"Os calos nas mãos são as minhas medalhas invisíveis"
Fernando Pimenta não para de ganhar. Ambicioso e teimoso como só ele sabe, supera-se a cada evento. Seja Taça do Mundo, como aconteceu na semana passada com quatro medalhas (três de ouro e uma de bronze) seja em Europeus, Mundiais ou Jogos Olímpicos, o canoísta português do Benfica ganha mais de 50% das provas em que participa. Já tem pelo menos 75 medalhas de ouro na carreira.
No espaço de uma semana participou em duas Taças do Mundo e ganhou quatro medalhas (três de ouro e uma de bronze). O Fernando só sabe ganhar medalhas?
Nesta última semana participámos em duas taças do mundo, onde venci duas medalhas de ouro e na semana a seguir um ouro e um bronze e ainda um quarto lugar, por isso está provado que não ganho sempre [risos]. Nem sempre é possível ganhar, há alturas em que não estamos tão bem, podemos estar mais cansados e não estar bem preparados. E depois é preciso não esquecer que há os adversários que também se preparam bem e querem ganhar. Tenho tido a possibilidade de ganhar a maioria das competições em que participo e isso é fruto do trabalho que eu e a minha equipa temos feito. Agora é tentar manter esta boa performance.
Quantas medalhas já são?
São 86 a nível internacional e quase outras tantas a nível nacional...
E de ouro são...
Uma boa pergunta. Pelo menos 75... 13 em taças do mundo, sete em europeus, três em mundiais e 52 em campeonato nacionais e mais algumas em taças de Portugal...
O ouro é o seu metal preferido...
É o metal preferido de todos os atletas. Todos querem estar na luta por um pódio e depois gostam de subir ao lugar mais alto e receber o ouro, é a medalha mais apetecida.
Falta-lhe ainda o ouro olímpico...
Essa é a medalha que todos os atletas sonham conquistar um dia. Primeiro sonham lá estar, depois em conquistar uma medalha, eu já consegui isso [prata, em Londres 2012], agora falta o ouro. Quando se consegue uma medalha nos Jogos e os resultados que eu tenho conseguido nas outras provas, só posso sonhar com isso e trabalhar para viver essa emoção um dia.
O que faz às medalhas?
Guardo-as em casa dos meus pais. A maioria está na sala de estar, em cima de uma cómoda, quase empilhadas umas em cima das outras...
Quanto valem as medalhas, sabe?
Muito e nada, são um pedaço de metal, nem banhadas a ouro, prata e bronze são. São pintadas. Se fossem mesmo de bronze, prata e ouro, tinha uma boa reforma.
O que sente quando corta a meta em primeiro lugar?
É um misto de sensações. Primeiro de realização, de conseguir o que nos tínhamos proposto conquistar, depois o flash de tudo o que tivemos de fazer para chegar ali, sem esquecer tudo o que correu mal, o que superámos para viver aquele momento de glória. Esses momentos menos bons não se esquecem e são muito importantes porque de alguma forma fortalecem-nos, mostram que foi um resultado que nos deu muita luta.
Ouvi dizer que é ambicioso. Até onde vai a ambição de Fernando Pimenta?
A minha ambição é ser o melhor atleta português de sempre ou um dos melhores. Esse é um dos meus objetivos. E depois conquistar os melhores resultados possíveis, de preferência pódios e ouros, para Portugal e para o meu clube, o Benfica.
A canoagem é um desporto em que vale mais o talento ou a disciplina? E o Fernando Pimenta é talentoso ou disciplinado?
Acho que ambos. É preciso ter algum talento, mas nem só de talento nasce um atleta. Há alguns que têm muito talento, mas falta-lhes rigor, ambição e disciplina e acabam por se perder ou não conseguir os resultados que podiam alcançar. A disciplina é muito importante porque é preciso manter o foco, cumprir as regras da alta-competição. No meu caso é um misto das duas coisas, talento e disciplina.
A modalidade exige muita força de braços. Tem noção de que o seu braço é maior do que as pernas de muito boa gente...
[Gargalhada] Muita gente diz isso. Mas esse é também um dos mitos da canoagem. Nós exercemos força com praticamente todo o corpo, desde os pés até quase ao pescoço. As pernas têm uma componente muito importante para a nossa performance, assim como o tronco, mas os braços são os que mais se realçam por serem os que mais tempo estão em movimento e em esforço máximo. Depois é preciso contar com a cabeça e a força mental para aguentar a carga de treinos, as lesões, os momentos menos bons. Tudo junto ajuda ao alto rendimento.
Tem calos? O que significam para si os calos que tem nas mãos?
Muitos, mesmo muitos. Significam o nosso trabalho, o meu e o da minha equipa. São as medalhas invisíveis, aquelas que o povo não vê, mas que eu sinto como fruto do trabalho. Os calos são uma forma que as minhas mãos encontraram para se defenderem da pagaia, que constantemente me cria bolhas. É natural num atleta da canoagem e uma forma de defesa das mãos. No início da época é pior, sofremos um pouco mais, as mãos relaxam nas férias, mas os calos não desaparecem totalmente, depois há que criar outros. Por vezes alguns são arrancados com o movimento da pagaia, e causa um momento de dor, mas temos de aguentar. Durante a época os treinos são desgastantes em termos físicos e psicológicos e acaba por ser um pouco de sangue, suor e lágrimas...
É o mais galardoado da canoagem portuguesa e talvez o mais medalhado de sempre...
O nosso objetivo -meu e da minha equipa - é deixar o nosso nome no desporto português. Sei que sou responsável por uma bonita parte da história da canoagem e do desporto português. Se não for possível ser o melhor atleta português de sempre, pelo menos um dos melhores. Na canoagem acho que já consigo ter esse estatuto, embora não deva ser eu a reconhecer isso, mas quem se dedica a isso. A mim cabe-me continuar a ganhar por Portugal e pelo Benfica.
Assinar pelo Benfica deu-lhe a dimensão nacional de que precisava e merecia?
No ano passado tive de tomar uma das decisões mais difíceis da minha vida, tive de deixar o clube que já representava há 17 anos, onde cresci, fui criado e me fiz atleta, onde aprendi quase tudo o que sei hoje na canoagem. Estava no momento de dar esse passo. Claro que quando falamos do Benfica, um clube eclético que prima pela qualidade, não dá para dizer que não. Era o salto que eu podia e tinha de dar. Já era benfiquista e isso ajudou a que a decisão fosse menos difícil. Estava e estou muito bem em Ponte de Lima, não deixei de ser limiano, continuo a viver em Ponte de Lima, mas represento o Benfica. Continuo a levar a bandeira de Ponte de Lima para todas as provas.
Como começou na canoagem?
Comecei na natação aos 4 anos, depois andei na modalidade até aos 12, altura em que deixei e dediquei-me só à canoagem e foi uma decisão acertada. Tudo começou numas férias desportivas de verão, em 2001, quando tinha 11 anos - inscrevi-me num clube em Ponte de Lima e tive o meu primeiro contacto com um caiaque. Foram dois meses espetaculares. Diverti-me e passei a ocupar o meu tempo livre com a canoagem e nunca mais quis largar a pagaia [remo] e o caiaque [canoa]. Fui começando a crescer aos poucos e fui conseguindo alguns resultados... até hoje.
E quando percebeu que era isto que queria para a sua vida?
Acho que não houve um momento específico. Julgo que nunca temos essa noção exata, vai acontecendo aos poucos. Os resultados vão-nos encaminhando e felizmente a mim encaminharam-me para uma vida na canoagem.
Teve o apoio da família ou nem por isso?
Tal como eu, os meus pais foram-se apercebendo de que além de algum jeito havia talento e vontade da minha parte em fazer da canoagem profissão. Eles foram percebendo que eu podia chegar longe, mas sempre me exigiram que estudasse. Nunca me deixaram descurar a escola e só na faculdade abdiquei do curso para me dedicar a 100% ao desporto de alto rendimento. Mas quando vir que o meu rendimento está a diminuir volto à faculdade para acabar um curso ligado ao desporto, faz todo o sentido ficar associado ao desporto.
Dá para viver da canoagem?
Dá para sobreviver. Não dá para ficar rico à conta da canoagem, mas dá para ir vivendo, competindo e para amealhar algum para o futuro, mas há uma disparidade muito grande para outras modalidades. Nas competições nacionais, por exemplo, a federação não tem possibilidade de oferecer prémios quando somos campeões nacionais, só quando se conseguem mínimos olímpicos se recebe.
Podemos olhar para si como o CR7 da canoagem ou o Ronaldo é que é o Fernando Pimenta do futebol?
Somos dois atletas de modalidades diferentes. O Cristiano Ronaldo é o Cristiano Ronaldo e ponto final, para mim o melhor jogador do mundo. O Fernando Pimenta é o campeão do mundo de canoagem. Queremos os dois o mesmo, conquistar bons resultados, escrever o nosso nome no livro do desporto português. Claro que há quem me chame o Cristiano Ronaldo da canoagem, mas é mais a brincar.
Calculo que o próximo grande objetivo sejam os Jogos Olímpicos. Como vai ser daqui até Tóquio 2020?
Antes dos Jogos há um campeonato do mundo em agosto para vencer e conseguir mínimos olímpicos. As vagas são poucas. Na minha categoria só os cinco primeiros se apuram para Tóquio 2020, tenho de ficar nos cinco primeiros para me apurar senão depois tenho de esperar por 2020 por mais algumas vagas. O objetivo é o apuramento e só depois posso pensar em medalhas.
Sente-se o homem a abater nas provas?
Por vezes. No último ano fui o mais regular em pódios e isso dá algum estatuto, mas em cada prova tenho de mostrar que sou o mais forte. Eu sou campeão do mundo, mas se o quiser ser de novo tenho de fazer por isso. Se quiser ser o melhor tenho de voltar a prová-lo uma e outra vez. Na linha de partida temos todos as mesmas hipóteses.