Faixa de Gaza e Cisjordânia: sinas diferentes para as duas Palestinas

Noite de hostilidades com tiros de <em>rockets</em> lançados desde Gaza e a resposta israelita, que fazem temer o fim dos esforços para evitar um novo conflito. Enquanto isso, na Cisjordânia, a tensão continua a existir com o crescimento dos colonatos judaicos, mas a situação económica é chave para uma outra atitude.
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Nas décadas de 1980 ou 1990, uma morte palestiniana na Faixa de Gaza às mãos dos soldados israelitas era seguida de uma greve geral e protestos na Cisjordânia, a outra parte da Palestina. Ontem, três palestinianos (incluindo uma mulher grávida e a sua bebé de 18 meses) terão sido mortos na Faixa de Gaza nos ataques aéreos israelitas, em resposta aos tiros de rockets disparados pelos militantes do Hamas, mas na Cisjordânia a vida continuou como normalmente.

Na Cisjordânia, é o alargamento dos colonatos israelitas (ilegais à luz da lei internacional) que leva os palestinianos às ruas, com os protestos e os confrontos com o exército israelita a ocorrer normalmente após as orações de sexta-feira. Em especial em setores como Ramallah, Nablus ou Hebron.

Há uma década que a divisão geográfica entre os dois territórios, que se consolidou nos acordos de Oslo (1993 e 1995), se traduz também numa divisão política, com o Hamas de Ismail Hanieh a controlar a Faixa de Gaza e a Fatah de Mahmud Abbas a liderar a Autoridade Palestiniana e a Cisjordânia. E traduz-se, consequentemente, numa divisão económica, com a primeira a sofrer as consequências do bloqueio (por terra, ar e mar) imposto por Israel.

"Hoje, já não há quase contacto direto entre os palestinianos que vivem na Cisjordânia e os que vivem na Faixa de Gaza.A maior parte dos palestinianos da Cisjordânia nunca foram à Faixa de Gaza. Para eles, a Faixa de Gaza não é diferente da Síria, do Líbano ou do Iraque", escreveu o jornalista israelo-árabe Khaled Abu Toameh, no The Jerusalem Post, alegando que "os palestinianos parecem agora divididos em dois povos".

Uma questão de escala

A Faixa de Gaza é um território de 41 km de comprimento que no seu ponto mais estreito tem apenas 6 km de largura e no ponto mais largo não vai além dos 12 km, entre o mar Mediterrâneo e Israel, com o Egito a sul. Tem uma área de 362 km2, equivalente a Lisboa, Cascais e Loures, mas se nestes três concelhos portugueses vivem cerca de 920 mil habitantes (números de 2015), na Faixa de Gaza vivem quase dois milhões de pessoas, com uma das mais fortes densidades populacionais do mundo (cem mil habitantes por km2). Dois terços têm o estatuto de refugiados, sendo que muitos residem em oito campos criados pelas Nações Unidas.

Já a Cisjordânia, a maior parte da qual está sob controlo israelita ou controlo partilhado entre israelitas e palestinianos, tem 5655 km2 de área (maior do que o Algarve) e é casa de 2,88 milhões de pessoas. O rio Jordão delimita, a leste, a fronteira com a Jordânia, estando rodeada pelos outros lados por Israel.

Ocupados em 1967 por Israel (depois de terem estado desde 1948 sob controlo egípcio e jordano, respetivamente), ambos os territórios passaram para as mãos da Autoridade Palestiniana após os acordos de Oslo, em 1994, com zonas totalmente sob controlo palestiniano (2/3 da Faixa de Gaza e as principais cidades na Cisjordânia), outras sob controlo total israelita (os colonatos) e outras de controlo misto. A Cisjordânia inclui Jerusalém Oriental, ocupada desde 1967, que os palestinianos consideram a capital do Estado Palestiniano.

O balanço de forças mudou em 2005 na Faixa de Gaza, quando o desmantelamento dos colonatos e a saída do exército israelita deixaram este território totalmente nas mãos dos palestinianos.

A irrupção do Hamas

Em 2006, o movimento islamita radical Hamas (criado no final dos anos 1980) ganhou as eleições legislativas palestinianas, derrotando a Fatah de Yasser Arafat (falecido em 2004) e do presidente da Autoridades Palestiniana, Mahmud Abbas.

O Hamas defende o recurso à luta armada para conseguir alcançar os seus fins de criação de um Estado Palestiniano, com o reconhecimento das fronteiras de 1967, a libertação dos territórios ocupados e a destruição do Estado de Israel. Ismail Haniyeh, que atualmente é líder do gabinete político do Hamas (tendo substituído no final de 2017 Khaled Meshaal, que sempre viveu no exílio), foi convidado a formar governo após a vitória em 2006.

Mas nem Israel nem a comunidade internacional viam com bons olhos o papel do Hamas, que é considerado um grupo terrorista pelos EUA e pela União Europeia, tendo havido um corte nos apoios à Autoridade Palestiniana. A juntar-se a isso, as diferenças ideológicas entre os dois movimentos acabaram por gerar um conflito que culminou, em junho de 2007, na expulsão da Fatah da Faixa de Gaza, com o Hamas a assumir o controlo.

Economia a dois ritmos

Se na Cisjordânia ainda existe uma economia funcional, até com opções de trabalho em Israel, na Faixa de Gaza a economia está praticamente estancada, com a população alvo de um bloqueio imposto por Israel e dependente da ajuda humanitária. Isso significa que, quando as ajudas estão a entrar, a economia cresce (em 2016, quando 400 milhões de ajuda entraram, o PIB cresceu 8%). No ano passado, quando a ajuda foi de apenas 55 milhões, o crescimento ficou-se pelos 0,5%.

O Banco Mundial deixou, contudo, o alerta num relatório em março: apesar de o rendimento da Autoridade Palestiniana na Cisjordânia ter subido 22%, porque a recolha de impostos foi melhorada, o PIB só subiu 2,4%, o que de facto representa uma queda no PIB per capita devido ao aumento da população. E o desemprego continua nos 18%.

Ainda assim, muito melhor do que na Faixa de Gaza, em que o desemprego cresceu de 41,7% em 2016 para 43,6% no ano passado (economistas falam em 49,9% no primeiro trimestre de 2018), sendo de 61% entre os 15 e os 29 anos.

Para agravar a situação, a Autoridade Palestiniana (que emprega 80 mil palestinianos em Gaza) não pagou salários durante metade do ano. Em abril de 2017, Abbas cortou em 30% o salário de milhares de trabalhadores do governo nesse território, além de ter mandado um terço para a reforma antecipada.

Apesar das diferenças, o Egito tem servido de intermediário entre Fatah e Hamas e chegou a haver, em junho de 2014, um governo de unidade (que não resultaria). Já em outubro de 2017, foi assinado um acordo de reconciliação, que previa que os primeiros assumissem o controlo civil da Faixa de Gaza, em troca do aligeirar dessa pressão económica. Contudo, nunca foi implementado.

"Gaza foi para além do estágio de angústia económica comum, onde os protestos e a violência podem surgir como uma expressão de raiva política, de muito menos de esperanças e sonhos. Em vez disso, a violência converteu-se numa declaração de desespero e aborrecimento existencial", escreveu David Rosenberg, editor de economia do Haaretz. No artigo analisava o porquê de os habitantes da Cisjordânia manterem a calma quando a violência irrompia na Faixa de Gaza, por ocasião dos confrontos na fronteira, desde finais de março.

O conflito com Israel

Desde a vitória eleitoral do Hamas e consequente assumir do controlo na Faixa de Gaza que o conflito com Israel é constante, com os segundos a alegar que respondem aos ataques de rockets dos primeiros e os militantes islamitas a dizer que só estão a responder aos massacres perpetrados pelos israelitas. As Brigadas Al-Qassam, lideradas por Mohammed Deif (desde 1995 o homem mais procurado em Israel) e Marwan Issa, são a ala armada do Hamas.

Houve pelo menos dois períodos de guerra aberta. Três semanas entre 2008 e 2009, em que se estimam que tenham morrido cerca de 1400 pessoas (13 das quais israelitas), e sete semanas em 2014, após o rapto e assassínio de três adolescentes israelitas por membros do Hamas, durante as quais morreram cerca de 2300 palestinianos (70% civis) e 70 israelitas (cinco deles civis).

Já neste ano, a partir de finais de março e ao longo de várias semanas, os palestinianos começaram uma campanha de ataques junto à fronteira com Israel, exigindo que os refugiados e descendentes sejam autorizados a regressar ao território que é atualmente Israel. Os confrontos, que resultaram em pelo menos 155 mortos, coincidiram com a inauguração da nova Embaixada dos EUA em Jerusalém, transferida de Telavive.

Apesar do conflito entre Hamas e Israel, tem havido negociações com o apoio das Nações Unidas e através de mediadores egípcios para tentar evitar uma nova guerra. O Hamas exige o levantamento do bloqueio fronteiriço que tem devastado a economia da Faixa de Gaza, enquanto Israel quer o fim dos disparos de rockets, dos protestos na fronteira e do lançamento de balões incendiários. Quer ainda o regresso a casa dos corpos de dois soldados israelitas e de dois outros reféns que acredita estarem nas mãos dos islamitas.

Os acontecimentos recentes ameaçam pôr em causa o diálogo.

O que está a acontecer agora?

Na terça-feira, os israelitas atingiram um posto militar do Hamas em Gaza (matando dois militantes das brigadas Al-Qassam), alegando que o grupo tinha disparado contra as suas tropas na fronteira. O grupo islamita indicou que estaria a fazer exercícios com fogo real.

Na noite de quarta-feira para quinta-feira, o Hamas disparou 180 rockets e morteiros em direção a Sderot e outras cidades no sul de Israel, onde soaram as sirenes e entrou em funcionamento o sistema de defesa. A Cúpula de Ferro terá intercetado mais de 30, com a maioria a cair em campo aberto, mas houve outros que atingiram casas, carros ou empresas. A resposta israelita não se fez esperar, com mais de 150 ataques aéreos contra "alvos militares e estratégicos" na Faixa de Gaza.

Do lado israelita, houve pelo menos sete feridos, enquanto os ataques israelitas, além de um militante do Hamas, provocaram a morte de Enas Khamash, uma mulher de 23 anos no nono mês de gravidez, e da filha Bayan, de 18 meses. O pai estará em estado grave.

Apesar dos anúncios de cessar-fogo por parte dos grupos armados palestinianos, que disseram considerar o episódio "terminado", após algumas horas de acalmia a queda de um rocket do lado israelita, a 40 km da fronteira, desencadeou novo ataque por parte de Israel.

Um edifício de cinco andares em Gaza, que os israelitas diziam albergar a sede dos serviços de segurança do Hamas mas os palestinianos dizem ser um centro cultural, foi completamente arrasado. Há registo de pelo menos 18 feridos.

Entretanto, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reuniu o gabinete de segurança, em Telavive, ordenando "a continuação de uma ação forte contra os elementos terroristas".

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