PAN quer 10 dias de licença paga para vítimas de violência doméstica
Partido diz que governo mostrou abertura para acolher a medida no Orçamento do Estado e vai insistir na especialidade para que mulheres possam reorganizar a sua vida sem perda de direitos laborais. APAV considera que é importante que as empresas percebam a dinâmica da violência doméstica.

O PAN (Pessoas-Animais-Natureza) quer que o Orçamento do Estado 2020 contemple uma licença de dez dias pagos na íntegra às vítimas de violência doméstica. A proposta não foi integrada no documento geral apresentado por Mário Centeno, mas o PAN vai voltar à carga na discussão do OE na especialidade.
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O mesmo tema foi nesta segunda-feira levado pelo partido à audição parlamentar com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Ana Mendes Godinho disse que é preciso perceber o impacto da medida para ver de que forma pode ser viabilizada.
A deputada Inês Sousa Real sublinha que o PAN já teve sinais positivos do governo para avançar com o assunto na especialidade e, por isso, "vai trabalhar para ver a medida aprovada" e para que possa ser aplicada "num período após a agressão, tão crucial para as vítimas de violência doméstica".
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Para a deputada do PAN, é fundamental que a lei preveja a existência de uma licença de dez dias integralmente remunerada, que "permita às vítimas reorganizarem a sua vida e afastarem-se do agressor, podendo ausentar-se do trabalho sem perda dos direitos laborais".
"O importante é que esteja consagrado na lei. O Estado decidirá depois como levará à sua materialização."
Assim, o PAN preconiza que, logo que seja declarado o estatuto de vítima, a mulher agredida tenha este período para lidar com toda a burocracia do processo e para criar condições de afastamento do agressor. Uma licença que seria obtida junto da Segurança Social, à semelhança de outros subsídios que já existem, mas que não passaria por uma baixa médica.
"O importante é que esteja consagrado na lei, que se possa prever esse regime. O Estado decidirá depois como levará à sua materialização, garantindo a estabilidade e a segurança da vítima sem perda de direitos", diz Inês Sousa Real, que pretende que este regime seja também aplicado a vítimas de violação.
Daniel Cotrim, psicólogo da APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, começa por dizer que todas as medidas que possam servir as vítimas de violência doméstica são positivas. Mas faz questão de salientar que o mais importante é olhar de uma forma integrada para este problema.
"Visto que o diagnóstico está feito, é preciso olhar o assunto como um todo e ver o que é preciso alterar e afinar na lei", diz, defendendo que para isso sejam ouvidas também as associações que trabalham no terreno com vítimas de violência doméstica.

A deputada do PAN, Inês Sousa Real, afirma que vai continuar a trabalhar para ver a medida aprovada. A materialização é uma segunda fase.
© ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
Fundamental, sublinha o psicólogo da APAV, é que as empresas e os departamentos de recursos humanos percebam a dinâmica da violência doméstica - "é mais geral do que só a atribuição de um subsídio".
A lei consigna que as mulheres trabalhadoras mantenham a sua independência económica, nomeadamente que possam ser transferidas quando decidem afastar-se dos locais onde vive o agressor (ou quando procuram proteção em casas de abrigo). Só que isso tem sido conseguido sobretudo ao nível da administração central. "Nos meios empresariais pequenos, quando faltam à quarta vez, e porque muitas têm vergonha de falar da situação, acabam por ser despedidas por justa causa."
Guia pede flexibilidade às empresas
Por tudo isto, Daniel Cotrim insiste que dar formação aos profissionais em recursos humanos para que percebam este flagelo social como um todo é tão ou mais importante do que meras alterações ao Código do Trabalho. E refere a este propósito o Guião de Boas Práticas lançado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, no qual chama a atenção para os sinais de violência doméstica e que medidas as empresas devem tomar para prevenir, apoiar ou reagir.
Uma das questões salientadas no guia de boas práticas é precisamente o cumprimento da lei no sentido de garantir a continuidade do trabalho a vítimas de violência, sem que para isso esteja "dependente da maior ou menor boa vontade da entidade empregadora", que deve ser flexível nestes casos.
"É decisivo que às vítimas seja assegurado o seu emprego para lá da situação que a impede no momento de o desempenhar, viabilizando a sua prestação noutros termos, adaptando as circunstâncias laborais à sua situação." Por exemplo: alteração temporária das responsabilidades laborais, flexibilização do horário, aceitação da justificação das faltas, mediante conversa com a vítima.
Chefes atentos aos sinais
Uma das medidas propostas aos empregadores é que trabalhadores com posições estratégicas estejam atentos aos sinais, em regra, demonstrados por vítimas de violência doméstica. Como as mudanças bruscas de comportamento e/ou alterações na qualidade do desempenho por razões inexplicáveis; dificuldade de concentração; estar sistematicamente triste; isolar-se; inventar constantemente desculpas e cancelar compromissos à última hora; faltar ao trabalho mais vezes do que o habitual; notar mudanças na maneira como se veste (por exemplo, usar manga comprida ou gola alta em dias quentes) ou utilização de muita maquilhagem; ter equimoses, nódoas negras visíveis e sonolência constante; o/a companheiro/a (ou ex- companheiro/a) aparecer com frequência no local de trabalho a fazer perguntas ou a telefonar com elevada frequência.
No campo da prevenção, o guia aconselha ainda a difusão de informação aos trabalhadores de todos os departamentos sobre o que é o crime de violência doméstica, fatores de risco, desconstrução de mitos e as linhas de apoio às vítimas, nomeadamente através de cartazes ou newsletters internas, das consultas de medicina do trabalho ou dos sindicatos. Ou até mesmo com a realização de seminários curtos durante o horário laboral.