Cereais: Kiev diz que precisa de seis meses para limpar minas dos portos
O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, chegou a Ancara para negociar com a Turquia a criação de corredores marítimos que permitam a exportação dos cereais ucranianos que estão bloqueados nos portos. Contudo, mesmo se houver um acordo, Kiev avisa que são precisos seis meses para retirar as milhares de minas que flutuam no porto de Odessa e noutros locais do Mar Negro. Em terra, a Rússia alega já ter "libertado totalmente" as zonas residenciais de Severodonetsk, no leste da Ucrânia, com notícias de que haverá 800 civis nos abrigos da fábrica Azot. As autoridades rejeitam comparações com a siderurgia de Azovstal, em Mariupol.
As Nações Unidas pediram à Turquia para ajudar a escoltar os navios com os cereais ucranianos, apesar da presença de minas nessas áreas, com Ancara a dizer que teria um desconto de 25% na sua compra como sinal de agradecimento. Mas Kiev diz que, apesar de apreciar os esforços turcos, ainda não há de momento acordo, tendo também acusado Moscovo de estar a roubar os cereais ucranianos.
A Rússia disse que dois dos maiores portos no Mar de Azov que estão sob o seu controlo (Mariupol e Berdyansk) estão preparados para iniciar a exportação de cereais, mas o Kremlin diz que Kiev precisa de proceder à desminagem das águas. "Isto irá permitir que os navios, depois de serem verificados pelos nossos militares para garantir que não transportam armas, entrem nos portos, carreguem os cereais e, com a nossa ajuda, prossigam até águas internacionais", disse o porta-voz, Dmitry Peskov.
A Ucrânia era, antes da guerra, o quarto maior exportador de cereais do mundo, com o conflito a provocar escassez e aumento dos preços. 90% das exportações eram feitas através de navios, pelo Mar Negro. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que há 25 milhões de toneladas de cereais bloqueados e que a situação irá piorar no outono, quando forem 75 milhões de toneladas.
Segundo o vice-ministro para a política agrícola ucraniano, Taras Vysotskyi, a Ucrânia só tem atualmente capacidade de exportar dois milhões de toneladas por mês - antes da guerra exportava seis milhões por mês. O mesmo responsável disse que serão precisos seis meses para proceder à desminagem dos portos. Em declarações ao The Guardian, o vice-ministro da Economia ucraniano, Taras Kachka, defendeu por isso mais pontos de entrada dos cereais na União Europeia, incluindo mais armazéns junto à fronteira e mais linhas de caminho-de-ferro para proceder à exportação (as linhas da Ucrânia e da Polónia são diferentes, pelo que os cereais precisam de mudar de comboios na fronteira).
Na segunda-feira, nas Nações Unidas, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, acusou a Rússia de ser a responsável pela atual crise alimentar mundial, levando o embaixador russo, Vasily Nebenzya, a sair da sala. "A Rússia é a única responsável por esta situação, apesar da sua campanha de mentiras e desinformação. Só a Rússia", frisou Michel.
No Leste da Ucrânia, Moscovo concentra esforços na zona industrial de Severodonetsk, após ter "libertado" as zonas residenciais. O advogado do empresário Dmytro Firtash confirmou que há 800 civis refugiados numa das suas fábricas de químicos, a Azot. Entre eles há 200 dos 3000 funcionários que ficaram para "garantir a segurança e guardar profissionalmente o melhor possível o que resta dos químicos altamente explosivos", segundo a nota do advogado norte-americano Lanny J. David, publicada no site da empresa.
No início do mês, o governador de Lugansk, Serhiy Haidai, tinha contudo rejeitado a hipótese de a situação se tornar numa "segunda Azovstal". A siderurgia de Mariupol tornou-se sinal da resistência ucraniana, mas no seu complexo sistema de túneis não estavam apenas civis, mas também combatentes do regimento de Azov.
susana.f.salvador@dn.pt