O cancro está em forte progressão no mundo. O alerta é da Organização Mundial da Saúde (OMS) e serviu para assinalar o dia (4 de fevereiro) em que se fala da doença a nível mundial. A grande preocupação são os países em desenvolvimento, que integram sobretudo duas regiões do globo, África e América Latina..Em África, o aumento de casos tem assustado as autoridades. De tal forma, que numa reunião recente entre várias primeiras-damas ficou acordado que iriam pedir o aumento de impostos para os produtos que podem estar na origem do aparecimento de tumores. O cancro do pulmão, da mama, do colo do útero e colorretal são dos que aparecem no topo da lista dos mais diagnosticados nesta região do mundo. Na reunião em causa, que ocorreu em Niamey, capital do Níger, à margem da cimeira da União Africana, a porta-voz, a mulher do presidente do Burkina Faso, Sika Bella Kaboré, apelou à "intensificação da luta contra as doenças não transmissíveis", o que se estende a "todas as iniciativas de alto impacto na luta contra o cancro"..As primeiras-damas africanas pediram mesmo a todos os líderes dos países da região que incluíssem "o cancro nos planos estratégicos de desenvolvimento" e que "aumentassem os impostos sobre os produtos cancerígenos, como o tabaco e o álcool"..Há um ano, no mesmo dia 4 de fevereiro, o representante de África na OMS alertava para o facto de o número de casos e de mortes poder duplicar nos próximos 20 anos, devido a diagnóstico tardio, mal feito ou falta de assistência médica. Na altura, vários órgãos de comunicação social referiam que mais de dois milhões por ano poderiam morrer da doença..De acordo com o último o relatório da OMS, que reporta a dados de 2018, o aumento mundial deste tipo de doença nos últimos cinco anos foi da ordem dos 20%. Mais de 18 milhões de pessoas morreram com a doença só naquele ano, tendo sido registados mais de 14 milhões de novos casos. "Um aumento notável", sublinha o documento..Nuno Miranda, ex-coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas e hematologista no IPO de Lisboa, explicou ao DN que "esta tendência começa a ser notória e, se a OMS a divulga, não é para alarmar, mas para alertar". Sobretudo para a realidade que se está a viver em África, onde a melhoria nas condições sanitárias, mais vacinação e menos doenças infecciosas estão a aumentar a esperança média de vida das populações. "Se vivem mais anos, têm mais hipótese de contrair outro tipo de doenças, como o cancro", especifica Nuno Miranda. "Podem é vir a ter cancros diferentes dos atuais.".Por outro lado, e a juntar a este facto, há ainda a registar uma alteração de hábitos na população africana, na qual se regista nos últimos anos um aumento do consumo de tabaco, entre homens e mulheres, de álcool, muitas vezes de contrafação e adulterado, e também na alimentação, consumo de mais produtos transformados..Daí que argumente: "Os novos casos registados e as mortes nesta região terão um peso forte nas estatísticas mundiais", até porque ainda é muito difícil combater estas mudanças naquelas sociedades. "As políticas de controlo e de prevenção do tabagismo, de álcool e para uma alimentação saudável ainda não são muito eficazes.".O ex-coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas defendeu ao DN que este alerta da OMS vai mais no sentido de "o mundo olhar para esta realidade e apoiar estes países nas suas necessidades mais prementes". No documento, divulgado esta semana, a OMS refere que o cancro do pulmão, da próstata, da mama e colorretal são dos que aparecem com mais frequência também nos países em desenvolvimento, sendo as principais razões "o tabaco, o álcool e as carnes transformadas"..Na UE, o cancro ainda é responsável por mais de um quarto das mortes nos Estados membros.Na Europa Ocidental, na América do Norte e na Austrália a incidência e a mortalidade deste tipo de doença mantém-se estável, refere o relatório, com a salvaguarda de que é preciso continuar a apostar na prevenção. O alerta da União Europeia neste dia 4 de fevereiro para todos os Estados membros também foi para esta questão, recordando que "o cancro ainda é responsável por mais de um quarto das mortes registadas nos 27 países, com o tumor do pulmão a revelar-se como o mais fatal entre os homens e o cancro da mama entre as mulheres"..Em Portugal, o cenário não é diferente do que se passa no resto da UE ou do que se passa no resto da Europa Ocidental, América do Norte e na Austrália. Um em cada dois portugueses sofrerá de cancro e um em cada cinco poderá morrer da doença. Ou seja, "mais de metade dos doentes com diagnóstico não morre de cancro". O cancro do pulmão, dos brônquios e traqueia ainda é dos mais mortais entre os homens e o da mama entre as mulheres. O cancro colorretal também se encontra na lista dos mais mortais..E é em relação ao cancro colorretal que Portugal tem de continuar a trabalhar e ainda mais, defende o ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, Paulo Cortes. Relativamente à tendência definida no documento da OMS sobre os países em desenvolvimento, o médico diz "não poder estar mais de acordo", mas em relação a Portugal deixa também um alerta: "É preciso investir mais no rastreio e no diagnóstico precoce.".No cancro do pulmão e da mama "a cobertura em relação ao rastreio é muito elevada, o que não acontece em relação ao cancro colorretal, e é preciso investir nesta abordagem", argumenta. Até porque hoje "o despiste deste tipo de cancro não se faz só através da colonoscopias, mas já pelo despiste de sangue nas fezes"..De acordo com o relatório agora divulgado pela OMS, uma em cada cinco pessoas morrerá de cancro antes dos 75 anos, estando este tipo de doença entre as primeiras causas de morte precoce, entre os 30 e os 69 anos, em 134 países dos 183 que integram a organização..Medidas de prevenção para o HPV dão uma perspetiva de erradicar a doença.No entanto, há notas positivas. A OMS chama a atenção para o facto de as medidas tomadas para a prevenção do papilomavírus - uma das doenças sexuais mais transmissíveis - estarem a reduzir o número de novos casos de HPV e a sua taxa de mortalidade. "A vacinação para o papilomavírus humano abre uma perspetiva de erradicação da doença, tal como aconteceu com outras doenças, como a pólio e a varíola", pode ler-se no relatório da OMS..Um resultado que os médicos portugueses Nuno Miranda e Paulo Cortes consideram ser "um imenso ganho civilizacional para alguns países. A vacinação em massa foi um caminho significativo para a prevenção". Em Portugal, a vacina para o HVP já está integrada no Plano Nacional de Vacinação..Quanto ao que ainda há a fazer na área da oncologia no nosso país, salvaguardando os resultados alcançados até agora, os dois médicos argumentam "haver ainda muito a fazer". Nuno Miranda salienta que "queremos sempre mais e temos de continuar a desenvolver a área da prevenção e do diagnóstico precoce". O médico diz ficar muito incomodado com "o facto de não termos uma resposta atempada para cada um dos doentes"..Paulo Cortes assinala que Portugal já tem tecnologia de ponta para tratar a doença, mas ainda serviços dispersos e falta de organização. "É preciso melhorar a organização e a planificação. Os planos de ação existem, mas muitas vezes não saem da gaveta", afirma. O oncologista defende ser preciso haver mais partilha de informação entre todas as áreas e entidades que participam nas decisões a tomar relativamente a este tipo de doença. "É importante levar cada vez mais as pessoas, e os próprios doentes, a debater e a participar nessas decisões.".No relatório divulgado neste ano, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, deixou uma mensagem: "Se identificarmos os factos científicos mais adequados à situação de cada país, se tomarmos medidas sólidas quanto à cobertura sanitária universal na luta contra o cancro, se mobilizarmos as diferentes partes para um trabalho conjunto, poderemos salvar, pelo menos, sete milhões de vidas na próxima década."