Luz teve jogo frio e sem golos. E a noite trouxe ataque ao autocarro
Uma noite de desilusão e frustração no Estádio da Luz por causa do empate 0-0 com o Tondela, que impediu o Benfica de assumir a liderança da I Liga, tornou-se num autêntico pesadelo, pois no regresso da equipa ao centro de treinos do Seixal, o autocarro da equipa foi atacado com pedradas na A2, fazendo estilhaçar os vidros da viatura, que acabaram por ferir os jogadores Weigl e Zivkovic, que tiveram de receber assistência hospitalar. Foi uma autêntica emboscada, mas a PSP não conseguiu, para já, identificar os seus autores.
Fonte oficial do Benfica revelou que Zivkovic é o jogador que inspira maiores cuidados porque foi atingido por vidros numa vista, enquanto Weigl estará também em estado de choque, afinal reviveu uma situação por que passou no Borussia Dortmund, em 2017, quando o autocarro da equipa sofreu um atentado à bomba quando se deslocava para o seu estádio onde ia defrontar o Mónaco, nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Nesse atentado, o espanhol Marc Bartra ficou ferido num braço e teve mesmo de ser submetido a uma intervenção cirúrgica num braço.
O que aconteceu na A2, a caminho do Seixal, é apenas mais um episódio dos vários que têm acontecido em Portugal, onde o ataque à Academia Sporting, em Alcochete, foi o episódio mais grave.
Um dia alguém disse que "o futebol é o ópio do povo". Uma declaração feliz que atravessou os tempos e que mostra bem aquilo que representa este jogo para boa parte da população mundial. No entanto, há quem veja o futebol como palco para praticar crimes e alimentar o ódio, que acaba por apunhalar aqueles que gostam do jogo. E são muitos.
Esta quinta-feira foi o segundo dia do regresso do futebol a Portugal depois de dois meses e meio de paragem absoluta por causa do covid-19. E estes tempos de pandemia mostram que o futebol também precisa dos verdadeiros adeptos, afinal as bancadas vazias anulam o propósito do futebol: não há emoção, sorrisos, lágrimas e até desespero por um golo falhado. O Benfica-Tondela, no imponente Estádio da Luz, mostrou tudo isso. Um jogo frio, sem golos, onde até as poucas jogadas bonitas ou lances de golo iminente pareceram banais.
Faltou o bruá dos adeptos, os aplausos, os cânticos e aquela tensão que costuma vir das bancadas. No fundo, faltou a essência do futebol, um jogo que também precisa do seu ópio para ser um espetáculo único. No fim, sorriu o Tondela com o empate conquistado, mas até esse sorriso foi amarelo como nas camisolas que envergaram, afinal não tiveram a quem dedicar o feito...
Num jogo como este, no qual o Benfica estava a uma vitória de recuperar a liderança da I Liga, seria normal um Estádio da Luz cheio. Contudo, a única vez que se sentiu algum calor humano foi quando, uma hora e meia antes do início da partida, o autocarro dos encarnados chegou à rotunda Cosme Damião, onde o esperava mais de uma centena de adeptos benfiquistas que quiseram dar força à equipa. Foi o momento em que o coronavírus e as regras de distanciamento social foram esquecidas... só importava apoiar os jogadores, ainda que com sob vigilância dos vários agentes da polícia no local. O Tondela chegava incógnito, mas com a ambição de fazer uma surpresa.
Depressa as imediações da Luz ficaram vazias, era hora de rumar para perto de uma televisão. Afinal, as clássicas roulottes de comes e bebes estavam fechadas a sete chaves, tal como os portões que delimitam o perímetro do estádio. Sozinha e abandonada estava a estátua de Eusébio, ponto de encontro dos adeptos e local obrigatório para tirar fotos para mais tarde recordar. O que diria o Pantera Negra se, de repente, voltasse ao mundo dos vivos?
O cenário desolador aumentou dentro do recinto onde estavam 65 mil cadeiras vazias, embora 21 116 estivessem adornadas com os cachecóis que os sócios do Benfica foram enviando nos últimos dias. Eram esses adereços que, no fundo, representaram o povo que, em vez da romaria, ficou a sofrer em casa, a salvo do perigo de contágio por covid-19, deixando uma enorme plateia abandonada, onde o silêncio era interrompido pelo som do sistema de rega da relva. Terá sido isso que despertou Bruno Lage quando, como habitualmente, entrou sozinho no relvado para contemplar as cadeiras preenchidas com os cachecóis, menos de uma hora antes do início da partida. Talvez se tenha lembrado daquele adepto que encontrou esta semana, que lhe disse que teria o seu coração na bancada.
Outra protagonista antes do apito inicial do árbitro Manuel Mota foi a águia Vitória, um momento muito apreciado, sobretudo pelas crianças. O voo não durou muito, mas a ave de rapina fez questão de inspecionar bem as bancadas até que chegou à conclusão que, afinal, aquele seria mais um treino para que tudo saísse na perfeição quando fosse a sério.
Ao som do "Ser Benfiquista", as equipas entraram no relvado... com distância social, pois claro. Do habitual ritual do Estádio da Luz, só faltou a vénia dos jogadores encarnados ao público, uma tradição "inventada" por António Simões na década de 1960, numa digressão ao Japão.
As máscaras tapavam parte do rosto de todos os que estavam junto às quatro linhas. A exceção eram os treinadores Bruno Lage e Natxo González para que pudessem dar indicações para os seus jogadores. E tanto se ouviu o técnico espanhol do Tondela, que apenas teve como rival o guarda-redes Cláudio Ramos, uma espécie de controlador dos movimentos dos colegas. "Fecha aqui! Vira para a esquerda! Cuidado! Vamos, Vamos!" O dono da baliza dos beirões não se cansou de orientar a sua equipa, o que fazia aumentar a sensação de que, afinal, aquilo era um treino e não um jogo oficial.
Aos dois minutos, o golo esteve perto de acontecer quando Rafa Silva rematou para Cláudio Ramos defender com os pés. Mas esse momento acabou por não ter o impacto que, na realidade, teve... Faltaram os aplausos, um simples "ohh". Qualquer coisa para que os jogadores sentissem que tinha sido um grande momento e que era preciso repetir. Talvez por isso, até ao intervalo, o jogo tenha sido desinteressante e frio, afinal aos artistas faltava também o ópio de serem aplaudidos ou até assobiados. Há quem diga que o pior sentimento é a indiferença e foi mesmo esse o retorno que os jogadores sentiram às suas ações em campo.
A segunda parte trouxe mais determinação e velocidade por parte do Benfica, mais entrega e espírito de sacrifício dos tondelenses, desejosos de marcar esta retoma de forma positiva. A equipa de Bruno Lage foi criando situações para marcar que foram sendo evitadas por Cláudio Ramos, duas vezes pelos ferros e outras duas por Philipe Sampaio e Petkovic, com cortes preciosos que impediram que a bola fosse para o fundo da baliza. Bruno Lage desesperava, quase em silêncio, enquanto Rúben Dias ia motivando os companheiros - "Vamos lá, vamos lá" - gritava ao mesmo tempo que via os minutos a passar.
Do outro lado, Natxo González e Cláudio Ramos continuavam o seu espetáculo vocal, que quase teve outra sonoridade no momento em que Richard Rodrigues fez o único remate perigoso da equipa da Beira Alta, mas ao lado do poste da baliza de Vlachodimos.
O apito final de Manuel Mota ecoou por todo o estádio e com ele a frustração dos jogadores do Benfica, que perderam uma grande oportunidade de voltarem ao primeiro lugar. Este foi o terceiro empate consecutivo na I Liga por parte dos encarnados, que nos últimos seis jogos para o campeonato só venceram um... Os jogadores do Tondela terminaram o jogo em sofrimento físico, mas satisfeitos por terem segurado um ponto que lhes permite estar cada vez mais perto da manutenção.
O campeonato, esse, vai continuar. Faltam nove jornadas que prometem ser atípicas e que dão a sensação de que é preciso cumprir o calendário custe o que custar. Afinal a visão romântica do futebol é hoje ultrapassada pelo negócio que movimenta muitos milhões, mas também pelo pior de tudo: o ódio e o crime, como foi o caso do que aconteceu ao autocarro que transportava os jogadores do Benfica, quando regressava ao centro de treinos do Seixal.