Portugueses são dos europeus com menos capacidade para pagar contas
O bem-estar financeiro dos portugueses diminuiu de 2019 para 2020. Se quanto à literacia financeira Portugal está entre os dez primeiros numa lista de 24 países europeus, a verdade é que em indicadores como capacidade para pagar as contas e poupar para o futuro estamos mais próximos do fim da tabela.
2020 vai ficar gravado nos livros de História como o ano em que uma doença (covid-19) paralisou grande parte do mundo, levando a confinamentos gerais ou parciais durante semanas, com efeitos na economia, nas sociedades e na saúde. Apesar de já serem claros os primeiros efeitos - como a subida do desemprego, apesar dos apoios concedidos pelos vários governos -, o retrato completo está longe de estar finalizado.
2019 foi de crescimento económico para Portugal, dando assim continuidade a uma trajetória já com alguns anos depois de, no início da década, o país ter mergulhado numa recessão, resultante da crise da dívida soberana, e que levou ao resgate por parte dos parceiros internacionais. A pandemia contagiou a economia nacional, tal como as principais congéneres mundiais.
O barómetro da Intrum, empresa que faz gestão de cobranças e recuperação de créditos, tem como objetivo medir e comparar o bem-estar financeiro dos consumidores - definido como a segurança financeira para enfrentar gastos diários necessários e ter o controlo das suas finanças - em 24 mercados europeus. Neste ranking, Portugal ocupa na classificação geral a 19.ª posição, estando à frente de cinco países: Hungria, Polónia, Espanha, Itália e Grécia.
Olhando para os três indicadores analisados, é possível perceber que os portugueses estão preocupados com a literacia financeira. Segundo a Intrum, "houve uma evolução positiva de Portugal em relação à edição do ano passado, quando falamos de literacia financeira. Da 14.ª posição em 2019, passou para a 8.ª posição da tabela dos 24 países europeus analisados no nosso estudo".
Por outro lado, no que diz respeito à capacidade para pagar contas, o país está em 22.º lugar nesta tabela, integrando assim o grupo dos três últimos classificados. "Em Portugal, os grupos etários entre os 22 e os 44 anos são os que revelam maiores constrangimentos para pagarem as suas contas nos prazos, 32%. A média é de 25% em Portugal. 28% das mulheres portuguesas afirmam que não pagaram uma ou mais contas nos prazos, nos últimos 12 meses, valor mais baixo comparado com a média europeia, 32%", pode ler-se no estudo.
Quanto à capacidade de poupar para o futuro, "Portugal continua a não ter uma posição muito animadora", estando em 19.º lugar, tendo baixado uma posição na classificação em relação a 2019.
"Em Portugal, há mais homens a conseguirem fazer poupanças mensais do que mulheres. Despesas inesperadas aparecem no topo dos motivos para poupar. Uma eventual perda do emprego, é uma preocupação que se acentua nos grupos de indivíduos com idades entre os 22 e os 54 anos", diz a Intrum.
Como parte da análise, o estudo aferiu o impacto da covid-19 no rendimento das famílias. No caso de Portugal, "49% dos homens dizem que o seu rendimento diminuiu como resultado da covid-19, valor substancialmente superior à média europeia, que é de 36%". Para tentar minimizar os efeitos desta quebra, o corte de gastos em bens não essenciais foi a mais referida.
Tal como outros países, Portugal adotou um sistema de moratórias de crédito no início da pandemia, permitindo às famílias adiar os pagamentos dos empréstimos à habitação. O estudo mostra que, dos inquiridos em Portugal, quando questionados sobre que pagamentos ou contas adiaram ou suspenderam, 54% indicaram que foi o pagamento de habitação (pode ser empréstimo ou arrendamento). Este valor está acima da média europeia, que é de 41%. Em segundo lugar, no caso português, está o pagamento do cartão de crédito, descoberto e empréstimos pessoais, com 29%, abaixo da média europeia de 44%. O pagamento do crédito automóvel surge na terceira posição.
A Alemanha é o principal motor da economia da zona euro. Ainda assim, sente também em 2020 os efeitos da pandemia de covid-19. Com a necessidade de voltar a implementar fortes medidas restritivas aos seus cidadãos para tentar travar a expansão da segunda vaga da pandemia, Berlim tem injetado milhares de milhões de euros na economia, não esquecendo as famílias.
A Intrum, que realizou este estudo, explica que "as medidas de estímulo e os esquemas de proteção ao emprego parecem ter protegido os rendimentos das famílias e permitiram aos consumidores continuarem a pagar as suas contas nos prazos. Os consumidores alemães são conhecidos pelos seus gastos pragmáticos e foco na poupança, o que se reflete na classificação de topo do país no pilar poupança para o futuro".
Na classificação geral, a Alemanha mantém a primeira posição. Nos três critérios em análise, os germânicos lideram a tabela na capacidade para pagar as contas e estão em segundo lugar, atrás apenas dos suecos, no que diz respeito às poupanças para o futuro. Contudo, na literacia financeira, a Alemanha caiu em 2020 para a 16.ª posição.
Este estudo mostra ainda que os estados bálticos "resistiram à crise de covid-19 melhor do que se esperava". "As restrições à atividade económica tiveram um impacto significativo nos níveis de consumo e emprego, mas um rácio relativamente baixo de endividamento/rendimento familiar em todos os países bálticos, combinado com um forte desempenho de educação financeira, coloca os consumidores desta região bem melhor posicionados do que muitos para recuperarem financeiramente da crise de covid-19."
Em contraste, mostra o estudo, o endividamento das famílias do sul da Europa - que já existia antes da crise - tal como a instabilidade financeira dos consumidores, "tem sido agravado pela pandemia de covid-19, e os países incluindo a Itália, Espanha e Grécia caíram na classificação do barómetro deste ano".
Quanto a Itália, a economia já tinha registado no final do ano passado "um fraco desempenho". "As fortes contrações nos níveis de emprego verificadas entre abril e maio de 2020 têm dificultado a capacidade dos consumidores de pagar as suas contas e poupar."
"A Grécia, cuja taxa de desemprego é a mais elevada da Europa e cuja taxa de poupança líquida do agregado familiar era de -15,1% em 2018 (a mais baixa da Europa), não se moveu do fundo da classificação, com má pontuação quer na capacidade dos consumidores de pagar as contas a tempo, quer na capacidade de poupar para o futuro", indica a Intrum.
Ana Laranjeiro é jornalista no Dinheiro Vivo