Caiu o pano sobre aquele que já é considerado o melhor Campeonato do Mundo feminino de sempre. Os Estados Unidos conquistaram o título pela quarta vez em oito edições, depois de uma final com a Holanda, atual campeã da Europa. Mas o que mais importante fica deste torneio realizado em França é uma espécie de ponto de viragem para a afirmação definitiva das mulheres no futebol.."Há um antes e um depois do Mundial 2019", afirmou Gianni Infantino, presidente da FIFA, numa conferência de imprensa de balanço da competição, orgulhoso porque desta vez os jogos chegaram a mais gente, quer através das transmissões televisivas quer pela presença das pessoas nos estádios franceses. "Muita gente assistiu pela primeira vez a jogos de futebol feminino", garantiu o dirigente do organismo que tutela a modalidade a nível mundial..Na realidade, as audiências televisivas surpreenderam um pouco por todo o mundo. Ainda não foram anunciados números globais, mas a verdade é que na Alemanha os dois primeiros jogos da seleção alemã atingiram números nunca antes vistos, com seis milhões de pessoas a assistir ao jogo frente à Espanha e quase quatro milhões e meio a estar em frente à televisão na partida com a China..No Reino Unido, o Inglaterra-Escócia a contar para a fase de grupos teve 4,6 milhões de pessoas a assistir através da BBC, o que equivale a dizer que nunca um jogo de futebol feminino foi tão visto por aquelas paragens. Aliás, de acordo com uma notícia do jornal The Guardian, essa partida foi mais vista do que os jogos da seleção inglesa de críquete no Campeonato do Mundo realizado no Reino Unido, cuja média de audiências foi de 550 mil espectadores, embora esta competição tenha passado em canal pago..Ainda assim, trata-se de um enorme sinal do impacto do futebol feminino, uma vez que o críquete é um dos desportos mais populares entre os britânicos, tendo no início do século atingido picos de audiência de oito milhões de espectadores, quando os jogos eram transmitidos em canal aberto..O impacto do Mundial feminino em Portugal foi um pouco diferente do que se sentiu um pouco por toda a Europa, afinal a RTP, detentora dos direitos de transmissão, preferiu não passar a grande maioria dos jogos nos seus canais, colocando-os em streaming online na RTP Play. Apenas transmitiu cinco partidas (abertura, meias-finais, 3.º lugar e final) em direto na RTP2. Contudo, a ausência da seleção portuguesa explica em larga medida um eventual desinteresse em relação a esta competição..Mas também nos estádios se registou uma grande afluência de pessoas, tendo a FIFA anunciado antes do início do Mundial que 14 dos 52 jogos tinham os bilhetes esgotados, embora tenha vindo depois assumir que nesse lote de ingressos estariam também um determinado número, não especificado, de convites..Entre os jogos com lotação esgotada estiveram os dos Estados Unidos e os da seleção organizadora, a França, mas também as duas partidas das meias-finais e a final que se realizou neste domingo em Lyon. No total, a FIFA anunciou que foram vendidos mais de um milhão de ingressos para os jogos, mas só quando o número exato for conhecido se poderá perceber se foi ultrapassado o recorde estabelecido em 2015 no Canadá, quando se atingiram os 1,353 milhões de bilhetes vendidos..A luta pela igualdade de género.Este Mundial foi também importante para a luta das mulheres pela igualdade de género. É que houve uma série de posições que tiveram impacto, desde logo quando a norueguesa Ada Hegerberg, Bola de Ouro de 2018, se recusou a participar no Campeonato do Mundo em protesto com a federação da Noruega devido à diferença de tratamento em relação à seleção masculina..Também 28 das habituais convocadas para a seleção dos Estados Unidos, entre as quais as estrelas Carli Lloyd, Alex Morgan e Megan Rapinoe, tiveram uma posição de força antes do início do torneio, ao processarem a federação norte-americana por alegada discriminação salarial e diferenças na qualidade dos transportes e nos tratamentos médicos em relação à equipa masculina. Na ação que deu entrada num tribunal federal de Los Angeles, as futebolistas pedem uma indemnização por danos causados que poderá atingir os milhões de dólares..Outro exemplo da luta das mulheres foi dado pela brasileira Marta, um dos ícones do futebol feminino, que usou chuteiras sem publicidade a marcas desportivas por causa, precisamente, da diferença dos valores dos patrocínios relativamente aos homens..Parece evidente que ainda há muito por fazer nesta luta pela igualdade de género e desde logo a partir da FIFA, que no Mundial feminino distribuiu prémios monetários às 24 seleções participantes no valor de 27 milhões de euros, que representa apenas 7,5% das verbas que foram distribuídas no Campeonato do Mundo masculino de 2018, na Rússia, que ascendeu a 356 milhões de euros..É certo que os prémios monetários do Mundial 2019 são o dobro daqueles que vigoraram no torneio realizado em 2015, mas Gianni Infantino já anunciou que a FIFA prepara-se para voltar a dobrá-los no próximo Campeonato do Mundo, em 2023, cujo país organizador apenas será anunciado a 20 de março de 2020..Medidas para desenvolver o futebol feminino.O presidente da FIFA anunciou outras medidas para que o futebol feminino possa crescer. Desde logo, um aumento do investimento na modalidade em todo o mundo, garantindo que "existe uma reserva financeira" do organismo que irá ser canalizada para que haja mais competições e mais mulheres a praticar futebol. "Quero propor mais 500 milhões de dólares (445 milhões de euros) de investimento", revelou..O sucesso do Mundial 2019, em França, levou Infantino a anunciar mais três medidas que irá propor ao conselho da FIFA e que pretende aplicar em breve: o aumento do número de seleções apuradas para a fase final do torneio, passando das atuais 24 para 32, à semelhança do que acontece no Mundial masculino. "Iniciámos os processos de candidatura à organização do torneio a pensar em 24 seleções, mas temos de agir rapidamente para ter 32 equipas em 2023. Vamos agir com urgência, depois do sucesso deste torneio em França", assumiu..Há ainda a promessa de tentar criar um Campeonato do Mundo de clubes "o mais rapidamente possível", de modo a "desenvolver a modalidade em todo o mundo". Infantino até admite que esta seja uma competição a ser realizada todos os anos..Finalmente, existe a intenção de criar uma Liga Mundial, que seria um torneio à escala global com vários escalões, como acontece na Europa com a Liga das Nações masculina, cuja primeira edição foi ganha por Portugal..Na prática, a FIFA ter-se-á apercebido de que o futebol feminino tem um enorme potencial, que pode tornar-se um enorme sucesso mediático e consequentemente uma extraordinária fonte de receita. Para isso planeia incrementar o desenvolvimento em vários pontos do mundo, para aumentar a qualidade das jogadoras e a competitividade..O domínio dos Estados Unidos.Neste domingo, a seleção dos Estados Unidos conquistou o quarto título em oito edições do Campeonato do Mundo feminino, uma prova do intenso domínio de um país que desde 1972 tem vindo a crescer nesta modalidade. Nesse ano foi criada uma lei (Title IX) que proibia qualquer tipo de discriminação de género nos programas educativos, o que obrigou os liceus e as universidades americanas fornecer as mesmas condições às mulheres para a prática do desporto..A partir desse momento o futebol feminino sofreu um enorme incremento, que está bem expresso nas conquistas internacionais da sua seleção. Algumas das melhores jogadoras de sempre são de origem americana, casos de Kristine Lilly, Abby Wambach, Mia Hamm ou a guarda-redes Hope Solo, que já se retiraram. Em França, a seleção dos Estados Unidos apresentou-se com outras grandes estrelas como Megan Rapinoe, eleita a melhor futebolista do Mundial 2019, mas também Rose Lavelle, Alex Morgan e a veterana Carli Lloyd..Contudo, a presença da Holanda na final veio confirmar que na Europa esta é uma modalidade em franco desenvolvimento, como prova o título europeu conquistado pelas holandesas em 2015 e a medalha de prata neste Mundial. Além disso, viram Sari van Veenendaal receber o prémio Luva de Ouro, destinado à melhor guarda-redes do torneio, e deixaram o relvado do Estádio do Lyon debaixo de um enorme aplauso da onda laranja que pintava as bancadas.