"Nunca voltes ao lugar onde foste feliz." Esta é uma expressão que se diz vezes sem conta e que o treinador Jorge Jesus tem vindo, por certo, a ouvir de forma recorrente nos últimos dias, quando se fala no seu regresso ao Benfica, clube de onde saiu no final da época 2014-15, depois de seis temporadas em que se tornou no técnico com mais títulos conquistados na história do clube. Mas a verdade é que esta é uma expressão que não assenta bem ao clube da Luz, afinal são poucos os que não conquistaram títulos na segunda vida de águia ao peito..O atual técnico do Flamengo é a opção número um do presidente Luís Filipe Vieira para assumir o comando da equipa na próxima época e, nesse contexto, os próximos dias serão decisivos para concretizar essa possível contratação. O clube do Rio de Janeiro tem no contrato com o técnico de 65 anos uma cláusula que lhe permite sair para determinados clubes a troco de um milhão de euros, sendo que o Benfica é um desses emblemas. Ainda assim, a deixar o Flamengo, Jesus pretende que tudo seja feito de forma amigável e é por isso que as partes devem sentar-se à mesma mesa nos próximos dias..Se regressar ao cargo de treinador principal do Benfica, Jorge Jesus será o décimo treinador a fazê-lo na história do clube. E a história prova que não faz muito sentido utilizar a frase de cariz popular lá para os lados da Luz. Isto porque dos anteriores nove treinadores, apenas três não foram felizes. Foram eles os húngaros Lippo Hertzka e Béla Guttmann e o espanhol José Antonio Camacho, que não conquistaram qualquer troféu na segunda passagem pelo Benfica..Hertzka travado pelos leões.Lippo Hertzka, teve um início de carreira fulgurante à frente da equipa do Benfica na época de 1935-36, quando perdeu apenas um jogo no primeiro de três títulos de campeão nacional consecutivos, naquele que foi o primeiro tricampeonato das águias..Na quarta época não conquistou qualquer troféu e abandonou o clube, tendo depois representado vários emblemas portugueses, entre os quais o Belenenses e o FC Porto, até que em 1947 foi convidado a regressar ao Benfica para tentar acabar com um jejum de duas épocas sem ser campeão..Só que essa temporada foi um fracasso, pois os encarnados acabaram por perder o campeonato para o Sporting, apesar das duas equipas terem terminado com os mesmos pontos. Foi também perante os leões que acabaram eliminados da Taça de Portugal nas meias-finais..Guttmann traído pela própria maldição.O caso mais emblemático de regressos malsucedidos é o de Béla Guttmann, que foi contratado no verão de 1959, depois de ter sido campeão pelo FC Porto. O "Feiticeiro", como lhe chamavam, arrancou para as três melhores épocas da história do Benfica, com a conquista das duas Taças dos Campeões Europeus, às quais juntou dois campeonatos nacionais e uma Taça de Portugal..Guttmann é responsável pelo nascimento do Benfica europeu, que marcou toda a década de 1960, tendo deixado a Luz no final da época de 1961-62. Regressou à América do Sul para orientar o Peñarol e foi selecionador da Áustria, até que volvidos três anos e depois e duas finais da Taça dos Campeões perdidas, o presidente da direção António Catarino Duarte fez regressar o treinador húngaro para acabar com uma maldição que o próprio Guttmann terá lançado quando deixou a Luz, segundo a qual o Benfica não voltaria a ser campeão europeu..Em 1965-66, o húngaro pegou na equipa mas a estrela da sorte já o tinha deixado, acabando a época em segundo lugar no campeonato, depois de ter caído na Europa perante o Manchester United no quartos-de-final..Camacho falha ao render Santos.O último treinador sem sucesso no regresso foi o espanhol José Antonio Camacho, que foi um treinador muito importante na recuperação do clube pós-Vale e Azevedo..Chegou à Luz com a época 2002-03 a decorrer, depois do despedimento de Jesualdo Ferreira, e começou a construir as bases para o fim do jejum encarnado. Na segunda temporada, conquistou uma Taça de Portugal, batendo na final o FC Porto, que dias depois venceria a Liga dos Campeões. Acabou por seguir para o Real Madrid para orientar uma equipa de galácticos, mas deixou uma ótima impressão..Foi a ele que o presidente Luís Filipe Vieira recorreu quando após o primeiro jogo da época 2007-08 despediu Fernando Santos, após um empate com o Leixões. Camacho regressou, mas acabou por não ter o sucesso que o presidente esperava, acabando por se demitir em março, sem glória..Otto Glória, um caso de duplo sucesso.O caso que mais se pode assemelhar com Jorge Jesus será o de Otto Glória, treinador brasileiro que foi contratado em 1954 para revolucionar e profissionalizar o futebol do Benfica. Tal como aconteceu com Jesus em 2009..O impacto foi imediato. Com fama de disciplinador e de ser bastante rigoroso, o técnico partiu para cinco épocas recheadas de sucessos, com dois títulos de campeão nacional e três Taças de Portugal, embora na última não se tenha sentado no banco a orientar a equipa, porque já sabia que seria substituído por Béla Guttmann..Deixou o Benfica em 1959 e o técnico húngaro acabou por colher frutos do trabalho que o brasileiro deixara..Otto Glória rumou depois ao Belenenses, passou por Sporting e Marselha, regressou ao Brasil para orientar o Vasco da Gama, treinou o FC Porto, a seleção nacional e o Atlético de Madrid, até que em 1967 é chamado de volta à Luz para render Fernando Riera, que entretanto se demitira por causa dos salários em atraso aos jogadores..O brasileiro chegou, viu e nessa época de regresso conquistou o campeonato nacional e conduziu a equipa à final da Taça dos Campeões, perdida em Wembley, para o Manchester United. Na época seguinte (1968-69), conquistou a dobradinha (campeonato e taça), dando-se a rotura em fevereiro de 1970, quando foi demitido após uma derrota caseira com a CUF..Riera, duas épocas dois títulos.Fernando Riera era selecionador do Chile no Mundial de 1962 quando foi contratado pelo Benfica para a época 1962-63. Tinha a missão de dar continuidade aos dois títulos europeus conquistados pelos encarnados, mas ficou ligado à primeira final perdida - com o AC Milan em Wembley -, além disso foi derrotado pelo Santos de Pelé na Taça intercontinental, terminando a época "apenas" com o título de campeão nacional..Acabaria por deixar a Luz, regressando à América do Sul, onde orientou Universidad Católica e Nacional de Montevideu. Riera era um homem bastante culto, que tinha deixado uma ótima imagem sobretudo perante os jogadores, pelo que acabaria por regressar em 1966-67 para voltar a conquistar o campeonato, tendo no entanto abandonado o clube em novembro de 1967, em litígio com os dirigentes, por causa dos salários em atraso aos jogadores..Mário Wilson vezes cinco.Mário Wilson foi o treinador que mais vezes regressou ao cargo de treinador principal do Benfica. Foram cinco passagens, embora as duas últimas como técnico interino..Em 1975-76 foi o escolhido para assumir a equipa e acabaria por conquistar o título numa luta palmo a palmo com o Boavista do seu arquirrival José Maria Pedroto. Voltaria à Luz em 1979-80, mas sairia apenas com uma Taça de Portugal, tendo ficado em terceiro lugar no campeonato..Em 1995, aquele a quem chamavam de Velho Capitão vestiu a pele de bombeiro e assumiu o cargo em setembro, num momento difícil do Benfica, que despedira Artur Jorge devido aos maus resultados. A época terminou com a conquista da Taça de Portugal frente ao Sporting, troféu que havia de ser o último durante 11 anos de jejum do Benfica..Mortimore, melhor na segunda passagem.O inglês John Mortimore teve uma primeira passagem de três temporadas pelo Benfica iniciada em 1976-77, período durante o qual apenas conquistou um título de campeão nacional..Acabou por sair sem glória da Luz em 1979, para regressar em 1985 para duas temporadas de sucesso absoluto. É certo que a equipa não deslumbrava, mas no primeiro ano juntou a Supertaça à Taça de Portugal, enquanto no segundo festejou a dobradinha..Eriksson, treinador da última final de Champions.Tinha apenas 32 anos quando o presidente Fernando Martins o contratou. Tinha no currículo a conquista da Taça UEFA no comando do Gotemburgo e assim que começou a trabalhar na Luz os jogadores ficaram rendidos..A época de 1982-83 foi fantástica para o Benfica, que venceu campeonato e Taça de Portugal, tendo apenas perdido a final da Taça UEFA frente aos belgas do Anderlecht, após uma excelente campanha, na qual eliminou a então poderosa AS Roma. Na segunda época, voltou a ser campeão nacional. Contudo, o destino estava traçado: de Itália, que então era o El Dorado do futebol, chegavam propostas, acabando por rumar à Roma..Orientaria ainda a Fiorentina, antes de regressar à Luz em 1989 seduzido pelo projeto europeu do presidente João Santos. Na primeira época venceu a Supertaça e chegou à final da Taça dos Campeões - a última disputada pelo Benfica até ao momento -, que acabou por perder para o AC Milan do trio holandês Rijkaard, Gullit e Van Basten. No segundo ano, conquistou o seu terceiro título de campeão português, tendo acabado por abandonar a Luz em 1992, após uma época sem títulos..Toni, de eterno adjunto para o sucesso.Caso especial é o de Toni, figura incontornável da história do Benfica, que pode duas vezes saltou do cargo de eterno adjunto para o sucesso..A primeira oportunidade como técnico principal foi-lhe dada no final de novembro de 1987 para substituir o dinamarquêsEbbe Skovdahl, arrancando para uma primeira temporada sem títulos, mas com uma final da Taça dos Campeões, perdida para o PSV Eindhoven no desempate por penáltis..Na época seguinte, a história foi outra, pois levou o Benfica à conquista do título, após o qual voltou à condição de adjunto, depois de convencido pelo seu amigo Eriksson, que estava de regresso..Em 1992, a história repetiu-se. O croata Tomislav Ivic no final de outubro e Toni voltou a ser promovido de principal para adjunto. A época de 1992-93 foi de grandes problemas na Luz, com salários em atraso aos jogadores, mas o Benfica acabou por erguer a Taça de Portugal. No ano seguinte, juntou os cacos após as saídas de Paulo Sousa e Pacheco para o Sporting e voltou a ser campeão, tendo ficado famosos os 6-3 em Alvalade que embalou a equipa para o título. Uma conquista que não chegou para se manter no clube, acabando por sair para dar lugar a Artur Jorge..Toni havia de voltar ao clube numa situação bem mais complicada, quando em 2001-02 rendeu José Mourinho nos primeiros meses de Manuel Vilarinho como treinador. O Benfica passava por muitas dificuldades, mas Toni aguentou firme e ainda iniciou a época 2001-02, mas após nove vitórias em 19 jogos, deixou a Luz para não mais voltar..Na história do Benfica há ainda três casos de treinadores que tiveram duas passagens como treinadores interinos - José Valdivieso, Fernando Cabrita e Fernando Chalana - que por essa razão não são contabilizados.