Na sua longa carreira como autarca fez diferença o facto de ser mulher? Quando me convidaram poucas pessoas me conheciam aqui em Setúbal, poucas pessoas sabiam da minha capacidade de trabalho e intervenção. Senti que o convite era também para cumprir quotas, não ficava mal na fotografia e tudo isso contava para a captação do eleitorado. Depois no terreno a perceção de quem era a mulher Maria das Dores foi mudando e quando se dá a substituição do cabeça de lista, o anterior presidente Carlos Sousa, para mim já havia a ideia de que "ela tem capacidade de trabalho, mas não vai aguentar o embate desta responsabilidade" que é ser presidente num município destes. Como este município estava desorganizado e tão em baixo era muito difícil para qualquer pessoa tomar nas suas mãos esta responsabilidade, mesmo com uma grande equipa como tinha e como tenho..Quando diziam que não ia aguentar é porque era mulher? Sim, era isso e nestas circunstâncias. Quando se dá esta substituição, de facto, a câmara estava mesmo muito mal. Há uma figura pública altamente conhecida que na época era vereador aqui na câmara de Setúbal e chama-se Fernando Negrão (PSD) que, quando se deu a substituição, dizia assim: "não há problema, deixem-na ir porque ela não aguenta mais do que sete meses e, portanto, isto vai cair, não vai sequer chegar às eleições". Estávamos no primeiro ano de mandato, e eu dizia-lhe "oh dr. Fernando Negrão pelo menos deixe-me ter parto natural, que são os nove meses". Toda a gente dizia que eu não ia conseguir aguentar, eu ou qualquer outra mulher porque é muito mais difícil provar à sociedade que somos capazes. Não basta falar bem, é preciso trabalhar bem; não basta vestir um vestinho ou uma camisinha mais assim ou mais assado, temos de trabalhar muito bem para as pessoas acreditarem. No princípio foi muito difícil, muito difícil, e chegámos ao final do mandato com uma maioria absoluta. Se tivesse sido um homem diziam que ele seria capaz, vai conseguir. Eu tive de provar a dobrar ou a triplicar. Mas cá estou..CitaçãocitacaoHá uma figura pública altamente conhecida que na época era vereador aqui na câmara de Setúbal e chama-se Fernando Negrão (PSD) que, quando se deu a substituição, dizia assim: "não há problema, deixem-na ir porque ela não aguenta mais do que sete meses".Está a terminar os mandatos... Sempre a subir nas maiorias absolutas! Essa primeira eleição que fui cabeça de lista foi logo maioria absoluta, na segunda subimos o número de vereadores e na terceira, neste último mandato, também subimos o número dos vereadores..... que balanço faz do que viu quando chegou à câmara e, agora, como a deixa? Fez tudo o que queria? Não fiz tudo. Queria deitar uma ponte abaixo e não consegui. Levo esse desgosto no coração. Está ali um viaduto que foi feito ainda no tempo do PS e que foi muito mal executado porque veio cortar a vista de uma zona ribeirinha que é muito bonita, das Fontainhas. Tem ali alguns restaurantes e uns prédios muito bonitos que foram requalificados, mas perde-se a relação com o rio. Aquele viaduto foi uma decisão errada e um crime urbanístico. Já está planeado com as Infraestruturas de Portugal um túnel por baixo dos caminhos de ferro para passarem os carros que vêm de Lisboa ou da outra parte da cidade para o centro, para a Avenida Luísa Todi. Conseguimos transformar muito e há muita coisa para fazer, mas há sempre porque as cidades são dinâmicas e estão sempre em transformação. Requalificamos os edifícios municipais, culturais e desportivos. A sede da Câmara Municipal na Praça do Bocage foi toda transformada porque isto era uma vergonha, os serviços funcionavam de uma forma muito precária, desorganizada, muito suja. Recuperámos edifícios grandes, está com promessa de compra o edifício da EDP, pusemos toda a gente bem tratada e equipada. Por exemplo, nos serviços das nossas oficinas municipais parecia que tinha acontecido ali a guerra do Iraque. Hoje entra-se ali e é um modelo. Estão lá 300 e tal trabalhadores dos serviços operacionais com uma vida muito dura, que ganham muito pouco, mas que hoje têm um refeitório, balneários com todas as condições, até têm árvores e flores que eles tratam na entrada das oficinas, o que me dá muito, muito gozo..E do ponto de vista financeiro a Câmara está bem? Entrámos aqui à beira da falência. Hoje não temos todas a dívidas saldadas, mas faltam praticamente dois anos para acabar o nosso contrato de reequilíbrio financeiro - foi o que nos deixaram cá e o PSD, na altura a dra. Manuela Ferreira Leite, permitiu que fizéssemos esse contrato. Já lá vão cento e tal milhões. Hoje deixamos aqui um ativo de mais de 500 milhões de obra feita e de coisas compradas, adquirimos muito património para o município..Sempre se manifestou contra a limitação de mandatos. Gostava de continuar a ser autarca em Setúbal? Continuo a manter esta ideia porque acho injusto que aquilo que o povo manda um decreto-lei se oponha. Então não há democracia. O expoente máximo da democracia é as pessoas terem a liberdade para votar em A, B, ou C. Mas a limitação de mandatos diz não, não, não. Pergunto, porque é que os deputados da Assembleia da República não têm limitação de mandatos? Porque ali há democracia e aqui não?.Mas a limitação de mandatos não serve para tentar impedir, por exemplo, fenómenos de compadrio? Não, não colhe. Se realmente houver compadrio, então posso ir para outro município e não vou continuar a ser a mesma pessoa? Se eu quiser em Setúbal também posso. Posso ser uma vereadora e influenciar o cabeça de lista no sentido de continuar a fazer este ou aquele ato menos correto ou até ilegal. O povo costuma dizer "estão a atirar serradura para os olhos de quem?".CitaçãocitacaoO expoente máximo da democracia é as pessoas terem a liberdade para votar em A, B, ou C. Mas a limitação de mandatos diz não, não, não. Pergunto, porque é que os deputados da Assembleia da República não têm limitação de mandatos? Porque ali há democracia e aqui não?".Setúbal foi um concelho que sempre teve problemas sociais complexos. A pandemia agravou-os? Há fome, mas há fome em Setúbal e nos outros concelhos. Na primeira fase da pandemia a câmara municipal é que fornecia todos os cabazes de alimentação com as juntas de freguesia, que os distribuíam a toda a gente que solicitava. A determinada altura o governo disse, e bem, que é a Segurança Social que continua a fornecer os produtos alimentares, mas há pessoas que não têm condições, como imigrantes sem a sua situação regularizada, a que a câmara continua ainda hoje a dar os cabazes da comida. E depois há as paróquias que fazem tão bem. Eu sou católica, mas quero dizer que tenho aqui todas as outras igrejas de todas as religiões que estão a ajudar e no silêncio. Há também outras instituições como a Casa, a Cáritas, a Santa Casa da Misericórdia e todas estão a ajudar. Não é a mesma situação que ocorreu aqui nos anos 80..Assumiu que gostava de ser candidata à Câmara de Almada. O PCP, seu partido, já aprovou essa candidatura contra a socialista Inês de Medeiros? O meu partido já disse que me apoia. Está tudo dito. Eu moro em Almada há 52 anos, fui para lá com 12 anos. Setúbal foi algo que aconteceu porque tinha aqui dois escritórios e vinha trabalhar, tinha uma segunda habitação para onde vinha aos fins de semana e as pessoas descobriram que gostava muito da cidade. Em relação a Almada, gosto da causa pública, de estar próximo das pessoas, de falar com elas, gosto muito de ir à conversa e de ajudar a resolver os seus problemas. Houve uma série de personalidades de Almada que me desafiaram. No princípio disse já chega, mas as pessoas diziam 'ainda está aí com muita pedalada, com muita vontade, com muita capacidade, vamos embora a isto'..Citaçãocitacao"Podemos não desconfinar em março, este inimigo invisível é uma caixinha de surpresas, e será muito complicado manter-se a data para outubro. A proposta do PSD não é descabida".Em Almada, e até porque é moradora, quais são os principais problemas e que gostaria de agarrar se fosse eleita presidente da Câmara? Ah, não lhe posso dizer, ainda é cedo. Posso dizer que moro no centro de Almada e vejo muita coisa a não ser resolvida. A CDU fez um trabalho fantástico para quem conheceu a cidade nos anos 70 e inícios dos anos 80 e o que é hoje Almada deve muito, sem sombra de dúvida, à CDU. Muito trabalho estrutural que está por baixo do chão e não se vê. Foi uma grande revolução. Houve ali um bocadinho de adormecimento, por isso foi a CDU que perdeu não foi o PS que ganhou. As coisas pioraram muito. O PS pode dizer que não, mas eu moro lá e posso dizer que sim. O que vou fazer? Vou fazer muito e vai -se alterar muito podem ter a certeza. É só virem visitar Setúbal..Concorda com o adiamento das eleições autárquicas por causa das restrições da pandemia? Quem está no poder não precisa de mais tempo, quem não está precisa de mais tempo. Se calhar ainda é prematuro, os números da pandemia estão a descer rapidamente e se houver um desconfinamento até final de março se calhar não se justificam mais dois meses. Mas podemos não desconfinar em março, este inimigo invisível é uma caixinha de surpresas, e será muito complicado manter-se a data para outubro. A proposta do PSD não é descabida.