O FC Porto vai a votos durante este sábado e domingo, num ato eleitoral dividido em dois dias devido à pandemia de covid-19. Pinto da Costa corre para o seu 15.º mandato como presidente do clube e, pela primeira vez, terá dois concorrentes num ato eleitoral: José Fernando Rio e Nuno Lobo. Uma novidade, até porque nos 38 anos que leva na liderança dos dragões só o médico Martins Soares desafiou o atual presidente com duas idas às urnas, em 1988 e 1991..Pinto da Costa foi eleito a 17 de abril de 1982. E já nessa altura foi sozinho às urnas, pois alguns dias antes o banqueiro Afonso Pinto de Magalhães retirou a sua candidatura, mantendo apenas a lista ao Conselho Superior, que acabaria por ser derrotada, conseguindo apenas 687 votos, naquele que foi o ato eleitoral mais concorrido da história dos dragões, com 4573 votantes num universo de 38 mil sócios. A afluência foi de tal ordem que, na tarde desse sábado, os boletins chegaram a esgotar, o que obrigou a uma complicada operação logística por parte da mesa da assembleia geral..Ao final do dia, Pinto da Costa era um homem feliz por, finalmente, chegar ao poder, sucedendo a Américo de Sá, com quem iniciou uma guerra um ano e nove meses antes. "Atendendo a que havia só uma lista, esta presença dos associados excedeu largamente a minha expectativa, embora me venha dar razão quando digo que não há uma massa associativa participativa e dedicada como a nossa", começou por dizer o então novo presidente do FC Porto, para depois assumir uma nova estratégia de liderança do clube: "É preciso que os dirigentes saiam à rua, para ouvir e auscultar, de molde a poderem dirigir em consciência.".As sementes do poder.A chegada de Pinto da Costa ao poder para um longo reinado repleto de títulos nacionais e internacionais, começou a ser preparada nos meses de julho e agosto de 1980, sob a bandeira do confronto com o poder de Lisboa. Américo de Sá estava no seu último mandato como presidente portista e foram as suas ambições políticas que deram início a uma crise sem precedentes no clube, que ficou conhecida como Verão Quente..Os dragões tinham acabado de falhar a conquista do tricampeonato para o Sporting e perderam a final da Taça de Portugal para o Benfica, com José Maria Pedroto como treinador e Pinto da Costa no cargo de chefe do departamento de futebol. Não era um momento fácil. Américo de Sá decidira então apostar na sua carreira política e concorria a deputado à Assembleia da República nas listas do CDS. Só que os discursos tantas vezes inflamados de Pinto da Costa e Pedroto contra o alegado poder dos clubes de Lisboa era algo que queria erradicar do clube até para não afugentar o seu eleitorado. Foi sobretudo por isso que demitiu a dupla que liderava o futebol..Estava lançado o caos, sobretudo quando a 1 de julho metade do plantel não se apresentou, como estava previsto, para iniciar os trabalhos para a nova época, às ordens do novo treinador, o austríaco Hermann Stessl. Em vez das Antas, Adelino Teixeira, António Oliveira, António Lima Pereira, Frasco, Carlos Simões (voltou atrás na decisão e apresentou-se no FC Porto), Fernando Gomes, Freitas, Jaime Pacheco, Quinito, Otávio Machado, Romeu, Albertino, José Alberto Costa, António Sousa e Tibi foram para Santa Cruz do Bispo, onde se treinavam por sua conta e risco em solidariedade com os dois homens, sobretudo Pinto da Costa, que definiam como alguém que servia o clube "com honra, devoção, coerência, honestidade de processos e grandeza de carácter". Os jogadores assumiam ainda que sentiam ter recebido uma facada nas costas por parte da direção do FC Porto quando decidiu afastar o chefe do departamento de futebol..Esta autêntica "guerra civil" foi entretanto apimentada com algumas farpas trocadas pelos dois lados da barricada. "Mais uma vez fica provado que Américo de Sá queria entrar na Assembleia da República com a cabeça de Pinto da Costa debaixo do braço, mas em vez disso leva na testa o grande letreiro de traidor", disse Pedroto, que era considerado um grande mestre neste tipo de guerrilha, saltando em defesa do amigo..Pinto da Costa não se ficou atrás e também partiu para o ataque: "Américo de Sá disse-me que nos teríamos de condicionar a Lisboa." O presidente teve de se defender garantindo a pés juntos que nunca tinha dito tal coisa. "Jamais afirmei que o FC Porto deveria render-se ao poder de Lisboa. Apenas disse que não aceitava mais que o FC Porto entrasse em guerras como aquelas que fizeram os senhores Pinto da Costa e Pedroto", frisou o líder dos portistas, ainda longe de imaginar que estava a traçar o seu destino no clube..Pinto da Costa à espera.Foram tempos de tensão, com os futebolistas a denunciarem chantagens e ameaças de rapto dos seus filhos. A 6 de agosto terminou a revolta, com o porta-voz, o extremo José Alberto Costa, a anunciar as tréguas: "Vamos dar as mãos e esquecer o que se passou." E assim foi quando Rodolfo Reis, o líder da outra fação do plantel, se juntou ao tom apaziguador dos dissidentes..Apenas dois jogadores mantiveram a posição até final: António Oliveira, que pediu a rescisão do contrato e foi para Penafiel como treinador-jogador, e Octávio Machado, que regressou ao V. Setúbal. Fernando Gomes também não ficou no plantel, mas porque Américo de Sá vendeu-o ao Sporting Gijón por 40 mil contos. Foi já em Espanha que o goleador fez alguma luz sobre aquilo que se passou no Verão Quente. "Recebíamos dinheiro suficiente para podermos viver, enquanto mantivéssemos a atitude de dissidência. Esse dinheiro vinha, naturalmente, de figuras ligadas ao FC Porto. Pinto da Costa e Pedroto não eram os nossos patrões, mas nós esquecíamos esse aspeto da questão porque só eles estavam connosco e por isso devíamos-lhes solidariedade", explicou na altura..Dois anos depois, Gomes acabaria por regressar ao FC Porto poucos meses depois da eleição de Pinto da Costa, tal como José Maria Pedroto que deixou o V. Guimarães, onde esteve no "exílio" à espera da ordem para voltar às Antas. Em abril de 1982, Américo de Sá terminava o seu reinado de dez anos à frente dos dragões, iniciando-se uma mudança profunda no clube. O primeiro título só chegaria a 1 de maio de 1984, a Taça de Portugal frente ao Rio Ave, que marcou o início de uma nova e longa era..Dois dias para votar.Covid-19 também entra na eleição do presidente dos dragões. José Fernando Rio e Nuno Lobo desafiam Pinto da Costa nas urnas, num ato eleitoral dividido e com restrições..Os sócios do FC Porto vão escolher quem querem a liderar o clube entre hoje e amanhã, das 10.00 às 19.00. A mesa da assembleia geral optou por dividir o ato eleitoral por dois dias, para "evitar aglomerados" de pessoas nas filas para votar e assim permitir que todos os que quiserem exercer o direito de voto o possam fazer sem violar as regras sanitárias em vigor devido à pandemia de covid-19..O ato eleitoral decorrerá no pavilhão do clube, o Dragão Arena, que será desinfetado e terá gel desinfetante em cada uma das cabinas de voto. Os sócios portistas terão de usar máscara no interior do recinto e cumprir a distância de segurança recomendada, tendo o clube recomendado que levem uma esferográfica de casa para assinalar o sentido de voto. Já as urnas serão lacradas no final do primeiro dia e guardadas por seguranças e agentes da PSP..Desta vez, Pinto da Costa, que chamou Rui Moreira e Vítor Baía para a sua lista, terá oposição. O atual presidente concorre, por um lugar que é seu desde 1982, contra José Fernando Rio e Nuno Lobo. Estes são os três candidatos à presidência dos dragões, que irão aparecer no boletim de voto, por esta ordem: Lista A - Pinto da Costa; Lista B - Nuno Lobo; Lista C - José Fernando Rio. Depois há ainda uma lista denominada Por Um Porto Insubmisso, Eclético e Triunfante e liderada por Miguel Brás da Cunha, que se apresenta só ao conselho superior e ficou com a letra D..O ato eleitoral estava marcado para 18 de abril, mas o estado de emergência associado à pandemia de covid-19 obrigou ao adiamento. Foi depois decidido pela mesa da AG que o melhor seria realizar as eleições após o desconfinamento de 1 de junho. O que acontece agora, de forma a repor a legalidade no clube azul e branco, onde os órgãos sociais atuais já cessaram funções.