E o corrupto do ano é...
O Brasil não vive um bom momento. Ponto.
No futebol, atividade que lhe deu tanta fama, ainda ecoam os 7-1 da Alemanha de 2014. O treinador mais vitorioso de 2019 no país foi um português, Jesus, e o de 2020-21 pode ser outro, Abel. O último melhor jogador do mundo, segundo a FIFA, nascido em solo brasileiro foi Kaká, num longínquo 2007. Pelé encerrou a carreira nos anos de 1970, o Fenómeno em 2011, e até Neymar já age como ex-atleta.
Quem também se retirou, em 2016, foi Gisele Bündchen, a modelo mais bem-sucedida da história.
E o brasileiro no cargo mais relevante à escala mundial, Roberto Azevêdo, trocou em setembro o último ano na presidência da Organização Mundial do Comércio por um lugar na Pepsi.
O país que nunca ganhou um Nobel nem um Óscar, apesar da sua pujança audiovisual, costuma vingar-se na publicidade, onde a lendária criatividade do seu povo se traduz em pilhas de Leões de Ouro em Cannes. Em 2020, por causa da pandemia, não houve cerimónia.
O marketing político, outro ponto forte brasileiro, caiu em desgraça por ser, em certa medida, "culpado" do Petrolão: construtoras pagavam aos políticos as suas campanhas, caríssimas por causa dos honorários dos tais "marqueteiros".
E, por outro lado, os "rivais" argentinos já têm vacinas contra a covid-19. Aos brasileiros, cujo ministro da Saúde, um paraquedista, se esqueceu até de comprar seringas, a imunização só deve chegar lá para o Carnaval - que neste ano é em julho.
Mas não há um alento, um triunfo?, perguntarão os leitores enquanto praguejam contra o derrotismo do colunista.
Ei-lo: Jair Bolsonaro foi eleito "o corrupto do ano", pela OCCRP, organização dedicada a investigar a corrupção no mundo. Neste ano, nem Maduro (campeão em 2016) nem Duterte (vencedor em 2017) deram luta.
A "rachadinha", escândalo de desvio do salário de assessores de fachada do senador Flávio Bolsonaro, foi mencionada, claro. Mas é sobretudo a posterior blindagem judicial do "papai presidente" que o fez merecer a vitória.
Flávio, apenas a face visível de um esquema que, segundo a polícia, envolveu gabinetes de toda a família e constituiu um rombo de cinco milhões de euros, começou por ser beneficiado com a figura abjeta do "foro privilegiado" num tribunal do Rio, mesmo contra a recomendação do Supremo Tribunal Federal.
Depois, uma procuradora da República assumidamente bolsonarista deixou expirar o recurso a essa decisão.
A advogada de Flávio, entretanto, admitiu ter recebido coordenadas do presidente da ABIN, a CIA brasileira, para tentar inocentar o 01. A nomeação desse presidente, Alexandre Ramagem, esteve na base da demissão de Sérgio Moro - o ex-ministro da Justiça que saiu a acusar Bolsonaro de interferir na polícia para salvar o filho.
Como no Ministério Público do Rio a maioria dos procuradores, ainda assim, será honesta, Bolsonaro fez-lhes uma ameaça à Al Capone pelo Natal. "Imagine que um dos seus filhos seria acusado de tráfico de drogas. O que aconteceria, Ministério Público do Rio? Vocês aprofundariam a investigação ou [...] procurariam uma maneira de arquivar o inquérito? Mas é um caso hipotético, claro...", chantageou, como se tivesse um trunfo na manga.
"A República gira hoje em torno da proteção a Flávio Bolsonaro", resumiu Wilson Witzel, o ex-governador do Rio, afastado logo depois de ter entrado em guerra com a família.
Correspondente em São Paulo