Um ano após a morte do general Qasem Soleimani, o poderoso líder da Força Quds (a elite dentro dos Guardas da Revolução), num ataque de drones norte-americano no Iraque, o Irão tem multiplicado as palavras e os gestos de provocação: anunciou um aumento do enriquecimento do urânio, apreendeu um petroleiro de bandeira sul-coreana no golfo Pérsico e lançou um exercício militar com drones. A cereja no topo do bolo é meramente simbólica: pediu à Interpol que lance um alerta vermelho para a detenção do presidente norte-americano, Donald Trump, por causa da morte de Soleimani..As ações do Irão são mais um teste a Trump, que em meados de novembro terá pedido aos conselheiros opções para um eventual ataque contra as centrais nucleares iranianas. Na semana passada, os norte-americanos realizaram também voos dos seus bombardeiros B-52 sobre o golfo e, ainda no domingo, os EUA recuaram na decisão anunciada três dias antes de retirar o porta-aviões Nimriz da região. Uma resposta aos avisos feitos na véspera pelo líder dos Guardas da Revolução, Hossein Salami, que prometeu responder a qualquer "ação do inimigo" e a alegadas ameaças contra o próprio Trump..Mas as ações do Irão são também uma mensagem para o futuro inquilino da Casa Branca, Joe Biden, que terá em Teerão um dos seus principais desafios em política internacional. O presidente eleito já deixou claro que quer voltar a abrir os canais diplomáticos com o Irão e regressar ao acordo nuclear que Trump abandonou em 2018. No entanto, para isso, precisa que, do outro lado da mesa, Teerão esteja preparado para fazer o mesmo, nomeadamente que volte a cumprir os compromissos assumidos com esse acordo assinado em 2015. Mas os iranianos querem, primeiro, que sejam retiradas as sanções impostas pelos EUA - ainda no início de dezembro, Trump aprovou mais algumas. E não parecem preocupados com o acordo..Na segunda-feira, o Irão anunciou o início do enriquecimento do urânio a 20% na sua central de Fordow, a pedido do presidente Hassan Rouhani. Um valor que já tinham alcançado antes do acordo de 2015, no qual concordaram, em troca de apoio financeiro, numa meta de apenas 3,67% (que Teerão já tinha também violado, não passando contudo além dos 4,5%). Para o fabrico de uma bomba atómica são precisos 90%. Os restantes signatários do acordo - Alemanha, China, França, Reino Unido, Rússia e União Europeia - alertam para a grave violação, mas mantêm-se dispostos a dialogar. Os EUA falam numa "campanha de extorsão nuclear"..Mas por muito que o Irão chegue a acordo com a futura administração de Biden quanto ao enriquecimento - e o calendário é apertado, já que a campanha eleitoral para as presidenciais iranianas de 18 de junho começa em abril e o tom poderá subir ainda mais de nível - há todo um outro conjunto de atitudes de Teerão, não abrangidas no acordo nuclear, que se tornaram uma preocupação. Entre elas a quantidade crescente de mísseis que tem. Washington considera o programa uma ameaça à estabilidade da região, mas Rouhani já disse que este não é negociável..E depois há ainda os drones que o Irão tem e que não hesita a usar fora das suas fronteiras - em países como o Iraque, a Síria ou o Iémen -, aumentando ainda mais a tensão no Médio Oriente. Ontem, o Irão lançou os seus primeiros exercícios militares com a frota de drones do país. Além de poderem ser utilizados em missões de reconhecimento, em ações de guerra eletrónica ou para lançar munições, os drones também podem ser usados eles próprios como uma arma contra um alvo específico e em missões. Centenas destes aparelhos terão sido utilizados no exercício, que só termina nesta quarta-feira..Os drones são usados na vigilância do importante estreito de Ormuz, por onde passa 30% do comércio mundial de petróleo, e do golfo Pérsico. Foi precisamente no golfo que, na segunda-feira, os Guardas da Revolução anunciaram a apreensão de um petroleiro de bandeira sul-coreana, o Hankuk Chemi, por alegada violação das leis marítimas internacionais. Dizem que o navio transporta 7200 toneladas de produtos químicos derivados do petróleo..Acusado de manter o navio e a tripulação (sul-coreanos, indonésios, vietnamitas e birmaneses) como reféns, o porta-voz do governo, Ali Rabiei, alegou que é Seul que mantém sete mil milhões de dólares do Irão como "refém". Os fundos estão congelados na Coreia do Sul, importante aliada dos EUA, por causa das sanções norte-americanas contra Teerão. Rabiei quis contudo deixar claro que uma coisa não tem nada que ver com a outra. Os sul-coreanos enviaram uma delegação até ao Irão para negociar a devolução do navio e dos tripulantes, ao mesmo tempo que enviaram um contratorpedeiro para próximo do estreito de Ormuz.