"Não à violência destruidora, sim à paz e à reconciliação!" O Papa Francisco saudou em Maputo, no primeiro de dois dias de visita a Moçambique, o acordo de paz assinado há um mês e defendeu a igualdade de oportunidades e a solidariedade para evitar um regresso à violência..Na primeira paragem de uma viagem que o levará também às ilhas de Madagáscar e da República da Maurícia, o Papa espera que o "acordo de cessar-fogo definitivo entre irmãos moçambicanos" seja um "marco decisivo". Um acordo de paz foi assinado em 6 de agosto entre o governo de Maputo e a Renamo, o movimento armado que se tornou o principal partido da oposição. A guerra civil terminou há 27 anos, mas a Renamo não chegou a desarmar..O Papa prestou homenagem aos "esforços que têm sido feitos durante décadas para restaurar a paz à normalidade" e registou os progressos alcançados na educação e na saúde num dos países mais pobres do mundo..Mas "sem igualdade de oportunidades as várias formas de agressão e guerra encontrarão terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, causará a explosão", alertou, perante o presidente moçambicano Filipe Nyusi e o líder da Renamo Ossufo Momad. "Não desistam do esforço, enquanto houver crianças e adolescentes sem instrução, famílias sem teto, trabalhadores desempregados, camponeses sem terra", insistiu Francisco, cujas deslocações em Maputo foram recebidas por multidões entusiásticas..À comunidade católica, na renovada catedral da Imaculada Conceição, o Papa pediu à comunidade religiosa católica que indique o caminho do diálogo e evite "ser parte do problema das rivalidades, do desprezo e das divisões entre si"..No pavilhão do Clube de Desportos do Maxaquene, cinco mil jovens, cristãos, muçulmanos e hindus, receberam-no a cantar "reconciliação"..Num encontro que durou cerca de uma hora, Francisco começou por destacar a alegria dos moçambicanos - "como faz falta, em alguma regiões do mundo, a vossa alegria de viver!" - bem como da importância da juventude. "Precisam saber disso, precisam acreditar nisso: vocês são importantes! Mas com humildade, porque não são apenas o futuro de Moçambique ou da Igreja e da humanidade; vocês são o presente de Moçambique. Com tudo o que são e fazem, já estão a contribuir para ele com o melhor que hoje podem dar.".Jorge Bergoglio aconselhou os jovens a não matar os seus sonhos caindo em "resignação e ansiedade, duas atitudes que roubam a esperança". Deu como exemplos de inspiração e abnegação dois grandes desportistas: Eusébio da Silva Ferreira, o Pantera Negra, e Maria de Lurdes Mutola.."A paz é um processo para o qual vocês também são chamados a avançar", disse o Papa num discurso centrado na reconciliação.."Uma família destrói-se pela inimizade. Um país destrói-se pela inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra porque são incapazes de sentar e falar. Sejam capazes de criar a amizade social". E citou o provérbio africano "Se quiseres chegar depressa, caminha sozinho; se quiseres chegar longe, vai acompanhado.".No final de um discurso pacifista, a "arma da solidariedade" foi a única referência bélica. "A solidariedade é a melhor arma para transformar a história", concluiu..À saída do encontro inter-religioso, os jovens mostraram-se emocionados. "Ele disse que ninguém deveria roubar de nós a nossa juventude", "Senti-me honrado pela sua simples presença, não é todos os dias que vemos o Papa", disse Wetla Bazo, 17 anos, à AFP. "O Papa explicou-nos que a ansiedade é um fator de destruição dos nossos sonhos", resumiu Farida Mahango, uma muçulmana de 27 anos. "A paz é a única forma de desenvolver o nosso país.".Eleições em pano de fundo.O Papa programou a viagem a Moçambique, a Madagáscar e à Maurícia sob o lema da paz, embora adaptado a cada país. Se no país de língua portuguesa o mote é "Esperança, paz e reconciliação", em Madagáscar é "Semeador de paz e esperança" e na Maurícia, onde chega dia 9, é "Peregrino da paz"..Na quinta-feira, Francisco manteve no palácio presidencial da Ponta Vermelha um encontro privado com o presidente Filipe Nyusi, candidato a um segundo mandato e cujos cartazes eleitorais estão omnipresentes nas ruas. As eleições decorrem no dia 15 de outubro e a campanha eleitoral arrancou nesta semana. Depois, em frente do presidente, mas também de outros dirigentes políticos e diplomatas, o Papa advertiu: "Quando [uma nação] abandona na periferia uma parte de si mesma", não há políticas nem "forças de autoridade ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade"..Há um ano, no Vaticano, Francisco e Nyusi defenderam a fraternidade entre moçambicanos como "guia no diálogo" com a Renamo, lembrou o chefe de Estado moçambicano. Porém, Nyusi advertiu que a paz duradoura está ameaçada na província de Cabo Delgado, no norte do país, que há dois anos sofre com o extremismo islamista que já matou mais de 300 pessoas..A visita de Francisco durante a campanha eleitoral e com um novo acordo de paz assinado tão recentemente - e posto em causa pela junta militar da Renamo - causa alguma surpresa. Mas há um precedente e num contexto mais complicado. Esta é a segunda viagem apostólica de um chefe máximo da Igreja Católica, depois da visita de João Paulo II, em 1988. O país estava então em guerra civil e a visita terá dado frutos para o processo negocial, na qual a Igreja, através da Comunidade de Santo Egídio, foi mediadora, tendo desaguado no acordo de paz assinado em Roma, em 1992..Na sexta-feira, o Papa preside a uma missa campal no estádio de Maputo.