No dia que se esperava ser o do ciclone, Adelaide Moreira dispensou os empregados, arrumou o que pôde na esplanada, fechou o restaurante, portas e portadas das janelas, e ficou à espera. Estava sozinha - o marido viajara -, eram 14.00 de quinta-feira, 14 de março, quando o tempo se agravou. E veio sempre a piorar. A grande árvore que tinha na esplanada caiu, arrancada pelas raízes. "Tive muito medo, as janelas começaram a abrir-se e não sei onde fui buscar tanta força para as fechar. Mas tinha o telefone, falava com o meu marido e com uma amiga, até que ficámos sem comunicações, eram 21.00. Pedi para virem buscar-me, mas já ninguém conseguia sair de casa. Fiquei sem saber o que fazer..O pior foi entre as 22.00 e as 03.00, depois começou a abrandar, às 06.00 estava tudo calmo." Quando conseguiu sair de casa, viu que os estragos não eram assim tantos e, logo no domingo, abriu o Tuga"s, o restaurante que fica no rés-do-chão da sua casa, na marginal da cidade da Beira, nas Palmeiras. "Tive muita sorte, os prejuízos são insignificantes. O que me salvou foi a casa ter uma construção robusta e a árvore ter caído para cima da varanda, protegeu as janelas e o telhado. Protegeu toda a parte da frente, que era a que estava a apanhar com a tempestade", conta..Adelaide protegeu-se e foi recompensada. O Idai acabou por ser uma oportunidade de negócio. Assim são muitas das histórias que acabaram bem, apesar do ciclone que destruiu muitas vidas em Moçambique. E se tivesse destruído o Tuga"s também teria acabado com a segunda vida de Adelaide e do marido. Ambos vieram de Lisboa depois da crise, e como tinham algum valor para investir, resolveram abrir um restaurante em Moçambique. Pedro, o marido, deixou o emprego, ela, que toda a vida tinha sido administrativa, meteu as mãos nos tachos e nas panelas. Trouxe pessoas de Portugal, correu mal, e agora todos os empregados são moçambicanos, 14 no total. "Neste momento, já não preciso de entrar na cozinha, ensinei-os logo no início", orgulha-se..A gastronomia é portuguesa, com o bacalhau e o bife à Tuga"s a liderarem as preferências. Servem 120 refeições ao fim de semana e 60 durante a semana, muitas mais nas três últimas semanas, agora que restaram apenas dois restaurantes. Adelaide contratou mais três funcionários, que trabalhavam em restaurantes que ficaram destruídos. Vieram os clientes das Organizações Não-Governamentais e jornalistas, a quem até arranjaram alojamento. Passaram a servir também almoços entre terça e sexta-feira, dias em que só abriam ao jantar..E o futuro, quando tudo voltar ao normal? "Estou muito preocupada, mais pelo meu pessoal. Estão a passar muito mal e não têm apoio. Há muita gente a bater à minha porta a pedir emprego e não posso fazer nada, isso está a custar-me imenso", confessa Adelaide..Marinheiro previne-se em terra.Está intocável a barraca de take away Galo Verde, na primeira linha do Índico, o mar cujas águas transbordaram e se misturaram com a dos rios e das chuvas. Eduardo Eloy, o dono, voltou a servir sandes e refrescos e fê-lo logo no domingo, mal a tempestade passou. "Não tive um arranhão nas paredes e no telhado, nada, nesta zona que foi a mais crítica", conta. E explica: "Há pessoas que ignoram as notícias e, outros, como eu, seguem os conselhos e acham melhor prevenir-se. Tenho 60 anos, mais de 30 anos no mar, sou de uma família de pescadores, estou habituado a ouvir os outros e sei como se fazem as coisas. Mas o povo não ouve os avisos. É assim com o branco, o preto, o muçulmano, o católico." Eloy é muçulmano, filho de pai marroquino e mãe moçambicana..Eloy levou a manhã de 14 de março a tapar as placas de zinco da tasca com sacas de areia. "Cobri tudo, 50 sacos com 35/40 quilos cada, lado a lado, juntinhos. Com a água, a areia fica molhada e molda-se às coisas, faz peso, não é como as madeiras ou pedras, que voam. Consegui proteger isto à minha maneira e deu resultado", explica..Este é o quarto ciclone de Eloy: nasceu na Beira, capital da província de Sofala. Mas nenhum tão grave como este. "O olho do furacão foi mesmo em cima da Beira, daí ter provocado tantos estragos." E ele, teve sorte? "Vivo disto, se não abrir a porta não tenho rendimento. Limpei os ramos, o lixo, tudo o que a água tinha trazido, e recomecei. Se tive sorte, contribuí para ela", argumenta, antes de vender mais uma lata de refrigerante. Não serve bebidas alcoólicas. E faz questão de sublinhar isso..Construção robusta e com regras.O alemão Dita Koch gosta dos dias abafados e húmidos de Moçambique, bem contrastantes com a sua cidade natal, Munique. Tem 71 anos, foi empresário, vive entre a Europa e a África. Gosta de se sentar à entrada da mansão, a olhar para o mar, com uma cerveja fresquinha, o que continua a fazer..A grande vivenda que comprou, e reconstruiu, de frente para o mar, ficou praticamente intacta. Apenas alguns vidros que não protegeu ficaram partidos, a porta de entrada empenada, parte do muro caído, que rapidamente arranjou. E o seu caso não é de sorte. É, aliás, exemplar de como os efeitos devastadores do ciclone também se explicam pela má construção e habitações precárias..O engenheiro, mas de eletrónica, tem uma tese que vai de acordo com as alterações climáticas. "Os ciclones são uma constante. O que se passa é que, agora, têm muito mais energia devido às alterações climáticas. Está a acontecer em todo o mundo, a temperatura sobe e os ciclones têm mais força.." Em Moçambique a história agrava-se porque, segundo Dita, tem havido negligência da guarda costeira. "O mar comeu 20 metros de praia, agora temos só cinco a seis metros de areia. As autoridades moçambicanas estão a pedir ajuda, mas só ajuda não vai resolver. Têm de ser tomadas medidas de fundo e esta cidade tem falta de infraestruturas. A marginal está cheia de postes caídos, sabe porquê? Estavam enterrados 80 centímetros, quando deveriam ter mais do dobro, devem ter vinte por cento da altura enterrados. Um poste com 12 metros deve ter 2,4 metros na terra".