a "intenção" de fazer que "a designação dos líderes das instituições da UE decorra de uma forma célere, tranquila e eficaz", declarou Tusk.

António Costa classificou como "muito útil", que a reunião tivesse sido agendada, pois "a pior coisa que podia acontecer era a Europa, depois das eleições para o Parlamento Europeu, arrastar-se em longas decisões sobre o novo quadro institucional. Pelo contrário, [deve] tomar decisões rápidas".

"O que é desejável é que o Parlamento Europeu seja instalado logo em junho, que logo a seguir possa, ainda antes da interrupção dos trabalhos no período de verão, ser eleito o novo presidente da Comissão Europeia, de modo a que durante o verão se possa desenvolver o processo de constituição do conjunto da Comissão, que em setembro haja a audição dos candidatos a comissários e, portanto, como está previsto, que os novos comissários entrem em pleno funcionamento e logo a seguir o novo presidente do Conselho também possa assumir funções", é a convicção de António Costa.

Costa fora da guerra dos tronos da UE

O chefe do governo português garantiu que está focado exclusivamente no país e não pensa em ser mais do que um mero primeiro-ministro na Europa, rejeitando um lugar de poder na cúpula institucional da União Europeia.

Questionado pelo DN sobre se "não pretende entrar na guerra dos tronos da União Europeia", António Costa respondeu que "não", justificando que está "muito concentrado naquilo que tem que fazer em Portugal".

"Há cinco anos, quando me disponibilizei a liderar o Partido Socialista, apresentei uma agenda para a década, e é nessa agenda que tenho estado focado e continuarei focado", garantiu António Costa, o qual, há menos de uma semana, foi vagamente apontado pelo TheFinancial Times, entre todos os nomes possíveis, como um dark horse, entre as apostas disponíveis, na corrida a um dos cargos de topo, em Bruxelas. Mais precisamente o de presidente do Conselho Europeu, atualmente liderado por Tusk.

"Obviamente o trabalho ao nível da União Europeia faz parte indispensável do desenvolvimento da nossa estratégia. É por isso que temos procurado manter uma posição muito ativa no seio da União Europeia", disse o primeiro-ministro, para quem a participação a nível europeu passa por um contributo com "propostas" ou pela "participação no Eurogrupo".

"Não passará seguramente por eu desempenhar qualquer função na União Europeia", vincou, garantindo que não será candidato, embora venha a ser "parte ativa na decisão de qual deva ser a equipa dirigente da União Europeia a seguir às eleições europeias".

Aplausos e beijinhos aos líderes

A cimeira de Sibiu constituiu um momento único. Não há memória de um encontro em que os chefes de Estado e de governo da União Europeia tenham sido recebidos com tantos aplausos por parte da população. Pode até parecer curioso, para os cidadãos de outros países, mas a chanceler alemã, Angela Merkel, foi a mais aplaudida. E até teve direito a beijinhos.

Também se destacaram os aplausos a Xavier Bettel, o primeiro-ministro do Luxemburgo. O país partilha com a Transilvânia um dialeto semelhante, desde que parte da população do Luxemburgo se estabeleceu naquela região, juntamente com saxões, neerlandeses da Flandres e da Holanda.

"Na Transilvânia, que foi fundada no século XII por esses colonos, chamados de "saxões da Transilvânia", algumas pessoas ainda falam uma língua muito próxima à semelhante à que é falada entre o rio Mosela e o Reno, portanto, muito próxima do luxemburguês". É o governo luxemburguês quem apresenta este esclarecimento em documentos oficiais.

"A Transilvânia foi anexada à Hungria durante vários séculos e, posteriormente, à Roménia após a Primeira Guerra Mundial. Uma minoria dos seus habitantes pode traçar as raízes até a Saxónia, e a região ainda é oficialmente bilingue."

Mais distante destes laços culturais, o polaco Donald Tusk também fez uma entrada em grande, acercando-se da população - fazendo lembrar as fugas ao protocolo que o Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, costuma fazer em visitas de Estado.

Donald Tusk foi distribuindo abraços, acenos e apertos de mão à população da cidade, que ia agitando bandeiras da Roménia e da União Europeia, antes de entrar para a sala onde presidiu a reunião histórica. A Roménia aderiu à União Europeia, juntamente com a Bulgária, a 1 de janeiro de 2007. Durante a conferência de imprensa, o ex-primeiro-ministro polaco exibiu umas luvas autografadas que lhe foram oferecidas pelo antigo guarda-redes do Steaua Bucareste Helmut Duckadam, campeão europeu de 1986.

Sibiu preparou-se a preceito

A cidade da Transilvânia preparou-se a preceito para acolher o acontecimento europeu. As ruas do centro de Sibiu (e não só) estão impecáveis. Há agentes da polícia por cada canto, e parecem ser até mais dos que os necessários quando se trata de verificar a identidade do pessoal acreditado, em diferentes postos de controlo, já dentro de um perímetro de segurança.

Na véspera, dezenas funcionários do município invadiram as ruas, munidos de enormes vassouras, e trataram de espalhar asseio pela cidade. A tarefa foi levada tão a sério, que na rua principal, pela qual caminharam os líderes no dia seguinte, um grupo de uma dezena de homens e mulheres quase chegaram a vias de facto, de vassoura alçada, enquanto, aparentemente, discutiam a estratégia mais eficaz para concluir o trabalho.

Este Dia da Europa, 9 de maio de 2019, vai, certamente, perdurar na memória da cidade por muitos anos. E talvez dos líderes europeus, mais acostumados a insultos e críticas, do que a aplausos e beijinhos.

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