Quando ainda era criança, Vjosa Osmani escutava as conversas dos homens que se juntavam na sala da sua casa e discutiam com o pai o futuro político e a eventual separação do Kosovo da Sérvia. O que se seguiu é sabido. Guerra. Morte. Negociações que não levaram a lado nenhum. Independência unilateral. Tensão e conflito político Pristina-Belgrado. Desemprego, êxodo, falta de perspetivas de vida, dificuldades económicas, descontentamento em relação à corrupção. Hoje, esta deputada formada em Direito nos EUA, com 38 anos, quer ser a primeira mulher a chegar à chefia do governo do Kosovo.."Posso fazê-lo porque sou uma mulher, precisamente por causa disso", declarou à AFP a cabeça-de-lista do partido Liga Democrática do Kosovo (LDK). Este foi cofundado em 1989 por Ibrahim Rugova, considerado como "o pai da nação". "Em 90% dos casos são os homens que estão envolvidos na corrupção. Uma mulher tem uma visão diferente. Do Estado. De como cuidar dos nossos cidadãos", afirmou, à Reuters, a candidata àquelas que são as quartas eleições no Kosovo no espaço de 11 anos - desde que se declarou independente da Sérvia (no dia 17 de fevereiro de 2008)..O escrutínio, que se realiza neste domingo, foi desencadeado pela demissão do primeiro-ministro Ramush Haradinaj, depois de ter sido convocado para ir responder por crimes de guerra, em Haia, perante o Tribunal Penal para a ex-Jugoslávia. Ex-comandante do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK), Haradinaj é líder da Aliança para o futuro do Kosovo e governou, entre 2017 e 2019, um executivo composto por três partidos grandes e seis formações pequenas representantes das minorias étnicas kosovares. Um deles era o Partido Democrático do Kosovo (PDK), do presidente Hashim Thaçi, que tem dominado a vida política do novo país desde a sua independência unilateral - entretanto reconhecida por mais de cem países (entre os quais está Portugal)..Desta vez, porém, os outros partidos disseram todos antecipadamente que recusam uma coligação com o partido de Thaçi, outro ex-comandante do UÇK. "A maioria dos partidos diz que já não quer qualquer aliança com o partido do establishment", disse à Al-Jazeera Agron Bajrami, diretor do Koha Ditore, maior jornal do Kosovo, cujo nome significa em português o tempo diário. E acrescenta que pode haver uma coligação entre o LDK de Vjosa Osmani e o Vetëvendosje (Autodeterminação), liderado por Albin Kurti (por vezes apelidado de o Che Guevara do Kosovo). As formações de Osmani e de Kurti, este com 44 anos, são as favoritas, apesar de as sondagens referidas pelos media internacionais não apontarem para uma maioria absoluta por parte de ninguém..De acordo com a Transparency International, o Kosovo era, no ranking de 2018, o 93.º país mais corrupto do mundo. Em 180. E as maiores ligações a casos de corrupção surgem precisamente da parte dos antigos combatentes pela independência. Os jovens pensam que é altura de mudar. No Kosovo, a maioria da população - 53% - é jovem e tem menos de 25 anos. As mulheres são a maioria na faixa etária dos 65 ou mais (os homens morreram durante a guerra). A maioria dos kosovares é de etnia albanesa (92,6%) e muçulmanos de religião (95,6%). "Os cidadãos não estão satisfeitos com a forma como economia, política e Estado de direito têm estado a funcionar", refere Bajrami, sublinhando que há preocupações maiores: "O tipo de serviços que temos, o sistema de saúde, de educação, o desemprego e como travar a fuga dos jovens." A diáspora kosovar é estimada entre 700 mil e 800 mil pessoas..Enquanto as organizações internacionais e as grandes potências falam na importância de se retomar o diálogo Pristina-Belgrado, o impasse nas negociações entre o Kosovo e a Sérvia não é prioridade para os kosovares. "As pessoas querem emprego, educação, melhorar a sua qualidade de vida. No futuro podemos esperar guerra comercial entre Pristina e Belgrado", declarou o diretor executivo do think tank independente Balkans Policy Research Group, Naim Rashiti, à Euronews. O Kosovo impôs entretanto taxas alfandegárias de 100% sobre os produtos sérvios e diz que só levanta a medida quando Belgrado reconhecer a independência kosovar..Não parece que vá resultar. A Sérvia está empenhada em convencer países a revogar o reconhecimento da independência kosovar e diz que já logrou que 15 o fizessem. Bloqueou a adesão kosovar à UNESCO e à ONU. Nesta última através da Rússia. O país de Vladimir Putin não reconhece o Kosovo e tem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Daí que, para os sérvios, seja preferível prosseguir as negociações com os kosovares no quadro da ONU, onde Rússia e China, seus aliados, têm direito de veto no Conselho de Segurança.