"Neto de Moura sente-se enxovalhado", lê-se na primeira página de um jornal. A piada estaria feita, sem mais explicações, não fosse o próprio juiz ainda não a ter compreendido. Talvez nós possamos dar uma ajuda..Comecemos por chamar o juiz pelo nome: Joaquim Neto de Moura. E não venham dizer que estamos a invocar o "santo" nome de um juiz em vão, que isso, tanto quanto sei, ainda não é pecado e, muito menos, crime. Até porque, na categoria de crimes deste juiz, cabe tudo - ou quase tudo -, como é facilmente constatável pelos seus acórdãos em casos de violência doméstica..Cabe, por exemplo, a desobediência da mulher ao marido. Isso sim é criminoso para Neto de Moura. Ora, para um juiz que não gosta que lhe chamem misógino, estamos conversados..Cabe ainda a mulher adúltera, que representa, para Neto de Moura, "um gravíssimo atentado à honra e à dignidade do homem", quase parecendo lamentar que este tipo de mulher não viva em algumas sociedades onde "seria alvo de lapidação até à morte.".Neto de Moura - que parece querer acumular o cargo de juiz com o de padre da época medieval - tem um conceito muito próprio de justiça: mulher que não seja obediente ao marido pode ser espancada, mas marido que bate na mulher pode dar-se o caso de ser só vítima de uma tendência - modernices - em que "a mais banal discussão ou desavença entre marido e mulher é logo considerada violência doméstica e o suposto agressor é diabolizado"..É por isso que, na categoria de crimes deste juiz do Tribunal da Relação - sim, corem de vergonha -, um homem que espancou a mulher até lhe rebentar o tímpano pode perfeitamente ficar sem pulseira eletrónica e voltar a aterrorizá-la - porque, repare-se!, o coletivo de juízes que o condenou a ficar longe da vítima não explicou bem porque é que isso era preciso..Ora, parece que o digníssimo juiz não gostou que jornalistas, humoristas, políticos, figuras públicas e cidadãos em geral andassem para aí a apreciar e a fazer considerandos sobre os seus acórdãos e sobre a forma como o excelentíssimo senhor juiz exerce a sua magistratura. Sente-se enxovalhado. Injustiçado. Uma vítima, no fundo. É verdade que não o esbofetearam, ninguém lhe deu com um pau cheio de pregos e não lhe rebentaram com os tímpanos, mas, em tudo o resto, este juiz quase podia ser considerado vítima de violência mediática. Se esse crime existisse. É uma pena que não exista. Se fosse noutras sociedades... isso é que era..Pois bem, aguardemos todos pelos processos que aí vêm, mas, no entretanto, foquemos no mais importante. Como é que Neto de Moura continua a ser juiz? Quantos acórdãos sobre violência doméstica como estes precisa este senhor de fazer até que alguém o afaste? Quantos agressores, quantos criminosos precisa ele de colocar em liberdade, até que alguém perceba o que está a acontecer? E a pior de todas as perguntas: quem aceitará a responsabilidade pela morte das mulheres que, com acórdãos como estes, sejam deixadas à mercê dos animais que decidirem - e conseguirem - matá-las?.Simplificar Neto de Moura como uma anedota nacional é um erro. Enquanto nos rimos à gargalhada das piadas que se fazem sobre ele, outras choram de terror entre quatro paredes, numa ansiedade permanente, à espera de que o agressor - o criminoso -, que foi deixado à solta, lhes bata à porta ou lhes faça mais um telefonema ameaçador..Neto de Moura é um perigo público e é urgente travá-lo. Quase tão urgente como travar todos aqueles que praticam diariamente crimes de violência doméstica. Afinal, não foram os jornalistas que deram ordem de soltura às bestas que batem em mulheres. Não foram os humoristas que deixaram indefesas e num desespero atroz as mulheres que foram vítimas dessa violência doméstica. E não foram os políticos, nem qualquer figura pública, que foram à Idade Média buscar argumentos para justificar o injustificável. Tudo isso é currículo do juiz Neto de Moura. Do qual ele parece orgulhar-se, já que, se voltasse atrás, não retiraria uma frase dos seus acórdãos..Talvez o Conselho Superior de Magistratura pudesse fazer qualquer coisa? E fez. Primeiro, fez uma advertência escrita ao senhor juiz - exemplar! Agora, perante este novo acórdão, é que não encontrou matéria para abrir um novo processo. As corporações são para defender até à morte, não é? Literalmente. Já agora, onde estão os juízes conselheiros que têm por missão avaliar o senhor juiz Neto de Moura? Que notas lhe deram? Suf +? Bom? Excelente?.Há um lado em mim que deseja que Neto de Moura processe todos os que o criticaram. Talvez o impacto mediático dessa ação faça mais pela vida das vítimas de violência doméstica do que todos os acórdãos escritos até hoje. E talvez assim o país fique a conhecer melhor este senhor juiz. E a forma como a nossa justiça não funciona.
"Neto de Moura sente-se enxovalhado", lê-se na primeira página de um jornal. A piada estaria feita, sem mais explicações, não fosse o próprio juiz ainda não a ter compreendido. Talvez nós possamos dar uma ajuda..Comecemos por chamar o juiz pelo nome: Joaquim Neto de Moura. E não venham dizer que estamos a invocar o "santo" nome de um juiz em vão, que isso, tanto quanto sei, ainda não é pecado e, muito menos, crime. Até porque, na categoria de crimes deste juiz, cabe tudo - ou quase tudo -, como é facilmente constatável pelos seus acórdãos em casos de violência doméstica..Cabe, por exemplo, a desobediência da mulher ao marido. Isso sim é criminoso para Neto de Moura. Ora, para um juiz que não gosta que lhe chamem misógino, estamos conversados..Cabe ainda a mulher adúltera, que representa, para Neto de Moura, "um gravíssimo atentado à honra e à dignidade do homem", quase parecendo lamentar que este tipo de mulher não viva em algumas sociedades onde "seria alvo de lapidação até à morte.".Neto de Moura - que parece querer acumular o cargo de juiz com o de padre da época medieval - tem um conceito muito próprio de justiça: mulher que não seja obediente ao marido pode ser espancada, mas marido que bate na mulher pode dar-se o caso de ser só vítima de uma tendência - modernices - em que "a mais banal discussão ou desavença entre marido e mulher é logo considerada violência doméstica e o suposto agressor é diabolizado"..É por isso que, na categoria de crimes deste juiz do Tribunal da Relação - sim, corem de vergonha -, um homem que espancou a mulher até lhe rebentar o tímpano pode perfeitamente ficar sem pulseira eletrónica e voltar a aterrorizá-la - porque, repare-se!, o coletivo de juízes que o condenou a ficar longe da vítima não explicou bem porque é que isso era preciso..Ora, parece que o digníssimo juiz não gostou que jornalistas, humoristas, políticos, figuras públicas e cidadãos em geral andassem para aí a apreciar e a fazer considerandos sobre os seus acórdãos e sobre a forma como o excelentíssimo senhor juiz exerce a sua magistratura. Sente-se enxovalhado. Injustiçado. Uma vítima, no fundo. É verdade que não o esbofetearam, ninguém lhe deu com um pau cheio de pregos e não lhe rebentaram com os tímpanos, mas, em tudo o resto, este juiz quase podia ser considerado vítima de violência mediática. Se esse crime existisse. É uma pena que não exista. Se fosse noutras sociedades... isso é que era..Pois bem, aguardemos todos pelos processos que aí vêm, mas, no entretanto, foquemos no mais importante. Como é que Neto de Moura continua a ser juiz? Quantos acórdãos sobre violência doméstica como estes precisa este senhor de fazer até que alguém o afaste? Quantos agressores, quantos criminosos precisa ele de colocar em liberdade, até que alguém perceba o que está a acontecer? E a pior de todas as perguntas: quem aceitará a responsabilidade pela morte das mulheres que, com acórdãos como estes, sejam deixadas à mercê dos animais que decidirem - e conseguirem - matá-las?.Simplificar Neto de Moura como uma anedota nacional é um erro. Enquanto nos rimos à gargalhada das piadas que se fazem sobre ele, outras choram de terror entre quatro paredes, numa ansiedade permanente, à espera de que o agressor - o criminoso -, que foi deixado à solta, lhes bata à porta ou lhes faça mais um telefonema ameaçador..Neto de Moura é um perigo público e é urgente travá-lo. Quase tão urgente como travar todos aqueles que praticam diariamente crimes de violência doméstica. Afinal, não foram os jornalistas que deram ordem de soltura às bestas que batem em mulheres. Não foram os humoristas que deixaram indefesas e num desespero atroz as mulheres que foram vítimas dessa violência doméstica. E não foram os políticos, nem qualquer figura pública, que foram à Idade Média buscar argumentos para justificar o injustificável. Tudo isso é currículo do juiz Neto de Moura. Do qual ele parece orgulhar-se, já que, se voltasse atrás, não retiraria uma frase dos seus acórdãos..Talvez o Conselho Superior de Magistratura pudesse fazer qualquer coisa? E fez. Primeiro, fez uma advertência escrita ao senhor juiz - exemplar! Agora, perante este novo acórdão, é que não encontrou matéria para abrir um novo processo. As corporações são para defender até à morte, não é? Literalmente. Já agora, onde estão os juízes conselheiros que têm por missão avaliar o senhor juiz Neto de Moura? Que notas lhe deram? Suf +? Bom? Excelente?.Há um lado em mim que deseja que Neto de Moura processe todos os que o criticaram. Talvez o impacto mediático dessa ação faça mais pela vida das vítimas de violência doméstica do que todos os acórdãos escritos até hoje. E talvez assim o país fique a conhecer melhor este senhor juiz. E a forma como a nossa justiça não funciona.