Num país com 30 partidos no Congresso Nacional, fora aqueles sem representação parlamentar e os 77 à espera de aprovação do Tribunal Eleitoral para nascer, a notícia de uma fusão é rara. Mas acontece. No final de setembro, o DEM, partido da direita tradicional, e o PSL, formação liberal que abrigou Jair Bolsonaro em 2018, resolveram juntar-se no União Brasil, partido que, no mínimo, será decisivo no poder legislativo e na corrida aos governos estaduais e, no máximo, pode até eleger o novo presidente da República.."É obvio que o nosso desejo é que o novo partido nasça como o maior e o mais importante do Brasil, não apenas em número de parlamentares, mas em governadores para 2022, e tenha possibilidade de criar um projeto nacional próprio até porque a prioridade será lançar um candidato a Presidência da República", disse Antônio Carlos Magalhães Neto, mais conhecido na política brasileira por ACM Neto, e presidente de um dos cônjuges, o DEM.."Queremos ter papel relevante em 2022", acrescentou Antônio de Rueda, vice-presidente do outro noivo, o PSL, cujo presidente, Luciano Bívar, assumirá a liderança oficial do União Brasil.."Esta união vai dar uma sacudida no campo do centro brasileiro, há muitos que não desejam apenas esse quadro de polarização, com Lula e Bolsonaro, mas, a meu ver, a criação do partido surge para que o Brasil possa ter outras opiniões", concluiu ACM Neto..O DEM, ou Democratas, partido conservador nos costumes e liberal na economia fundado em 1985, é um dos herdeiros do ARENA, o partido de sustentação da ditadura militar. Desde a redemocratização, participou nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, oferecendo o vice-presidente, Marco Maciel, e no de Michel Temer, como partido com mais ministérios, sendo oposição nos 13 anos do PT, de Lula da Silva e Dilma Rousseff, no poder..O PSL, Partido Social Liberal, foi criado em 1994 com ideologia semelhante mas teve papel discreto na democracia brasileira até em 2018 abrigar o candidato à presidência vencedor, Jair Bolsonaro, com quem romperia no ano seguinte, e se tornar a maior bancada da Câmara dos Deputados..Juntos, DEM e PSL teriam 81 deputados, o que os tornaria a maior força, com larga margem, da Câmara, e sete senadores, ou seja, a quarta bancada do Senado. Em número de governadores estaduais chegam a quatro, dividindo a liderança com o PT, e em prefeitos, somam 562, no quarto lugar geral..O problema é que em política um mais um não são dois. A aliança levará à debandada daqueles que no DEM e no PSL ainda apoiam o governo Bolsonaro. "O União Brasil é um partido grande mas que nasce rachado porque ambos, DEM e PSL, já estavam divididos anteriormente entre bolsonaristas e não bolsonaristas", regista Mayra Goulart, professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em conversa com o DN.."Esta fusão e outras que possam acontecer, num país com tantos partidos, entretanto, é um reflexo da reforma eleitoral de 2017, cujo objetivo foi evitar a fragmentação do legislativo, através da diminuição de incentivos aos partidos pequenos, porque essa fragmentação era considerada um obstáculo à governabilidade", afirma.."Esta, particularmente, tem como objetivo aumentar o acesso do DEM aos recursos do fundo público partidário do PSL, atualmente com a maior bancada da Câmara dos Deputados, e, em contrapartida, dar ao PSL uma veste mais tradicional porque o DEM é um partido existente desde a Nova República e com participação em governos".."Em paralelo, aumentam a possibilidade de eleição de governadores, por um lado, e de deputados e senadores, por outro", diz ainda a politóloga, que não acredita numa candidatura própria à presidência. "Eu acho que eles vão liberar os membros a votar em quem entenderem, eles têm uma relativa coerência ideológica, no sentido em que são ambos de direita, mas têm sobretudo interesses eleitoreiros"..O cientista político Alberto Carlos Almeida alinha pelo mesmo pensamento. "De acordo com o que vou conversando com políticos em Brasília, o principal objetivo deste partido é eleger deputados, não o presidente", diz ao DN..Para Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado, "se o plano presidencial não der certo, o União Brasil será sempre o grande fiel da balança no legislativo nos próximos anos e vai influir no governo do próximo presidente, exigindo ministérios em troca de apoio a votações no Congresso, seja esse presidente Lula ou Bolsonaro ou outro"..Mas, defende o académico ao DN, tem de se levar a sério o discurso dos membros do DEM e do PSL de que o União Brasil pretende mesmo concorrer ao Palácio do Planalto e, quem sabe, tornar-se protagonista dessa corrida. "O União Brasil, que nasce como maior partido do Congresso, com a intenção de se tornar uma espécie de Partido Conservador britânico mas em versão tropical, vai tentar capitalizar o eleitor de direita que está dececionado com Bolsonaro".."Nessa perspetiva, terá muito espaço para lançar um candidato, conforme ACM Neto deixou claro com todas as letras", sublinha Vieira.."Pode ser [o ex-ministro da Saúde] Luiz Henrique Mandetta, que já é do DEM mas, porém, não é alinhado com ACM Neto, pode ser [o presidente do Senado] Rodrigo Pacheco, que também é do DEM mas que, contudo, ainda pode migrar para outro partido, ou, quem sabe, pode ser até [o governador de São Paulo] João Doria, se perder as prévias do seu atual partido, PSDB, para [o governador do Rio Grande do Sul] Eduardo Leite e decidir encontrar abrigo em cima da hora no novo partido"..Em resumo, para Vieira, "um candidato com nome carismático e apelativo do União Brasil tem condições de tirar Bolsonaro da segunda volta e, dessa forma, até eleger o novo presidente da República porque atrairia os órfãos do bolsonarismo contra Lula"..A um ano da eleição - a primeira volta está marcada para 2 de outubro de 2022 e a segunda, caso necessário, para dia 30 - nem só a União Brasil e os candidatos declarados, como Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes e outros, se movem..Sérgio Moro, juiz cuja sentença impediu Lula de concorrer em 2018 e superministro da segurança e da justiça de Bolsonaro até 2020, vem mantendo reuniões com o que se convencionou chamar de candidatos da terceira via, ou seja, que rejeitam Lula e Bolsonaro..Encontrou-se com Mandetta, Doria e João Amoêdo, quinto mais votado em 2018 pelo liberal Partido Novo, de cuja presidência foi, entretanto, afastado, e o partido Podemos, que lhe abriu as portas..Nas redes sociais, a hashtag #Moro2022 chegou a ser uma das mais comentadas na rede social Twitter entre os dias 23 e 24 de setembro, quando se noticiou que o ex-juiz e ex-ministro, hoje quadro da empresa norte-americana de recuperação de empresas Alvarez & Marsal, saiu de Washington, onde trabalha, e foi ao Brasil. E em Maringá, terra natal do eventual candidato, o grupo Médicos com Moro ergueram um outdoor a chamá-lo de "esperança do Brasil"..Para a maioria dos observadores, no entanto, é mais provável que Moro arrisque candidatura ao Senado do que ao Planalto.