Demissão no SEF não chega. Oposição quer mais explicações do ministro
A demissão de Cristina Gatões da liderança do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é tardia e não chega. Um dia depois de ter exigido "mudanças estruturais" no SEF, sob pena de o próprio ministro da Administração Interna deixar de ter condições para continuar no cargo, o PSD considera que as medidas divulgadas nesta quarta-feira pelo ministério liderado por Eduardo Cabrita - a saída da atual diretora e uma prometida reformulação do SEF - são "insuficientes".
Para o deputado social-democrata Duarte Marques é "revoltante" que a diretora do SEF saia sem qualquer referência ao caso da morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, a 12 de março, quando "todos sabemos as razões da saída".
Três inspetores do SEF estão acusados pelo Ministério Público por homicídio qualificado. A Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), por seu lado, propôs processos disciplinares a mais nove inspetores que, "por ação ou omissão", contribuíram para a morte violenta do imigrante ucraniano no Centro de Instalação Temporária do SEF - em resultado do que a própria Cristina Gatões descreveu, em entrevista à RTP como uma "situação de tortura evidente".
"Há uma cultura de impunidade no governo, tudo aquilo que acontece nunca tem responsabilidades políticas", acusa o deputado social-democrata, defendendo que "é preciso que o primeiro-ministro ponha ordem na casa", num ministério onde o próprio ministro "já faz parte do problema". Sem apelar diretamente à saída de Eduardo Cabrita, o parlamentar do PSD diz ao DN não conhecer "boas razões" para que o ministro se mantenha no cargo - "se tivesse vergonha já se teria demitido".
Sobre a saída de Cristina Gatões - que, segundo o comunicado do Ministério da Administração Interna (MAI), ocorre a pedido da própria - e a sua substituição em regime de "suplência" por José Luís do Rosário Barão, até agora adjunto da responsável do SEF, Duarte Marques diz que se trata de uma solução de "continuidade".
Já quanto à notícia de que o governo teria a intenção de nomear a agora ex-diretora do SEF para oficial de ligação para a imigração em Londres (um cargo que será criado para apoiar a comunidade portuguesa no Reino Unido após o Brexit), Duarte Marques diz que, a concretizar-se, será uma contribuição para alimentar populismos e discursos contra os políticos: "É desse tipo de decisões que nascem os populismos."
"Resta saber se [a demisão] é uma verdadeira sanção ou se já foi preparada uma transição para outro lugar que seja quase um prémio", adverte também a Iniciativa Liberal, apontando uma demissão "tardia" e tomada "por pressão pública". E que não deve ser a única: para a IL é "notório" que o titular da Administração Interna "não tem condições para permanecer em funções".
Eduardo Cabrita foi chamado ao parlamento a requerimento de Joacine Katar Moreira, uma audição (a segunda sobre este caso) que não tem ainda data marcada, mas que a deputada independente quer ver "marcada o mais brevemente possível e antes mesmo da interrupção dos trabalhos pelo Natal e o Ano Novo" dada a "urgência de esclarecimento da situação que envolveu o homicídio de Ihor Homenyuk às mãos do Estado português".
Aprovada está também uma audição a Cristina Gatões, cuja demissão Joacine Katar Moreira diz ver "com naturalidade", um "sinal claro da gravidade de toda a situação que envolveu o homicídio de Ihor Homenyuk", sendo "também fruto da reação tardia e da procura tardia da verdade dos factos". Já quanto à reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a deputada diz não se pronunciar dado não conhecer a proposta em concreto, mas acrescenta que aquilo que é hoje conhecido abre portas à discussão sobre o próprio desmantelamento do SEF.
Também o PSD apresentou um requerimento para ouvir Eduardo Cabrita, que não chegou a ir a votos na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais dada a aprovação da iniciativa de Joacine. Mas Duarte Marques diz também que a audição ao ministro é para concretizar. No documento entregue pelos sociais-democratas, o PSD relembra que Eduardo Cabrita afirmou em audição parlamentar (realizada a 8 de abril) "que a direção do SEF tinha aberto 'de imediato, no dia seguinte, uma averiguação interna' à morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk [a 12 de março]". Mas "a data afirmada pelo ministro da Administração Interna é diferente da que é indicada no Relatório do Inquérito da Inspeção-Geral da Administração Interna", segundo o qual o SEF instaurou um inquérito disciplinar apenas a 30 de março - 17 dias depois - após ser noticiada a detenção, pela Polícia Judiciária, de três inspetores do SEF suspeitos de terem matado o imigrante ucraniano.
"O ministro não tem dado a informação necessária e mentiu ao parlamento", acusa o deputado social-democrata.
Pelo Bloco de Esquerda, Catarina Martins já tinha lamentado, na manhã de quarta-feira, que a morte de Ihor Homenyuk nas instalações do SEF do aeroporto de Lisboa não tenha tido qualquer consequência política, e que o Estado português não tenha tido uma palavra a dar à família do cidadão ucraniano.
Conhecida a demissão, Beatriz Gomes Dias, deputada do BE, diz que este gesto é "uma assunção de responsabilidades enquanto dirigente" do SEF, mas acrescenta que "há um conjunto vasto de informação que continua a não estar disponível e que é preciso que seja disponibilizado". É preciso saber o que aconteceu e como é possível que tenha acontecido, diz a parlamentar bloquista, no que deve ser o primeiro passo para uma "reestruturação profunda" do SEF e de todo o modelo de acolhimento de cidadãos estrangeiros em Portugal.
Sobre a audição de Eduardo Cabrita, Beatriz Gomes Dias diz que o ministro ainda deve muitas explicações, a começar pela "discrepância" entre a informação que deu ao Parlamento e a que consta do relatório da IGAI.
Pelo PCP, o deputado António Filipe diz que a demissão de Cristina Gatões era "inevitável" e "só peca por tardia" - "Foram pedidas responsabilidades a nível da direção intermédia do SEF, está demonstrado que deviam ter sido pedidas a nível superior."
Quanto à reestruturação anunciada, o parlamentar comunista sublinha que é preciso que seja feita "em termos que possam dar garantias de que aquilo que aconteceu não volta a acontecer". E isso passa por assegurar que haja um "escrutínio efetivo da correção dos procedimentos do SEF", a alcançar não só pela orgânica dos serviços, mas também pelo papel que possam vir a assumir entidades independentes como a Ordem dos Advogados, a Provedoria de Justiça ou mesmo a IGAI.
À direita, o CDS veio dizer que a demissão da diretora do SEF é "uma espécie de acionamento do botão de emergência pelo ministro". "O ministro, como não consegue resolver politicamente o problema, um problema tão grave como este, acionou o seu botão de emergência, que é - para não tirar responsabilidades pessoais - demitir a diretora", disse o centrista João Almeida, defendendo que é preciso que Eduardo Cabrita esclareça "tudo o que se passou neste caso".
"Está ainda na oportunidade", acrescentou o deputado do CDS, citado pela agência Lusa, lembrando que o ministro tem agendada uma audição no parlamento, e "esse será o momento para apurar se efetivamente o ministro tem ou não condições para continuar".
Já o PAN veio lamentar, pela voz da líder parlamentar, Inês Sousa Real, que a anunciada reestruturação "tenha ocorrido tanto tempo depois da morte de um cidadão ucraniano, um ato profundamente repudiável e lamentável". E que não deixa incólume o ministro da tutela: a continuidade de Eduardo Cabrita "deve ser repensada" - "Há de facto aqui um falhanço naquilo que é o seu dever de acautelar que não há violações grosseiras aos direitos humanos de adultos ou de crianças". "Se a instituição não funciona, a responsabilidade não deve ser apenas de quem está na sua direção, mas também política", sublinhou a dirigente do PAN.