"Só faltam os testes médicos para assinar." Esta é a frase mais usada antes de um jogador assinar por um novo clube. Mas que exames são esses? O que fazem ao certo? E porque se repetem ano após ano e sempre que a nova época começa?.Foi para dar resposta a estas questões que o DN, com a ajuda de Pedro Fonseca, um atleta amador, completou o circuito de exames e testes médicos que os futebolistas fazem por esta altura na Fisiogaspar, clínica a que vários clubes recorrem para fazer exames médicos. Este ano passou por lá o Sporting, por exemplo. É que, além do equipamento inovador, como o "monstro" que deteta lesões e mão-de-obra qualificada, incluindo fisioterapeutas que estiveram ao serviço da seleção nacional, a clínica fundada pelo fisioterapeuta António Gaspar é também muito procurada na área da recuperação. E neste campo destaca-se a EPI (vulgarmente chamada de máquina das agulhas) e a câmara hiperbárica - uma inovação em Portugal que utiliza oxigénio com pressão para recuperação dos atletas!.Mas já lá vamos... Primeiro há que avaliar a condição física de cada jogador ou atleta..Chamam-lhe testes médicos, mas a verdade é que a maior parte são testes físicos e estabelecem o real estado físico e muscular dos atletas em início de temporada e servem para fazer um levantamento dos fatores de risco de eventuais lesões..A bateria de exames começa com os testes do salto. E são três os tipos de salto que os jogadores fazem na companhia de um fisioterapeuta e um fisiologista, captados por um optómetro, que mede a altura do salto e como o atleta reage, analisando a passada durante a corrida. Estes foram os testes que o Sporting fez - análise do salto, análise da marcha e análise da corrida. Ou seja, explosão, salto e capacidade de reação. O jogador é filmado e tem um aparelho que capta sinais e transmite ao computador, que por sua vez analisa os dados recebidos..E para que não fiquem dúvidas: "Estes testes não servem para chumbar um atleta, servem para analisar e detetar algumas incongruências na marcha e corrida, por exemplo. O exame isocinético pode chumbar alguns atletas mas nunca por si só... É feito um relatório que é enviado ao departamento médico do clube com algumas indicações. Nós não chumbamos ninguém", disse ao DN Duarte Cabete, fisioterapeuta, acompanhado pela fisiologista Inês Rodrigues..O monstro que deteta lesões.Mas se ninguém chumba nos testes, o mesmo já não se pode dizer do dinamómetro isocinético. O nome assusta e a máquina também. Chamam-lhe o "monstro" e serve para medir determinados ângulos da força que é produzida pelos músculos. Uma máquina que meda a força dos extensores e refletores dos joelhos, por exemplo, e que dá uma estimativa de problemas. Ou seja, antecipa potenciais lesões....O sigilo profissional impede a Fisiogaspar de revelar os nomes de jogadores de primeira linha que não passaram na máquina, mas "foram alguns". A fiabilidade do aparelho é de tal ordem que nos Estados Unidos é usada em tribunal para determinar a percentagem de incapacidade, por exemplo. Em Portugal só há três (Fisiogaspar, Benfica Lab e Centro de Alto Rendimento do Jamor) e, apesar de ser mais usada para as pernas, também faz ombros e costas.."O início da época é a altura ideal para estabelecer uma base física do atleta para a temporada e para ajudar na otimização do treino, para criar planos específicos para cada atleta. No caso do futebol, varia de posição para posição, os avançados correm mais do que os defesas, por exemplo. É importante passar pelos testes, pois quanto mais ferramentas nós temos ao nosso dispor mais vezes vamos acertar e mais situações vamos detetar, e melhor as conseguimos evitar e tratar", defendeu Jorge Pimenta, médico fisiatra e diretor da clínica..As máquinas têm sempre razão e cada vez mais a tecnologia ajuda a quantificar e a comparar resultados para uma intervenção mais eficaz: "Os testes médicos que fazemos, para além dos testes físicos, centram-se muito na parte cardíaca, para excluir patologias cardíacas, a morte súbita ainda é um enigma e é aquilo que todos querem prevenir, avaliação nutricional depois de um tempo de paragem, menos atividade física, aumento de peso, músculos destreinados e tudo isso é visto e revisto. Depois, segue o relatório para o diretor clínico dos clubes com o maior sigilo e proteção. Recebemos atletas de todos os clubes e sem ligação a uma equipa em particular. Neste ano já recebemos o Sporting, no ano passado o Estoril e o Vitória de Setúbal.".A recuperação, a câmara hiperbárica e a máquina das agulhas.Se é importante detetar a propensão dos atletas para desenvolver lesões musculares, também o é ajudar a recuperar o mais rápido possível. E nesse campo, a clínica conta com duas preciosidades. A câmara hiperbárica e a máquina das agulhas..Quando entra na clínica, o jogador (ou outra pessoa comum) vai a uma consulta da especialidade e quando há necessidade ou recomendação recorre ao tratamento hiperbárico. O aspeto pode assustar e causar claustrofobia, mas é mais do que segura e tem janelas e alavancas de segurança que o paciente pode acionar quando quiser, mas o ideal é permanecer lá dentro entre 60 e 90 minutos. Durante esse tempo nunca fica sozinho, é sempre acompanhado por um enfermeiro e ligado a oxigénio.."A câmara simula um mergulho a quatro metros de profundidade, importante nos atletas de alta competição porque os ajuda a recuperar do esforço físico e na mais rápida recuperação de lesões. E isso é extremamente importante", disse ao DN a enfermeira Ana Martins, explicando que a mesma "tem efeito anti-inflamatório, redução do inchaço e efeito pró-cicatrizante.".Esta máquina foi mediatizada por Cristiano Ronaldo a partir do momento em que se soube que o craque tinha uma em casa e que esse era o segredo da sua boa forma física depois dos 30 anos e responsável por uma rápida e boa recuperação após os jogos. Além do português, também James Rodríguez (Bayern Munique) e o tenista Rafael Nadal são adeptos dos efeitos do tratamento hiperbárico. A seleção argentina recorreu a este tratamento antes do Mundial 2018. Todos os jogadores testaram a câmara hiperbárica para atenuar os efeitos de uma época desgastante, se bem que neste caso, desportivamente, a coisa não correu muito bem..Há ainda um outro procedimento inovador que permite à Fisiogaspar ter resultados de excelência na área da recuperação. A EPI, a máquina das agulhas, que funciona através da introdução de uma agulha no local exato da lesão com ajuda de um ecógrafo (máquina idêntica às usadas nas ecografias médicas usuais). No fundo é uma técnica ecoguiada, daí ser mais eficaz.."O facto de ser ecoguiada permite ser incisivo no local da lesão e em segundo lugar porque a corrente que é colocada no lugar da lesão pode provocar analgesia e também a remoção do tecido inflamatório, ajudando à regeneração do tecido. Não só recupera mais depressa como recupera melhor. Esta técnica tem de ser usada com sete a dez dias de intervalo, porque não deixa de ser uma técnica evasiva", lembrou o fisioterapeuta Luís Ribeiro, que fez parte da equipa médica da seleção nacional no Euro 2016..António Martins e os joelhos.Um dos testes médicos mais requisitados no início da época tem que ver com os joelhos. "Os joelhos são a articulação mais importante num jogador de futebol. Por norma na avaliação faz-se uma ressonância magnética aos dois joelhos e assim temos uma fotografia mais ou menos fiel dos joelhos", disse ao DN o médico António Martins..A lesão mais complicada e a mais incapacitante é a da cartilagem, acabando por levar o jogador a abandonar porque é degenerativa. Um dos exemplos mais conhecido é o de Pedro Mantorras (ex-Benfica). As outras lesões agudas, do ligamento cruzado, são situações que têm solução..António Martins já operou centenas de joelhos e dezenas deles de jogadores de futebol, alguns até protegidos por seguros milionários. As mãos nunca tremeram, mas pressão é coisa que existe sempre: "O segredo é olhar para o joelho e não ver a pessoa a quem pertence. Pensar que vou operar um joelho de milhões traz pressão, não posso pensar nisso sob pena de me condicionar. Para mim é um joelho que está ali, não o joelho de um jogador.".António Martins foi médico do Benfica durante anos e hoje "colabora quando é preciso". Os joelhos roubaram-lhe uma vida ligada aos tumores. Começou na ortopedia e gostava muito do deporto, daí à especialização em joelhos foi um pulo.