Óbidos. Dos 2 milhões de turistas por ano aos 870 por dia, como se ergue a vila dentro da muralha
"Nunca na minha vida imaginei isto. Creio que nunca, a ninguém, passou pela cabeça passar por este amargo de boca". Humberto Marques, o presidente da Câmara Municipal de Óbidos, não passou pelo aperto de ver crescer os casos de infeção por covid-19 (este fim de semana não chegavam a meia dúzia os casos ativos), mas vivem o confinamento como "uma sensação de terror. "As pessoas desapareceram".
Num concelho que, através da vila de Óbidos, registavam dois milhões de visitantes por ano, em média 4.000 por dia, a realidade parece agora quase ficção: a carga máxima, em simultâneo, é agora de 870 pessoas dentro da vila. "Para controlar isso - e um bocadinho nesta lógica de smart city - desenvolvemos equipamentos que fazem o controlo de entradas e saídas automaticamente", conta ao DN Humberto Marques, que nota, aos poucos, um regresso das pessoas à vila medieval. De resto, era este o mês do festival medieval - um dos eventos que, a par do festival do chocolate e do Fólio, festival literário - mais gente levava a Óbidos. E para animar os dias dos que, sendo muito menos, passeiam agora pela vida, a Câmara decidiu engalaná-la, do mesmo modo.
"Noto que as pessoas estão a voltar, devagar", sublinha o autarca, que considera não poder ser de outra maneira, "para garantirmos essa segurança, quer aos de dentro quer aos que nos visitam. Não é a situação que nós gostaríamos de ter, longe disso, mas é a que tem que ser. Tem que haver sensatez e equilíbrio".
Para que os turistas regressem e se sintam em segurança, o Município (em conjunto com as autoridades de saúde e os empresários locais) foi ainda mais longe do que indicavam as recomendações da DGS. Instalou máquinas onde é possível comprar máscaras descartáveis, equipamentos de desinfeção de mãos, e ainda uma passadeira - para desinfetar os pés. "É como se estivéssemos a entrar num edifício. Foi assim que encarámos a vila", acrescenta Humberto Marques. A espaços, há ainda a possibilidade de "medir a temperatura, para quem o quiser fazer".
O Plano Municipal de Emergência e Proteção Civil foi ativado em Óbidos "mesmo antes de decretado o estado de emergência", revela ao DN o presidente da Câmara, que desde então não mais parou de manter o concelho em estado de alerta, o que tem sido renovado de 15 em 15 dias. É um dos poucos municípios que insiste em fazê-lo. Termina esta segunda-feira mais um desses períodos, iniciando-se nova declaração na terça-feira, 7 de julho.
"Foi uma postura de procurar antecipar, tanto quanto possível, ao próprio vírus. E temos feito isso por períodos de 15 dias, pela imprevisibilidade. Aquilo que eu possa estar hoje a fazer, é quase impossível saber as consequências do ponto de vista epidemiológico e dos efeitos daqui a três ou cinco dias", conclui o autarca, que vai fazendo ajustamentos, de cada vez.
Por exemplo, no que agora entra em vigor, há ainda uma decisão que está por tomar: se o programa Crescer Melhor (um ATL para as férias de verão) entra ou não nessa equação. Ainda n sei se vou ou não abrir e em que condições", admite.
O resto vai-se manter, com o desconfinamento que tem vindo a implantar, paulatinamente. No último soltou a rede de museus e galerias, fechadas durante meses, e agora aberta.
"O que eu tenho procurado é um equilíbrio entre a questão da saúde e a economia", enfatiza Humberto Marques. "Nesta fase, pese embora o caso de Lisboa e Vale do Tejo, em que os números de infeção são o que sabemos, aqui apesar de tudo não temos tido casos endémicos. Têm sido por contaminação externa".
Nos primeiros meses da pandemia o concelho de Óbidos escapou à covid-19. Já o desconfinamento começara quando surgiram os primeiros casos, no final de maio. O boletim da Autoridade de Saúde Pública apontava este domingo para apenas cinco casos ativos. No total, o concelho de Óbidos registou 16 casos de infeção por covid-19.
Para um concelho onde turismo representava, de acordo com os últimos dados disponíveis (2018) da Pordata, 18% do PIB, a pandemia afigurou-se como um cataclismo. E por isso os empresários locais uniram-se à autarquia no sentido de fazer acontecer um novo rumo. "Fizemos uma reunião, por zoom, com mais de 600 empresários, para perceber o estado da arte. Foi quando decidimos atribuir 1000 vouchers a quem optasse por visitar Óbidos, sobretudo para o mercado nacional, e que fizesse compras". Na prática, Óbidos oferece um vale de 15 euros a quem fizer compras no valor de 30. Paralelamente, está já em marcha o programa "Fique em Óbidos": quem ali pernoitar por três noites paga apenas duas, por exemplo.
"Fomos muito exigentes com quem faz o atendimento ao público. Pedimos os planos de contingência a toda a gente", sustenta Humberto Marques. Quando fala dessa linha que decidiu transpor, além da DGS, aponta, por exemplo, o uso de máscara mesmo em espaço público, mesmo que aberto.
"Foi muito interessante ver os empresários todos a reinventarem-se e a criarem um projeto que ainda não foi apresentado: segredos de Óbidos", diz ao DN o presidente da Câmara, que olha para o atual momento com um sabor agridoce: "Por um lado ter que fechar muito, cancelar tudo, é o lado agro. Depois veio um lado doce - isto é um sonho com duas décadas, o de sistematizarmos um produto turístico, ter articulação entre todos os empresários, recriar Óbidos, e isso afinal aconteceu no contexto da pandemia".
Vale tudo para voltar a ver esplanadas com gente, restaurantes a funcionar, hotéis e lojas em atividade. Humberto Marques acredita que, nesta fase, haverá visitantes que mantenham vivos esses segredos. "Descobrir os sítios mais inusitados e fazer uma oferta a estas pessoas para ficarem encantados. Uma relação personalizada com Óbidos, no fundo, para a qual contamos com a Sociedade Vila Literária, que está a trabalhar nisto, para se reinventar, também".
Comer ao ar livre, assistir a música ao vivo, visitar a Lagoa de Óbidos "num percurso muito pessoal", fazer por lá uma refeição, com a ajuda das empresas de animação turística. Será isto nascer de novo? Humberto Marques acredita que sim.