"Acho que foi Obama quem disse isso: que se houvesse mais mulheres na liderança, haveria mais empatia no mundo", lança Juuli Kärkinen, arrancando gargalhadas às colegas. Sentada ao lado da italiana Gianna, que acaba de garantir que não quer "discriminar os homens, mas acho que as mulheres conseguem ser mais empáticas e mais abertas a compromisso" - defendendo ser essa talvez uma das soluções para ajudar a resolver os problemas da velha Europa, do pós-Brexit aos refugiados, passando pelo orçamento comunitário ou pelos extremismos -, a jovem finlandesa está a jogar em casa num encontro entre estagiárias da diplomacia europeia organizado pela embaixadora Tarja Laitiainen. Ao todo foram 13 as mulheres reunidas na embaixada da Finlândia no Restelo. O DN falou com oito - uma finlandesa, uma italiana, uma sueca, uma francesa, uma holandesa, uma norueguesa e uma portuguesa (escolhida como porta-voz pelas restantes colegas da mesma nacionalidade) - e com a própria embaixadora..Com o Dia Internacional da Mulher em mente, as jovens juntaram-se para falar dos desafios de uma carreira que muitas estão a pensar seguir: a diplomacia. Filhos, família, discriminação, afinal as mesmas preocupações que muitas mulheres têm noutras profissões. "Nunca me senti discriminada por ser mulher, mas sim por ser jovem", admite Gianna Campestrin. A italiana de 27 anos está a estagiar na embaixada em Lisboa partilha com as colegas a experiência que sente quando olham para ela enquanto jovem profissional..Uma experiência não muito diferente da da sueca Sanne Personn. "O que sinto mais é a questão da idade. As pessoas acham-me muito jovem, e acham que sou ingénua por causa disso", explica a jovem loira de 24 anos, estagiária na Câmara de Comércio Luso-Sueca. O que todas dizem, no entanto, é que a experiência que têm depende muito do ambiente em que se movem. E algumas afirmam-se "privilegiadas" por trabalharem rodeadas de mulheres. Como é o caso de Juuli e da francesa Jennyfer Montano. Ambas trabalham com embaixadoras e em embaixadas com um pessoal muito feminino. "Tenho sorte porque na embaixada de França temos uma embaixadora, muitas mulheres. Portanto, é mais pela idade que sinto alguma discriminação", sublinha a francesa de 24 anos, ao que a finlandesa acrescenta: "Por vezes é a combinação: jovem e mulher. Aos olhos de algumas pessoas isso faz de nós menos credíveis.".Os números, apesar destas experiências, são expressivos. Um estudo realizado pela ONU em 75 países e divulgado na sexta-feira mostra que nove em cada pessoas têm preconceitos em relação às mulheres. Isso quer dizer que os homens são menos discriminados, mesmo sendo jovens? Sanne admite que nunca discutiu o assunto com o seu colega estagiário na Câmara de Comércio, mas a sueca está convencida de que "os homens mesmo quando são jovens são levados mais a sério", e acrescenta: "Já tive experiências no trabalho em que digo a mesma coisa que um colega meu e a opinião dele é tida em consideração e a minha é ignorada.".O desafio de ser só "o companheiro".Na carreira diplomática desde os 24 anos, Tarja Laitiainen lembra que há quase quatro décadas a paridade entre homens e mulheres ainda era uma miragem, mesmo no seu país. "Na Finlândia, na altura, já começávamos a ter um bom equilíbrio entre homens e mulheres nos cursos para diplomatas, mas foram necessários alguns anos até termos equilíbrio nas posições de liderança. Hoje temos", explica a embaixadora. Destacando-se do preto quase monocromático usado pelas jovens estagiárias com o seu fato verde e azul, a diplomata saúda a mudança nos exames de acesso à carreira diplomática em Portugal que os tornou "mais justos" e admite que se em alguns países ainda há quem estranhe haver uma mulher embaixadora, "chegámos a um ponto em que já é difícil queixarmo-nos"..Isso não significa, contudo, que tudo seja fácil, sobretudo na gestão entre trabalho e família. "Segundo a minha experiência, enquanto as crianças têm até 8, 10 anos, viver no estrangeiro é extremamente enriquecedor. Aprendem as línguas quase sem precisar de ir à escola, e podem aprender várias ao mesmo tempo. Depois pode ser mais difícil quando os filhos entram numa idade mais difícil. Mas em casa acontece o mesmo." Este foi um dos pontos em que as jovens estagiárias mais insistiram e Tarja Laitiainen foi muito honesta: "Uma questão em que o género importa é quando se fala em ser apenas o companheiro de um diplomata. Exige muita coragem para um homem, mesmo hoje, mesmo para um finlandês ou um nórdico. Porque mesmo um homem que na Finlândia aceitaria facilmente ficar em casa e tomar conta dos filhos, mas deixar o trabalho e seguir a mulher para outro país, onde não se tenha trabalho, exige muita coragem para se ser 'apenas o companheiro'"..Na sua longa carreira, a embaixadora passou por países tão diversos como a Bulgária ou o Afeganistão, onde serviu entre 2002 e 2005, após o 11 de Setembro e a queda dos talibãs. Uma experiência que lhe inspirou o livro Táxi para Cabul. Ela própria passou pela situação de ser apenas "a companheira" e confessa que detestou. "Aconteceu-me durante uns meses e estava a dar em doida! Não é a minha forma de fazer as coisas e não suportei. Por isso compreendo o homem que não aguente essa situação.".Uma experiência pessoal que as jovens estagiárias valorizaram, a começar pela portuguesa Maria Cabeça. "Antes deste almoço estava interessada na diplomacia e nas possibilidades que essa carreira oferece, mas não estava certa quanto a segui-la. Não só por ser muito jovem mas por estar muito ligada à minha família", explica a estagiária do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Aos 22 anos, Maria admite que ainda tem tempo para decidir o que quer do futuro, mas "durante o almoço a embaixadora lembrou que não há uma diferença assim tão grande entre a carreira diplomática e trabalhar numa empresa internacional, ou entre alguém que tem um emprego que o obriga a viajar muito". Por isso, a sua "perspetiva é agora mais equilibrada. Percebi que se calhar não é assim tão mais complicado do que outra profissão"..Torunn Festoy também sai deste encontro mais tranquila. "Ainda não pensei muito nisso. Mas é interessante ouvir que ser embaixadora ou diplomata é ser uma líder. De certa forma, não é tão diferente de quem trabalha em organizações internacionais", afirma a norueguesa de 24 anos, que está a estagiar na Embaixada da Noruega em Lisboa. Também ela admite que, "por exemplo, o companheiro não ter emprego no país onde formos colocadas, isso pode ser complexo", mas lembra que "ser mulher, ser mãe, ser casada e ter uma carreira é sempre um desafio.".Algumas das jovens tiveram elas próprias a experiência de crescer em vários países ou entre culturas diferentes. É o caso de Angela Heida. A holandesa, hoje com 26 anos e a estagiar na Embaixada da Holanda em Lisboa, cresceu no nosso país, onde os pais trabalhavam. "Sou holandesa mas cresci em parte em Portugal e gostei muito da experiência. Funcionou para mim, por isso talvez funcione para os meus filhos", diz. Filha de colombianos nascida e criada em França, Jennyfer Montano gosta de pensar no seu caso como um "bom exemplo" de fusão entre culturas. "Nos últimos anos tive a sorte de poder fazer Erasmus e depois estagiar no estrangeiro. Vivi em vários países e gostei. É maravilhoso ter oportunidade de conhecer várias culturas", explica a francesa..Mais uma vez, será que as mulheres têm uma forma diferente de encarar estas questões familiares? "Sinto que este é um assunto em que as mulheres tendem a pensar mais. Claro que seja qual for a carreira que escolhemos, temos de pensar em gerir a vida familiar, o tempo livre, etc. Mas enquanto mulher finlandesa recuso pensar que é só um problema meu", garante Juuli Kärkinen..Quotas sim, mas de forma transitória.Com cada vez mais mulheres na carreira diplomática, pode dizer-se que há uma forma feminina de resolver os problemas? Maria tem dúvidas: "Não diria que os homens e as mulheres fazem as coisas de forma diferente, mas diria que as mulheres põem mais esforço no que fazem.".Porque durante muito tempo não pudemos fazer as mesmas coisas que os homens." A norueguesa Torunn concorda com a portuguesa, mas vai um pouco mais longe: "Não sei se há uma forma de fazer as coisas no feminino, mas acho que se incluirmos todos, as coisas correm melhor. Por isso, trabalhar com grupos, minorias, géneros diferentes é importante e vai ajudar todos a resolver os problemas. E também os que enfrenta da Europa." E envolver os homens é essencial. "É bom que os homens estejam mais envolvidos, mais empenhados. Precisamos de ambos, homens e mulheres, para enfrentar os desafios que temos pela frente", garante a francesa Jennyfer..Uma das discussões a que se tem assistido é se criar quotas para as mulheres vai ajudar a chegar mais rapidamente à paridade. E aqui as opiniões divergem. Sanne acredita que "não tiraremos nada de bom disso. O problema das quotas é que a ideia que vai ficar é que a mulher só está ali por causa da quota e não por mérito próprio". Mas Jennyfer está convencida de que "pode ser uma solução boa a curto prazo. Uma forma de levar à paridade. Não é assim tão mau"..Embaixadora de um país em que o governo não só é liderado por uma mulher como tem mais ministras do que ministros (12 e 19), Tarja Laitiainen tem uma posição bem clara em relação às quotas: "Como medida transitória, sou a favor. Não acho que diminuam as mulheres. E quando atingirmos a paridade desejada, então podemos abandonar as quotas. Porque é mais fácil acabar com elas do que começar a aplicá-las." Tendo conhecido muitos jovens diplomatas ao longo da sua carreira, a diplomata lamenta que "os homens tenham mais confiança neles próprios. Em média os homens dizem mais facilmente: "Eu sou bom." As mulheres dizem: "Acho que consigo fazer isto." Ora o que em quis dizer a estas jovens hoje foi: claro que conseguem. Vão em frente. Sejam vocês próprias."