Oito anos antes do referendo de 23 de junho de 2016 sobre o Brexit, Nick Clegg, então líder dos liberais-democratas britânicos, assinou um artigo no jornal The Guardian intitulado "Ask the under-50s", ou seja, "Façam a pergunta a quem tem menos de 50 anos". Clegg, que mais tarde viria a ser vice-primeiro-ministro de David Cameron, argumentava que mais dia menos dia a relação entre o Reino Unido e a UE teria de ser submetida a um referendo. E que as pessoas com menos de 50 anos iriam confirmar que os britânicos querem permanecer no clube europeu, a que aderiram em 1973. Problema: no referendo de 2016 ganhou o Brexit por 52% contra 48%. O Leave - sair da UE - foi sobretudo apoiado pelos eleitores com 65 anos ou mais e o Remain - ficar na UE - pelos que tinham entre 18 e 24 anos..Agora, face à ameaça de eleições antecipadas no Reino Unido, as quais poderiam ser transformadas numa espécie de segundo referendo sobre o Brexit, está a haver uma corrida ao recenseamento. E sobretudo nas faixas etárias até aos 34 anos, reporta o The Guardian, com base em dados oficiais do governo. Entre segunda e terça-feira, mais de cem mil britânicos recensearam-se para votar em eleições. Segundo o mesmo diário, o número é muito superior ao normal de registos em dias de semana. A média, em agosto, foi de 27 mil registos por dia. Nesta segunda-feira, houve 52 408 e na terça-feira 64 485..58% dos registos submetidos nestes dois dias são de eleitores com menos de 34 anos, um dado que pode ser encorajador para os partidos que assentam no apoio dos eleitores mais jovens. Caso houvesse eleições a 15 de outubro, como queria o primeiro-ministro conservador Boris Johnson, a data-limite para recenseamento era o dia 27 de setembro. Esta adesão ao sistema de registos online significa que os partidos anti-Brexit ou anti-No Deal Brexit sairiam beneficiados em caso de eleições antecipadas no Reino Unido? Ou que o Remain ganharia em caso de um segundo referendo? Só mesmo comprovando na prática..Parlamento - 1 Boris - 0.Boris Johnson voltou nesta quarta-feira noite à Câmara dos Comuns para apresentar uma moção a solicitar que os deputados votem a favor da convocação de eleições legislativas antecipadas no Reino Unido. Saiu derrotado. 298 deputados votaram contra a sua moção, 56 votaram a favor. Boris não conseguiu a maioria necessária de 434 deputados, ou seja, dois terços dos eleitos da Câmara dos Comuns.."Só há uma forma de levar este país para a frente. A câmara votou, repetidamente, para sair da UE, mas também votou para atrasar essa saída. Hoje, receio, votou para arruinar quaisquer hipóteses de negociação séria", declarou o primeiro-ministro britânico e líder do Partido Conservador, entre gritos de "Não há nenhumas" vindos da oposição, referindo-se à proposta de lei que os deputados acabavam de aprovar em terceira leitura. A chamada proposta de lei Benn, que agora sobe à Câmara dos Lordes, visa legislar no sentido de travar um No Deal Brexit a 31 de outubro.."O país deve decidir se vou eu ou o líder da oposição a Bruxelas para resolver isto. Se for eu o primeiro-ministro, tentarei ter um acordo. E acredito que posso consegui-lo. No entender deste governo, deve agora haver eleições a 15 de outubro", sublinhou Boris Johnson. Essa data é o dia a seguir ao regresso do Parlamento - após a suspensão - e ao discurso da rainha Isabel II. E dois antes do Conselho Europeu, previsto para os dias 17 e 18 de outubro..Respondendo ao desafio do chefe do governo conservador, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, reiterou o que já dissera antes: primeiro assegura-se que a lei Benn entra em vigor, antes da suspensão do Parlamento, depois, sim, eleições antecipadas. Isto para evitar que haja eleições e, mesmo assim, um No Deal Brexit a 31 de outubro.."Este primeiro-ministro diz que tem uma estratégia, mas não é capaz de nos dizer, nem a nós nem à UE, qual é ela. Não há nada. Nada. Se tem um plano para o Brexit, deve pô-lo perante o público, quer seja num [segundo] referendo ou em eleições legislativas", declarou o líder da oposição trabalhista. "A verdade é que esta moção deste primeiro-ministro serve para jogar um jogo que é indigno desse cargo. É uma jogada cínica que vem de um primeiro-ministro cínico", acrescentou Corbyn.."A proposta de eleições feita hoje é como quando a Rainha Malvada ofereceu uma maçã envenenada à Branca de Neve: o que dá não é nem uma maçã nem uma eleição, mas o veneno de um Brexit sem acordo", disse o dirigente trabalhista, no início de um debate em que algumas vozes classificaram este Parlamento como "um Parlamento zombie" e outros responderam que "zombie é o governo"..A moção de Boris Johnson surgiu depois de os deputados britânicos terem aprovado nesta quarta-feira à tarde, em segunda e em terceira leitura, a chamada proposta de lei Benn, no sentido de legislar para travar um No Deal Brexit a 31 de outubro, forçando o governo, se preciso for, a pedir um novo adiamento do Brexit à UE27 até 31 de janeiro de 2020. Na segunda leitura, 329 deputados votaram a favor, 300 votaram contra. Na terceira leitura, 327 votaram a favor e 299 contra..Esta votação acontece um dia depois de a Câmara dos Comuns ter conseguido arrebatar ao governo o controlo da agenda parlamentar, por 328 votos a favor e 301 contra. Isto depois de 21 deputados rebeldes do Partido Conservador se terem unido à oposição, participando agora nos trabalhos da Câmara dos Comuns como independentes. Um deles passou-se mesmo para a bancada dos liberais-democratas como forma de protestar contra Boris Johnson. Isto enquanto o primeiro-ministro discursava. Phillip Lee, médico de formação, retirou assim a maioria a Boris, que era de apenas um deputado e contava, para o efeito, já com os dez deputados do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP)..Os deputados anti-No Deal Brexit e o primeiro-ministro britânico estão numa luta contrarrelógio antes da suspensão do Parlamento. Esta foi solicitada por Boris Johnson e aprovada pela rainha Isabel II. Deverá começar entre 9 e 12 de setembro. E terminar a 14 de outubro com o tradicional discurso da monarca perante o Parlamento de Westminster, que deve marcar o início de uma nova legislatura..Os críticos do chefe do governo conservador sofreram hoje um duro revés ao ver o Tribunal de Edimburgo, na Escócia, decidir que a ação do governo "não viola a lei", porque o poder de suspender a Câmara dos Comuns "é um poder reservado ao executivo". Nesta quinta-feira será apreciada, em Londres, outra ação legal, submetida por Gina Miller (que em 2017 recorreu aos tribunais para forçar o governo a consultar o Parlamento para ativar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa)..A aprovação da proposta de lei Benn (o nome vem do deputado que encabeça os subscritores, o trabalhista Hillary Benn) foi feita em segunda e terceira leitura, depois de votadas também emendas. A lei para travar um No Deal Brexit sobe agora à Câmara dos Lordes para a próxima fase. Já na madrugada desta quinta-feira, os Lordes comprometeram-se a devolver a lei Benn à câmara dos Comuns até às 17.00 de sexta-feira, para que esta possa estar aprovada e publicada até segunda-feira, dia a partir do qual o Parlamento pode, segundo a ordem real, ser suspenso..Assim, tendo Boris dito nesta terça-feira no Parlamento que vai cumprir a lei Benn se ela for aprovada por esse mesmo Parlamento, tendo a sua moção sido chumbada nesta noite e, caso a oposição não apresente uma moção de censura para fazer cair o seu governo, o primeiro-ministro ficará com três opções:.1 - conseguir de facto uma alternativa ao backstop, aceitável para britânicos, irlandeses e UE27, tendo realmente um novo acordo sobre o Brexit para submeter a votação no Parlamento quando este regressar da suspensão a 14 de outubro; segundo uma emenda apresentada por Stephen Kinnock - e aprovada na quarta-feira à noite no meio do caos -, se o primeiro-ministro tiver de pedir uma extensão do artigo 50.º , pode fazê-lo para que uma nova versão do acordo negociado entre Theresa May e a UE27 seja votada. Problema: esse acordo já foi rejeitado três vezes por causa do ponto do backstop. Esta emenda foi aprovada, ao que tudo indica, por engano, uma vez que, não tendo havido nenhum deputado a oferecer-se para contar os votos pelo "não", o "sim" ganhou automaticamente, por defeito;.2 - pedir uma nova extensão do artigo 50.º do Tratado de Lisboa à UE27, até 31 de janeiro de 2020, no Conselho Europeu de 17 e 18 de outubro, organizando depois eleições antecipadas, como defende o Labour. Problema: Boris disse na terça-feira que nunca o fará, muito menos obrigado pelo Parlamento. Na UE27 alguns países poderão também não estar disponíveis para viabilizar mais um adiamento - o terceiro - do Brexit;.3 - demitir-se do cargo de primeiro-ministro, para não ter de sofrer a humilhação de pedir um adiamento do Brexit à U27, dando lugar a outro líder conservador ou a um governo de unidade nacional. Esse, sim, poderia pedir uma extensão do artigo 50.º, com o objetivo de se realizarem novas eleições ou de se realizar um segundo referendo sobre o Brexit. No limite, o Reino Unido pode sempre desativar o artigo 50.º, cancelando o Brexit. Mas isso iria contra o resultado do referendo de 2016 e seria, tal como a suspensão do Parlamento, classificado como medida antidemocrática..Boris critica "lei de rendição" numa troca de acusações com Corbyn.Durante a sessão de perguntas ao primeiro-ministro na Câmara dos Comuns, Boris Johnson reiterou nesta quarta-feira de manhã que o seu governo vai garantir o Brexit a 31 de outubro e que o único obstáculo a garantir isso é "proposta de lei de rendição" que os deputados estavam a fazer tudo por tudo para aprovar.."Posso convidar o líder da oposição a confirmar, quando se levantar dentro de pouco tempo, que, se a proposta de lei da rendição for aprovada, ele vai permitir que o povo deste país tenha hipótese de se pronunciar sobre o que ele está a propor numas eleições a 15 de outubro", disse Johnson na primeira intervenção, desafiando Jeremy Corbyn a apoiar a antecipação das eleições no Reino Unido..No Parlamento, o líder do Partido Conservador repetiu que está a fazer "avanços" na negociação com a União Europeia. Isto depois de o líder da oposição o ter acusado de querer que o "relógio" avance para garantir um Brexit sem acordo, não tendo qualquer estratégia de negociação.."Que propostas é que apresentou à União Europeia?", questionou Corbyn, dizendo que, se o primeiro-ministro acredita que fez avanços, diga quais foram. Boris Johnson diz que não negoceia em público. E acrescenta: "Este governo vai conseguir um acordo. Vamos conseguir um acordo que esta Câmara pode aprovar." Na véspera, Boris avançara que vai encontrar-se na segunda-feira, em Dublin, com o primeiro-ministro da República da Irlanda, Leo Varadkar, para falar sobre o backstop - controverso mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após a saída do Reino Unido da UE..Johnson acusou Corbyn de estar a minar as negociações com a União Europeia, com o líder do Labour a responder que não consegue ver como pode estar a fazê-lo se não estão a decorrer quaisquer negociações. Lembrando que Boris Johnson é primeiro-ministro há seis semanas, Corbyn diz que ele não fez "nada" para mudar o acordo alcançado pela antecessora, Theresa May, contra o qual votou contra em "duas [das três] vezes"..Corbyn, por sua vez, acusou Johnson de gastar cem milhões de libras em campanhas publicitárias, mas não divulgar dados sobre pobreza e programas alimentares. E perguntou o que está ele a esconder. O primeiro-ministro respondeu dizendo que Corbyn gastaria mil milhões de libras por mês para ficar na União Europeia..O líder da oposição também acusou Boris Johnson de não responder às perguntas, alegando que ele está "desesperado para evitar o escrutínio". Corbyn diz que isso acontece porque o primeiro-ministro não tem "plano, maioria ou autoridade"..A troca acesa de palavras entre os dois líderes teve como pano de fundo os gritos dos outros deputados, com Boris Johnson a acusar Corbyn de ser um cobarde por não querer ir a eleições, desafiando-o a ir a votos a 15 de outubro..Depois de Corbyn, o líder do Partido Nacionalista Escocês no Parlamento britânico assumiu a palavra e também não poupou o primeiro-ministro. Ian Blackford acusou Boris Johnson de se comportar "mais como um ditador do que como um democrata", pedindo-lhe que respeite a vontade da Câmara dos Comuns e afaste a hipótese de um No Deal Brexit. Mas o primeiro-ministro respondeu que vai respeitar a vontade dos britânicos expressa no referendo de 2016 (52% a favor do Brexit, 48% contra o Brexit).Questionado também pelo ex-procurador-geral Dominic Grieve, um dos rebeldes conservadores, sobre as razões pelas quais quer suspender os trabalhos do Parlamento, Boris Johnson diz que não quer discutir procedimentos legais com ele, apontando-lhe para a decisão de um tribunal escocês que rejeitou o pedido de vários deputados que queriam que fosse considerada ilegal..Tribunal escocês considerou legal a suspensão do Parlamento britânico.Um tribunal na Escócia decidiu nesta quarta-feira que a suspensão do Parlamento decretada pelo governo britânico é legítima e rejeitou uma providência cautelar interposta por 75 parlamentares britânicos que visavam cancelá-la..O juiz Raymond Doherty afirmou que a ação do governo "não viola a lei", porque o poder de suspender a Câmara dos Comuns "é um poder reservado ao executivo"..A ação foi iniciada por um grupo de cerca de 75 deputados e membros da Câmara dos Lordes pró-europeus em julho, quando a suspensão do Parlamento ainda era apenas uma possibilidade..Em curso estão outras duas ações judiciais, uma no Supremo Tribunal de Belfast, na Irlanda do Norte, promovida pelo ativista dos direitos humanos Raymond McCord, e outra no Supremo Tribunal de Londres, que foi apresentada por Gina Miller e vai ser analisada nesta quinta-feira..Em 2017, Gina Miller protagonizou um processo bem-sucedido nos tribunais que forçou o governo britânico a submeter ao Parlamento a proposta de ativar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa para, assim, poder formalizar o pedido de saída da UE, a qual acabou por ser aprovada por 498 votos a favor e 114 contra..A ação agora movida por Miller ganhou relevância após se terem associado a ela o antigo primeiro-ministro John Major, a líder dos liberais-democratas, Jo Swinson, e vários dirigentes do Partido Trabalhista..O governo britânico obteve autorização da rainha Isabel II para suspender o Parlamento durante cinco semanas, até 14 de outubro, com o objetivo de "apresentar uma nova agenda legislativa nacional ousada e ambiciosa para a renovação do país após o Brexit", invocou na altura o primeiro-ministro, Boris Johnson..Porém, a oposição política considerou a decisão um "escândalo e uma ameaça à democracia" e uma manobra para forçar um No Deal Brexit a 31 de outubro.