A palavra de ordem é "retaliação". Após a morte do general Qassem Soleimani, líder da Força Quds dos Guardas da Revolução, o Irão promete "uma retaliação severa" contra os EUA. O presidente norte-americano, Donald Trump, ameaça com uma "retaliação maciça"..Mas, na prática, o que podem ambos fazer? Tem o Irão o poder para fazer mossa aos EUA, a maior potência mundial em matéria de Defesa?."Nos últimos 40 anos, a República Islâmica tem aprimorado as suas capacidades de guerra assimétricas. Não tem as forças, as armas, o dinheiro e a tecnologia para enfrentar de frente os EUA num campo de batalha convencional, mas tem investido dinheiro em forças substitutas [a chamada guerra por procuração], operações de inteligência e atividades que pode negar (incluindo guerra cibernética)", escreveu o vice-presidente do Centro para a Estratégia e Estudos Internacionais, Jon B. Alterman..Guerra de palavras e sanções.A escalada da tensão que se seguiu à morte do principal general iraniano às mãos dos EUA faz-se por palavras. Os iranianos prometem vingança, com o líder supremo Ali Khamenei a avisar para "uma retaliação severa"..Em resposta, o presidente norte-americano apontou para a existência de 52 alvos (incluindo locais importantes para a cultura iraniana, segundo o próprio Trump) que poderiam ser atacados. O número 52 é simbólico, já que é o mesmo número de reféns norte-americanos que os iranianos mantiveram durante 444 dias em 1979..O presidente iraniano respondeu à letra. "Aqueles que se referem ao número 52 também deviam lembrar-se do 290. Nunca ameacem a nação iraniana", escreveu Hassan Rouhani no Twitter. Os 290 referem-se ao número de mortos da tragédia do voos 655 da Iran Air, que foi abatido em julho de 1988 por um navio americano enquanto sobrevoava o Golfo..A aparente ameaça de Trump de atacar locais de herança cultural ou natural do Irão já levou a UNESCO a avisar que estes não podem ser alvos deliberados, ao abrigo das convenções ratificadas por EUA e Irão..Na guerra de palavras, a diplomacia é a arma, multiplicando-se os encontros para procurar acalmar a situação. Os chefes da diplomacia da União Europeia vão reunir-se na sexta-feira para discutir uma forma de salvar o acordo nuclear iraniano, estando em cima da mesa o eventual retomar das sanções. Os EUA já há muito que voltaram a aplicá-las, procurando minar a economia do Irão..Já a NATO vai analisar a sua missão de treino no Iraque. A chanceler alemã, Angela Merkel, vai discutir o tema com o presidente russo, Vladimir Putin, no dia 11. A Síria também está na agenda do encontro. A França alertou para o risco de esta tensão dar novo fôlego ao Estado Islâmico..Se os diplomatas podem ajudar a resolver a situação, no terreno podem também tornar-se alvo, como aconteceu no último dia do ano, quando uma multidão tentou invadir a embaixada norte-americana em Bagdad..Ameaça nuclear.A primeira medida de retaliação do Irão passou por rasgar definitivamente o acordo nuclear que assinou em 2015 - e ao qual os EUA de Trump já tinham virado as costas. Teerão anunciou no domingo que vai abandonar os limites que tinham sido impostos ao enriquecimento de urânio, assim como ao número de centrifugadoras ou à quantidade de urânio enriquecido que pode armazenar. Mas mantém a colaboração com a Agência Internacional de Energia Atómica..O Irão tem incumprido o acordo desde que Trump o deixou cair, reinstalando as sanções que tinham sido levantadas. Em relação ao enriquecimento de urânio, por exemplo, Teerão terá ultrapassado os 3,67% previstos no acordo, mas ainda estará longe dos 20% que tinha antes de 2015 e aquém do necessário para o tornar uma arma.."O Irão nuca terá uma arma nuclear", escreveu Trump no Twitter, em maiúsculas..As potências europeias ainda estão a tentar salvar o acordo, mas este já é dado como praticamente morto, apesar de Teerão admitir que recuará na sua posição caso haja o retomar das condições impostas - ou seja, o fim das sanções norte-americanas..Os EUA alegam que a sua campanha de pressão máxima contra os iranianos irá obrigá-los a negociar um acordo mais alargado, que incluirá o programa balístico e o papel que Teerão tem em vários conflitos no Médio Oriente. Mas o Irão recusa renegociar o que quer que seja..Se o Irão é apenas uma ameaça no que diz respeito ao desenvolvimento nuclear, os EUA têm milhares de ogivas - e são os únicos a já ter usado armas nucleares..Poderio militar.No que toca a armas, ninguém bate os EUA. O ranking do Global Fire Power coloca os norte-americanos como os mais poderosos a nível militar, com o Irão a surgir apenas em 14.º lugar..Em 2019, o orçamento de Defesa dos EUA foi de 716 mil milhões de dólares, enquanto o do Irão é de apenas 6,3 mil milhões. No que diz respeito ao número de militares, os norte-americanos contam com uma força superior a dois milhões, dos quais 1,3 no ativo e quase 900 mil na reserva, enquanto se estima que os iranianos só têm 873 mil, 523 deles no ativo. No Irão, contudo, o serviço militar é obrigatório, pelo que é difícil avaliar os números corretamente.."O Exército da República Islâmica do Irão tem de ser um exército islâmico, isto é, ser comprometido com a ideologia islâmica e o seu povo e deve recrutar para o seu serviço indivíduos que tenham fé nos objetivos da Revolução Islâmica e sejam dedicados a atingir os seus objetivos", lê-se na Constituição iraniana de 1979..O mesmo texto fala num "exército ideológico" que é responsável não só por "guardar e preservar as fronteiras do país mas também por cumprir a missão ideológica de jihad [guerra santa]" e alargar a soberania da lei de Deus por todo o mundo. Além das forças regulares, o exército inclui os Guardas da Revolução, diretamente sob o comando do líder supremo do Irão. O general Soleimani era o líder da Força Quds, a unidade dentro dos Guardas da Revolução responsável pelas operações no exterior..Em termos de armas, além das nucleares, os EUA são ainda muito superiores em termos de número de material à sua disposição, desde aviões a navios. E fazem parte da NATO, uma aliança intergovernamental de defesa mútua que inclui 29 países..Mísseis e drones.A principal ameaça iraniana é o contingente de mísseis que tem ao seu dispor, capaz de atingir os Balcãs ou a Grécia, na Europa, ou Israel, a mais de dois mil quilómetros de distância. Segundo o Centro para Estratégia e Estudos Internacionais, o Irão possui o maior e mais diverso arsenal de mísseis no Médio Oriente..Em artilharia de campanha e sistemas de lançamento de rockets o Irão ultrapassa os números dos EUA - quatro mil no total para o Irão e menos de dois mil para os EUA..O Irão tem vindo ainda a desenvolver drones, como o Kian, que tem autonomia para mais de mil quilómetros. Em julho, um mês depois de os iranianos abaterem um drone norte-americano com um míssil, por alegada violação do seu espaço aéreo, foi a vez de os EUA abaterem um destes veículos comandados à distância do Irão (os iranianos negaram que tal tenha acontecido), perto de um dos seus navios no estreito de Ormuz..Se a capacidade militar do Irão está muito abaixo dos EUA, os drones são baratos e quase sem risco, oferecendo não só capacidade de vigilância como de, eventualmente, ataque. Exemplo disso foi o ataque contra duas refinarias sauditas que forçaram a empresa nacional, a Aramco, a suspender as operações em setembro - os ataques foram reivindicados pelos houthis, no Iémen, mas a Arábia Saudita e os EUA apontaram o dedo ao Irão..Estreito de Ormuz.As bases militares norte-americanas na região podem ser um eventual alvo dos ataques iranianos, tal como os navios que cruzem o estreito de Ormuz, importante via marítima para o comércio de petróleo que se for afetada pode causar o aumento dos preços..Localizado entre Omã e o Irão, o estreito liga o golfo Pérsico ao golfo de Omã e daí para o mar Arábico no oceano Índico. No seu ponto mais estreito mede apenas 33 quilómetros, mas a zona navegável é de apenas três quilómetros para cada lado..Um quinto do petróleo mundial, de produtores como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Koweit ou Iraque, passa pelo estreito. E o Qatar passa quase todo o seu gás natural liquefeito também por ali. No ano passado, três petroleiros foram atacados no estreito em dois incidentes diferentes, com a comunidade internacional a apontar o dedo ao Irão, que negou. No pico de tensão entre os dois países, os EUA enviaram tropas adicionais para a região..Na prática, o Irão não pode fechar totalmente o estreito (parte dele é em águas territoriais de Omã), mas podia bloquear as águas que são sua responsabilidade. Ou atacar navios como a comunidade internacional alega que fez no passado. Em ambos os cenários, os EUA e outros países da região responderiam rapidamente. Além disso, o Irão também depende das exportações de petróleo, não podendo arriscar ficar totalmente sem esse rendimento..Guerra por procuração.Ao contrário dos EUA, que têm o apoio da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos, do Egito ou de Israel, o Irão é um dos países mais isolados, tendo principalmente atores não estatais como aliados..Além disso, atua "por procuração" em vários conflitos, patrocinando várias milícias xiitas e outros grupos. Teerão ajuda o Hezbollah no Líbano, os rebeldes houtis no Iémen e o regime de Bashar al-Assad na Síria, além dos iraquianos da Khaitab Hezbollah, cujo líder, Abu Mahdi al-Muhandis, foi morto no mesmo ataque que Soleimani..Ao fornecer material a estes grupos (mísseis e drones), o Irão alarga também a sua possível área de atuação e de lançamento de ataques..Os especialistas acreditam que a resposta iraniana será no Iraque, aumentando mais a situação de caos com o objetivo de expulsar as forças norte-americanas - os deputados iraquianos já votaram nesse sentido. A milícia xiita iraquiana também já prometeu reagir à morte do seu líder..Mas o Líbano, atualmente em crise política e económica, deverá sofrer também as consequências. O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse que os militares norte-americanos "vão pagar o preço" pelo ataque de drone que matou o general Soleimani..A ideia do Irão será atuar de forma a poder sempre negar o seu envolvimento..Ciberataques.O programa nuclear iraniano sofreu em 2010 um revés, tudo por causa de um vírus informático, o Stuxnet, que obrigou a encerrar as mil centrifugadoras espalhadas pelo país. O vírus foi desenvolvido pelos EUA e por Israel e o ataque, bem-sucedido, acabou por revelar a existência de uma estratégia cibernética contra o Irão..Mas o contrário também é verdade, com o Irão a desenvolver a sua capacidade de ataque cibernético e a realizar várias operações nos últimos anos - incluindo contra alvos norte-americanos. Em 2014, os piratas informáticos iranianos atacaram o casino Sands, do magnata Sheldon Adelson (um dos maiores apoiantes dos republicanos), depois de este sugerir que os EUA deviam fazer explodir uma bomba atómica no meio do deserto iraniano para marcar uma posição. O ataque destruiu quase todos os servidores da empresa em Las Vegas e recuperar custou mais de 40 milhões de dólares..Desde então, os piratas iranianos têm multiplicado os seus ataques, incluindo contra a campanha presidencial nos EUA, universidades, jornalistas, bancos e até uma barragem nos arredores de Nova Iorque. Num mundo cada vez mais dependente dos computadores, o impacto que este tipo de ataques pode ter é enorme..Desde a morte de Soleimani, um site federal norte-americano, do programa que disponibiliza todas as publicações de governo nos EUA (Federal Depository Library Program), foi alvo de ataque e substituído por mensagens pró-iranianas e antiamericanas.