Especialista em estudos islâmicos e Médio Oriente, Fabrice Balanche é diretor de investigação na Universidade Lyon 2 e professor convidado no The Washington Institute..Em entrevista ao DN, por e-mail, o académico diz compreender a posição de Trump face à Europa no caso dos combatentes estrangeiros capturados na Síria. Mas também diz perceber a atitude de países como o Reino Unido e a França. O primeiro recusou aceitar de volta a jovem britânica Shamima Begum, que fugiu de casa para se juntar ao Estado Islâmico, tendo dado à luz recentemente num campo sírio o seu terceiro filho. O segundo passou para o Iraque a tarefa de julgar os jihadistas franceses que se juntaram ao Estado Islâmico e foram capturados na Síria..Quase oito anos após o início da guerra na Síria, Balanche admite que o grande vencedor do conflito é o presidente sírio, Bashar al-Assad, embora com o apoio do Irão e da Rússia. Na segunda-feira, Assad fez a sua primeira viagem oficial para o exterior, em quase oito anos, deslocando-se ao Irão, precisamente, onde se encontrou com o ayatollah Ali Khamenei e com o presidente iraniano Hassan Rouhani..O presidente dos EUA, Donald Trump, disse que os países da União Europeia têm de aceitar de volta cerca de 800 combatentes estrangeiros do Estado Islâmico capturados na Síria, caso contrário eles poderão ter de ser libertados. Isto é chantagem? Ou é uma forma de lembrar aos europeus que a guerra contra o terrorismo também é da sua responsabilidade?.Sim, ele lembra aos europeus que têm de carregar a sua quota-parte do fardo. Recorda-os também que a Europa forneceu milhares de combatentes ao Estado Islâmico e, por isso, tem de questionar as suas políticas de migração e de integração dos muçulmanos. Os EUA são acusados pelos europeus de abandonar os curdos da Síria, mas Donald Trump enfatiza o facto de a Europa não enviar tropas para a Síria e de nem sequer ser capaz de tomar conta dos seus jihadistas..Nalguns países da UE, como o Reino Unido, os políticos parecem não concordar com o regresso dos seus nacionais. O que acha que deve acontecer a pessoas como Shamima Begum?.Os países europeus são Estados de direito: condenar as pessoas requer provas e é muito difícil conseguir provar que os regressados cometeram crimes. O sistema judiciário europeu não é capaz de dar resposta a milhares de regressados. Serão condenados a penas leves quando comparadas com os seus crimes. Mesmo aqueles que cometeram atrocidades não arriscam ser condenados à pena de morte porque esta foi abolida. Na prisão, vão submeter a proselitismo os outros prisioneiros. Uma vez fora da prisão vão montar células terroristas. Para alguns jovens muçulmanos eles são heróis. O seu regresso à Europa permite-lhes escapar à justiça mais expedita que existe no Iraque ou na Síria. Isso será considerado uma vitória para os apoiantes do Estado Islâmico na Europa..Uma prova das lacunas europeias: eles podem ir para uma guerra contra os seus próprios países e cometer atrocidades, mas graças aos seus passaportes europeus podem escapar sem castigo, ao mesmo tempo em que são repatriados para a Europa. Os regressados até pedem uma segunda oportunidade. Isso é simplesmente inaceitável para as populações europeias que foram vítimas de atentados terroristas..Shamima Begum é um exemplo da fraqueza do nosso sistema judiciário. Ela deve ser julgada no Médio Oriente. Não é mais merecedora de nacionalidade britânica. Ela abdicou da nacionalidade britânica quando se juntou ao Estado Islâmico, não pode mais reivindicar os seus direitos como britânica..Numa conferência de imprensa com o presidente francês, Emmanuel Macron, o presidente do Iraque, Barham Saleh, anunciou que os combatentes franceses do Estado Islâmico serão transferidos da Síria para o Iraque para serem julgados lá. O Iraque está a fazer um favor à França?.A França está muito incomodada porque 1700 franceses juntaram-se oficialmente ao Estado Islâmico. Centenas poderiam regressar e só ficariam uns anos na prisão por falta de provas. Seriam bombas-relógio. Devemos reformar o sistema judiciário e criar prisões especiais para eles, mas isso demoraria demasiado tempo. A solução é deixá-los no Iraque. Se eles regressassem, isso desencadearia uma crise política maior..No passado, alguns países da União Europeia, Portugal foi um deles, receberam antigos prisioneiros de Guantánamo em solidariedade para com os Estados Unidos. E agora recusam receber os seus próprios nacionais? Não vê aqui qualquer tipo de contradição?.O número de europeus em Guantánamo era pequeno, não tem comparação com os milhares de jihadistas de que estamos a falar atualmente. Não há contradição, é simplesmente a magnitude do fenómeno que muda a política dos Estados europeus..Algumas pessoas na Síria, que nunca abandonaram o país durante estes oito anos de guerra, dizem que os combatentes do Estado Islâmico são meros mercenários movidos a dinheiro. O que é que acha que eles são, na realidade, quem os financiou e com que objetivos?.Entre 2012 e o outono de 2013, o Estado Islâmico foi financiado por doadores árabes e pela Turquia porque pertencia à Frente Al-Nusra. Com a rutura com a Frente Al-Nusra, o Estado Islâmico perdeu a sua fonte de rendimento externa, mas ainda assim continuou a haver doadores generosos..O controlo de um território vasto, rico em petróleo e com uma população de cerca de dez milhões de pessoas, garantiu receitas através de impostos, roubo de petróleo e espoliações. Os combatentes estrangeiros do Estado Islâmico não foram motivados por dinheiro mas sim por ideologia..A guerra na Síria entrou no seu oitavo ano. Bashar al-Assad pode ser considerado um vencedor? Ou teria tido o mesmo fim de Muammar Kadhafi na Líbia se não tivesse sido o apoio do Irão, da Rússia e de outros?.Assad claramente venceu a guerra com a ajuda da Rússia e do Irão. Sem este apoio do estrangeiro, ele teria acabado por perder a maior parte do seu território, refugiando-se nalgum enclave alauita na costa da Síria. No entanto, a Rússia apenas interveio diretamente em setembro de 2015. Assad conseguiu aguentar-se durante quatro anos, praticamente sozinho, contra uma rebelião apoiada por Turquia, Arábia Saudita, Qatar, EUA e Europa. Uma parte significativa da população permaneceu ao seu lado, ao contrário de Kadhafi, que perdeu todo o seu apoio popular.