Um anúncio de jornal chamou a atenção de António Sampaio de Almeida, há uns meses. Era o Estado que abria à concessão o antigo Convento de Santo António dos Capuchos, que há décadas está abandonado, em ruínas, no centro da cidade de Leiria. O empresário acabou por desafiar dois amigos da região - Carlos Martins Oliveira e Paulo José Sousa - a apresentar aquela que seria, afinal, a única proposta: um hotel de charme, com 50 quartos, piscina e restaurante, numa concessão do Estado português válida por 50 anos, ao abrigo do Projeto REVIVE, tornando-se este Eo sexto concurso a ser adjudicado, no total dos 16 imóveis..E foi com toda a pompa e circunstância que decorreu a assinatura do contrato de concessão daquele edifício, ontem de manhã, em Leiria, com a presença do ministro adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, além das secretárias de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, e da Defesa, Ana Santos Pinho..António Sampaio de Almeida falou na cerimónia em nome do grupo de promotores, e logo ali deu um sinal de como aquele negócio era especial para ele: "Foi aqui, neste mercado de Santana (quando funcionava como tal), que comecei a minha vida na hotelaria. Era aqui que vinha comprar os legumes e as frutas", revelou o empresário, antes mesmo de fazer a apresentação de todo o projeto..Mais tarde, haveria de contar ao DN como achou que aquele anúncio de jornal abria uma oportunidade e "tinha potencial - arranjar uma sala de visitas simpática para que os leirienses possam receber quem os visita". De resto, o empresário chama a terreiro a parceria com o município, certo de que "os leirienses têm de ser os primeiros a usufruir disto, a todos os níveis, até a nível cultural", deixando em aberto a possibilidade de ali vir a realizar concertos e outras atividades culturais..Em números redondos, o concessionário estima que o investimento total para a recuperação do edificado deverá rondar os 4,5 milhões de euros, sendo a renda anual de 40 mil euros. Sampaio de Almeida sabe que o investimento "é de retorno longo". "Não é de atar e pôr ao fumeiro. A hotelaria não é como fazer uma loja de vender roupinhas", conclui, no final da visita às ruínas do antigo convento..Estamos no coração do bairro dos Capuchos (que aliás recebeu o nome por via da ordem religiosa que habitou o convento), que nos anos 1970 se tornou o mais nobre de Leiria, com a cidade aos pés. Nos tempos que correm, a maioria dos apartamentos está arrendada (a estudantes, sobretudo), num processo de transferência que levou as famílias abastadas para urbanizações de moradias, nos arredores da cidade.."Gosto muito de Leiria, sempre a senti como a minha segunda terra", diz ao DN o empresário natural de Ourém, que já é proprietário de outros quatro hotéis, entre Fátima e Lisboa. Afinal de contas foi ali que estudou, no antigo liceu, e foi ali também que nasceram os filhos. "Adoro Leiria e sempre me senti aqui muito bem." Além de uns terrenos, não tinha negócios na cidade. Espera que nos próximos seis meses seja possível avançar com as obras, lembrando que "tudo depende do conjunto de entidades envolvidas, que são muitas". E da reabilitação do edifício..Mais de um século de abandono.A construção do Convento de Santo António dos Capuchos data de 1657, com elementos arquitetónicos típicos dos conventos capuchinhos. Em 1770 viria a ser alvo das primeiras grandes obras de ampliação, quando foram acrescentados os corpos laterais e os portais barrocos. Já no século XIX foi de novo alvo de obras de ampliação, que lhe haviam de conferir a disposição atual, com o edificado em volta do claustro e do pátio. Ambos são hoje um imenso silvado, e é assim há muitos anos. Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, o convento ficou na posse do Estado, que o transformou em hospital militar, por volta de 1864..A última grande restauração aconteceria já no século XX, em 1904. Mas foi também aquela que lhe abriu caminho para a ruína. "Iniciava-se um calvário de atribulações. O abandono, a dispersão dos bens, a transformação em hospital, a profanação da capela com o advento da República, a conversão em arrecadação regimental e mesmo em aviário!", conta o investigador Fernando Larcher no prefácio do livro O Convento de Santo António dos Capuchos - Contributos para a Sua História, da autoria de Rute Xavier Guerreiro..A derrocada final acabaria por acontecer já depois da Revolução de Abril. "No verão de 1979, era arrasada em horas inusuais a capela de Santo António, na cerca do Convento, conseguindo provocar a indignação que trouxe durante dias a imagem às montras de lojas", sublinha Fernando Larcher. Três anos depois, em 1982, ele próprio haveria de alertar para a degradação numa intervenção na Assembleia da República. O antigo convento dos Capuchos estava transformado "em aviário do exército". "Foram levantadas tampas sepulcrais nos claustros para plantar couves nos canteiros que outrora haviam sepultado frades." A revelação bombástica surtiu algum efeito. O edifício acabou por ser classificado, e três anos depois seria estabelecida uma zona especial de proteção.."Mas sabemos bem da insuficiência destas medidas quando reduzidas a si próprias, e que não é dom das classificações per si salvaguardarem ou reabilitarem o património", acrescenta na obra o investigador. De resto, a secretária de Estado da Defesa, Ana Santos Pinho, seria a primeira a insistir nessa tecla, considerando aquele exemplo como "a consagração do Projeto REVIVE, que é "dar uma nova vida e oportunidade aos edifícios históricos"..Também o ministro Pedro Siza Vieira alinha nessa ideia, enquanto faz um apelo aos investidores "para que participem nestes concursos". Neste momento decorrem nove similares: Casa de Marrocos, em Idanha-a-Nova, Mosteiro de Arouca, Convento de São Francisco (Portalegre), Quartel do Carmo (Horta, Açores), Convento do Carmo (Moura), Convento de Lorvão (Penacova), Quinta do Paço de Valverde (Évora), castelo de Vila Nova de Cerveira e Quartel da Graça, em Lisboa.