A morte de Qassem Soleimani, o mais importante general iraniano, comandante da força de elite Al-Quds, alvo de um ataque aéreo dos Estados Unidos, em Bagdad, na última sexta-feira, veio abrir um novo capítulo no clima de tensão entre os dois países, que vem há meses em crescendo. O Irão já prometeu uma "retaliação severa" contra os Estados Unidos (esta madrugada lançou rockets contra uma base iraquiana com tropas americanas) e avisou que vai deixar de cumprir vários compromissos assumidos no acordo nuclear de 2015 - nomeadamente o não enriquecimento de urânio. Ontem, o secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irão, Ali Shamkhani, disse que as forças militares iranianas identificaram "treze cenários" para o que qualificou como uma "forte vingança" contra os Estados Unidos..Do outro lado, Donald Trump ameaça com uma "retaliação maciça" face a uma reação dos iranianos contra os Estados Unidos. Um crescendo de ameaças com um desfecho imprevisível..E Portugal, pode sofrer ondas de choque do que se passa no Médio Oriente? Pode. O impacto poderá repercutir-se nos preços do petróleo, que se têm mantido baixos em consequência do abrandamento no comércio mundial. Com consequências no aumento da inflação e consequente perda do poder de compra..Pedro Brinca, professor da Nova SBE, sublinha que é muito difícil antecipar a reação futura dos mercados - que dependerá necessariamente da evolução dos acontecimentos -, mas acrescenta que há uma certeza que se pode ter: o aumento da tensão no Médio Oriente é uma má notícia para a economia. "O aumento da incerteza é sempre muito problemático para o investimento, retrai o investimento, e isso resulta num abrandamento económico", refere o economista..Nos dias seguintes ao ataque que matou o general Soleimani, a cotação do Brent (preço do petróleo em Londres, que serve de referência às importações nacionais) valorizou mais de 3%, chegando aos 70 dólares (62 euros), um reflexo da preocupação dos mercados com a instabilidade numa região que é responsável por uma fatia significativa da produção mundial desta matéria-prima. E os receios prendem-se com o que possam ser os passos seguintes da escalada entre norte-americanos e iranianos, dado que na região se concentram outros grandes produtores mundiais como o Iraque ou a Arábia Saudita - potenciais alvos da resposta do Irão. Tal como o Estreito de Ormuz, peça essencial neste xadrez. "Caso o Estreito ficasse paralisado pela geopolítica, os preços do petróleo poderiam sofrer fortes oscilações", lembra André Pires, analista da corretora XTB, numa nota de análise citada pelo Dinheiro Vivo..Ontem, a agência de rating Moody's divulgou uma nota em que prevê que os preços do petróleo sejam altamente voláteis em 2020, mas mantendo as estimativas de médio prazo do preço do barril de Brent entre os 55 dólares e os 75 dólares. A Moody's sublinha que haverá ajustamentos da oferta, com os preços a saírem ocasionalmente do intervalo, mas prevê que isso apenas aconteça temporariamente..O Orçamento do Estado para o próximo ano, atualmente em discussão na Assembleia da República, estima - de "acordo com as expectativas implícitas nos mercados de futuros" - que o preço do petróleo "deverá situar-se em torno dos 58 dólares/bbl [barril de petróleo] em 2020", cerca de 52 euros. Uma situação de instabilidade prolongada, com reflexo nos preços do petróleo, seria um fator de pressão sobre o Orçamento de Mário Centeno, dada a forte dependência do país da importação de crude..Relações comerciais caem há dois anos.Nas relações comerciais diretas entre os dois países, Portugal apresenta uma balança comercial favorável, embora as trocas entre os dois países não tenham números muito expressivos. De acordo com os dados preliminares relativos ao ano de 2019, da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), entre janeiro e setembro do ano passado as empresas nacionais exportaram para o Irão bens no valor de 8,46 milhões de euros..Um número que traduz uma queda para metade do valor das exportações, face aos números de 2018, e que inverte uma tendência de crescimento que teve o seu pico em 2017, decaindo a partir daí..Uma tendência geral que foi sentida na Efapel, que está no top 10 de exportadores nacionais para o Irão. Américo Duarte, administrador da empresa, identifica "uma quebra de vendas importante" depois da imposição de sanções económicas ao Irão por parte dos Estados Unidos. "Houve uma quebra da atividade económica" e, em consequência, do consumo, diz ao DN, acrescentando que a situação tem vindo a piorar.."O Irão era um mercado que tendia a crescer enormemente e que seria importante. Neste momento tende a regredir", acrescenta o administrador da Efapel, que exporta para o Irão aparelhos elétricos e tomadas, sublinhando que este cenário demorará anos a recuperar - "Conseguir um mercado é um processo contínuo, em que o mercado se vai ganhando ano a ano"..Em 2019, o Irão caiu para a 97ª posição como mercado exportador das empresas portuguesas (no ano anterior estava na 80ª), representando apenas 0,02% do total das vendas para o exterior. São sobretudo máquinas e aparelhos, pastas de celulose e papel (a Navigator é uma das maiores exportadoras nacionais para aquele país), plásticos e borrachas, químicos e metais comuns..Já nas importações destacam-se, a grande distância de qualquer outro produto, plásticos e borrachas..Quanto ao número de empresas que mantém relações comerciais com o Irão, sofreram também uma queda a partir de 2017..Tropas portuguesas em stand by.Mas a primeira e mais direta consequência para os portugueses do agravamento da situação no Médio Oriente prende-se com as tropas portuguesa que estão no Iraque. Após os acontecimentos da última sexta-feira foram reforçadas as medidas de segurança na base militar onde estão 35 militares portugueses, em Besmayah, a 50 quilómetros da capital. Na segunda-feira, o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, disse à Lusa que se espera, nas próximas "duas a três semanas", mais desenvolvimentos e uma definição sobre se a missão da operação "Inherent Resolve" vai continuar..Para já houve "um reforço da proteção individual, com os coletes à prova de bala envergados e os capacetes na cabeça", disse ontem o chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares, Marco Serronha. Quanto à guarda do campo, sob a responsabilidade dos espanhóis - que lideram a coligação internacional de 500 efetivos - "está no dispositivo máximo", com mais vigilância nos controlos e a força de reação rápida "preparada para alguma coisa"..Neste momento os militares estão em `stand-by´, acrescentou Marco Serronha, citado pela Lusa. "Aproveitam para ir fazendo ações de planeamento e de preparação das formações posteriores que estão previstas e estão dentro das bases à espera que isto se clarifique mais um bocadinho e ver se as forças iraquianas querem retomar o processo ou se há um divórcio, passe a expressão, entre a comunidade multinacional e o Iraque e aí terá de haver uma decisão", sublinhou ainda Marco Serronha..No último domingo o parlamento do Iraque aprovou uma resolução em que pede ao Governo o fim das atividades das tropas estrangeiras - e não apenas os norte-americanos - em território iraquiano. A NATO anunciou ontem a retirada temporária de parte da sua força do Iraque, depois de ter suspendido a missão de treino de militares iraquianos,..[Atualizado com o depoimento de Américo Duarte, administrador da Efapel]