Adversários políticos e o próprio Donald Trump reagiram como se o presidente sofrera uma derrota de grandes proporções com a decisão de o Supremo Tribunal em dar provimento ao pedido do procurador de Nova Iorque Cyrus Vance: a empresa de contabilidade de que Trump é cliente vai ter de transmitir as declarações de impostos dos últimos oitos anos..De certa forma foi uma derrota para o homem que se recandidata pelos republicanos, mas por outro lado a decisão não vai ter efeitos imediatos. A emissão de uma sentença formal e a transmissão dos documentos por parte da empresa Mazars USA devem demorar semanas, pelo que os resultados práticos antes das eleições serão diminutos ou nulos..Além disso, as declarações de impostos devem continuar longe do olhar da opinião pública, uma vez que o processo de Nova Iorque está abrangido pelas regras da confidencialidade..Aliás, John Roberts, o presidente do Supremo, nas alegações da sentença descreve que "no verão de 2018, o departamento do Ministério Público do condado de Nova Iorque abriu uma investigação sobre o que descreve opacamente como 'transações comerciais envolvendo múltiplos indivíduos cuja conduta pode ter violado a lei estadual'.".Os argumentos de Trump e os dos Supremo.Da leitura do acórdão conclui-se que a equipa legal de Donald Trump, secundada em parte pelo solicitador-geral (representante da administração junto do Supremo) utilizou três argumentos para impedir os objetivos da procuradoria nova-iorquina..A principal contestação do presidente é a de que o cumprimento das intimações estaduais iriam "forçosamente distrair o chefe do executivo dos seus deveres". Mas explicam os juízes que esse argumento "vai contra os 200 anos de precedentes que determinam que os presidentes estão sujeitos a processos judiciais"..O presidente alega em seguida que o estigma de ser intimado irá minar a sua liderança no país e no estrangeiro. "Ainda que uma reputação manchada fosse uma diminuição visível, não há nada intrinsecamente estigmatizante sobre um presidente que cumpra o dever normal do cidadão de fornecer informações relevantes a uma investigação criminal", lê-se..Por fim, o presidente e o solicitador-geral advertem que sujeitar os presidentes a intimações penais torna-os "alvo(s) facilmente identificável(eis)" de assédio". "Mas rejeitámos um argumento quase idêntico em Clinton, onde o então presidente Clinton argumentou que permitir a responsabilização civil por atos não oficiais "geraria um grande volume de assédio politicamente motivado e de litígios fúteis", recorda o órgão superior.."Há duzentos anos, um grande jurista do nosso tribunal determinou que nenhum cidadão, nem mesmo o presidente, está hierarquicamente acima do dever comum de apresentar elementos de prova quando é chamado num processo penal. Reafirmamos hoje esse princípio e afirmamos que o presidente não tem de forma alguma imunidade relativa a intimações penais do Estado com vista à obtenção dos seus documentos privados, nem tem direito a um nível mais elevado de proteção."."A 'proteção fornecida a este alto funcionário' reside onde sempre esteve - 'na conduta de um tribunal' aplicando princípios legais e constitucionais estabelecidos às intimações individuais de forma a preservar tanto a independência do executivo como a integridade do sistema de justiça penal", conclui a sentença..Promessa por cumprir.O homem de negócios nova-iorquino prometeu em 2016, enquanto candidato presidencial, mostrar os seus rendimentos, mas acabou por tornar-se no primeiro residente na Casa Branca, desde Richard Nixon, sem o fazer. E assim deverá continuar..Há quem argumente que Donald Trump não quer revelar as suas finanças porque, na realidade, não é o bilionário que alega ser. Mas mais do que o orgulho e a vaidade, argumentam vários autores, estaria o escrutínio dos seus negócios..Negócios como o da Fundação Trump, obrigada no ano passado a fechar portas e a indemnizar organizações de caridade por ter sido provado que o dinheiro obtido numa campanha de angariação de fundos para veteranos "foi utilizado para a campanha política de Trump e distribuído pelo pessoal de campanha, e não pela Fundação"..O que está em investigação.Como escreveu o juiz Jonh Roberts, as investigações levadas a cabo em Nova Iorque são descritas "opacamente". Porém, os meios de comunicação avançam com duas linhas de investigação..A primeira é relativa à campanha eleitoral de 2016 e resulta da investigação do procurador especial Robert Mueller ao então advogado pessoal de Trump, Michael Cohen..Os pagamentos realizados à estrela porno Stormy Daniels (130 mil dólares) por parte de Cohen e à modelo Karen McDougal (150 mil dólares) através da empresa de publicações tabloides American Media (cujo administrador é o amigo de longa data de Trump David Pecker), estão sob suspeita. Decorreram durante a campanha e podem ser considerados um crime porque tiveram como finalidade beneficiar um candidato, ao abafarem escândalos sexuais, tendo excedido a quantia de 2.700 dólares, o máximo previsto pela lei eleitoral para contribuições individuais..A investigação também se debruçou sobre se os registos fiscais arquivados junto do Estado foram falsificados e se alguma lei fiscal foi violada. Entre outras dúvidas, os procuradores do estado de Nova Iorque suspeitam que a fortuna herdada por Trump não foi devidamente declarada..Segundo uma investigação do New York Times publicada em 2018, Donald recebeu do pai Fred pelo menos 413 milhões de dólares ao valor desse ano..No entanto, dos únicos documentos tornados públicos sobre os seus negócios, também pelo NYT, sobre o IRS de Trump entre 1985 e 1994, os números mostram que Donald Trump perdeu dinheiro aos milhões todos os anos, totalizando 1,17 mil milhões de dólares em perdas durante essa década.."O Sr. Trump construiu uma empresa com o licenciamento do seu nome, tornou-se numa celebridade televisiva e candidatou-se à Casa Branca, dando a si próprio a marca de um bilionário feito por si próprio. 'Não há ninguém da minha idade que tenha conseguido mais', disse à Newsweek em 1987, acrescentando que o resultado final era 'o infeliz e óbvio: dinheiro'. No entanto, ao longo dos anos, a verdadeira extensão da sua riqueza tem sido objeto de muitas dúvidas e debates", interrogava o New York Times..Sabe-se agora que a sobrinha de Donald Trump, Mary, cujo livro a sair na terça-feira expõe uma família dominada por sociopatas, foi uma fonte nas investigações do jornal. Foi a própria quem revelou em Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man..O procurador do distrito de Manhattan Cyrus Vance Jr. disse que a sua investigação, em suspenso enquanto decorria a luta judicial, será agora retomada.."Esta é uma tremenda vitória para o sistema judicial da nossa nação e o seu princípio fundador de que ninguém - nem mesmo um presidente - está acima da lei", disse Vance..Há quem não tenha grande fé na capacidade do procurador. A autora do livro Hiding in Plain Sight, sobre a ascensão de Trump ao poder, recorda que em 2010, os filhos de Donald Ivanka e Donald Jr. iam ser acusados de fraude, mas que após uma reunião de Cyrus Vance com o então advogado de Trump Marc Kasowitz, as acusações caíram. Nada de mais, não se desse o caso de Kasowitz ter contribuído com mais de 50 mil dólares para a campanha do procurador (nos EUA os procuradores são eleitos)..Congresso perde, para já.No outro caso relativo ao acesso às declarações de impostos de Trump, que o Congresso exige aceder, o Supremo devolveu o caso aos tribunais inferiores, sem qualquer perspetiva sobre quando é que o caso poderá ser resolvido em última instância.."As intimações do Congresso para informação do presidente, contudo, implicam preocupações especiais em relação à separação de poderes. Os tribunais da instância inferior não tiveram devidamente em conta essas preocupações", escreveu o presidente do Supremo John Roberts no acórdão respetivo..Em abril de 2019, três comissões da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos emitiram quatro intimações a requerer informações sobre as finanças do presidente, dos seus filhos e das empresas filiadas. As intimações foram passadas em nome do Deutsche Bank e do Capital One "em busca de qualquer documento relacionado com a actividade contabilística, auditorias, transações estrangeiras, declarações de negócios, calendários de dívidas, declarações de património líquido, declarações fiscais, e actividades suspeitas" identificadas pelas entidades bancárias À empresa que faz a contabilidade do presidente, Mazars USA, também se solicitou informações relacionadas com o presidente e várias empresas..Donald Trump reagiu numa série de mensagens no Twitter, no qual se diz vítima de Barack Obama de Joe Biden.."Sobre os impostos de Trump, o Ministério Público ganhou, mas o Congresso perdeu (por agora), o que não faz sentido. O Congresso solicitou informações sobre branqueamento de capitais e financiamento e influência ilícita por parte de adversários estrangeiros. Como senadora, vi o perigo de permitir ângulos mortos à supervisão do Congresso nestas áreas", comentou a adversária de Trump nas eleições de 2016, Hillary Clinton.